Até aos 23 anos, nunca tinha viajado de avião. Por isso, quando entrei sozinho pela primeira vez no Aeroporto de Lisboa (com quatro horas de sono e uma grande dor de cabeça), tinha a sina reservada: andar perdido entre a multidão. Felizmente, cheguei cinco horas antes do embarque — tempo suficiente para testar o meu péssimo sentido de orientação.
Apesar deste cenário, lembrei-me do meu propósito ali. E, em poucos segundos, a tendência para me queixar diminuiu. Nessa sexta-feira, 17 de fevereiro, viajei para Madrid, a capital espanhola, para assistir à minha primeira semana da moda internacional, a convite da L’Óreal Paris.
Recordo-me de acompanhar desfiles de moda desde muito novo. Além de passar dias inteiros a ver vídeos das passarelas — dos mais antigos aos mais recentes —, costumava colar recortes dos meus vestidos favoritos em cadernos. Sempre tentei não perder nenhuma coleção das minhas marcas favoritas e, por isso, o entusiasmo não podia ser maior.
Mas voltemos à viagem. A hora de embarque estava marcada para o meio-dia, com o voo a partir meia hora depois, e, devido à antecipação, senti que o tempo passou de forma rápida. Já sentado no avião, entre a vista para a janela e o livro que me acompanhou, foi o senhor ao meu lado, a tirar pêlos das sobrancelhas, que captou a minha atenção. Digamos que a viagem não começou da forma mais glamorosa.
Às 15 horas, já em Espanha, fizemos o check-in no Novotel Madrid Center. Seguiu-se uma pausa para almoçar e, confesso, a mesa cheia fez-me esquecer a agitação. À medida que as coisas foram correndo mal, e o tempo apertava, o stress aumentou: fomos a pé para o edifício errado, os transfers não apareciam e os próprios taxistas não sabiam onde ficava o recinto.
Do backstage ao desfile de moda
Após alguma pressa, quando finalmente chego ao IFEMA – Feria de Madrid, onde estava a decorrer o evento, o edifício já estava cheio. Os visuais das pessoas que chegavam ao local confirmaram: estava mesmo numa semana da moda. Havia vestidos com folhos, casacos de pelo até ao chão, muitas peças metalizadas e até boás de plumas ao pescoço como via nas passadeiras vermelhas dos anos 2000.
Nesse momento, no meio de tanta extravagância, olho para a manga da minha camisola. Sem ter reparado (já disse que sou uma pessoa desorientada?), entro no espaço com um rasgão na malha preta de gola alta que tinha escolhido. Até podia assumir o incidente como sendo intencional, uma espécie de detalhe edgy, mas aquele círculo aberto não enganava: escolhi a peça errada para o momento errado.
Não fui à procura de uma costureira, mas, felizmente, encontrei a distração certa. No stand da L’Óreal, na área social, várias mulheres estavam sentadas a ser maquilhadas, e não hesitei. Sentei-me e a profissional que me recebeu levou o seu tempo, fazendo-me sentir como se eu próprio me estivesse a preparar para a passarela. Aproveitei o processo para a questionar sobre as questões que mais tinha ouvido ao longo do dia.
“[Ouço] de tudo. As pessoas perguntam por muitos truques ou sobre como podem maximizar produtos”, contou-me Raquel, a maquilhadora. Uma das dicas é usar batom vermelho, “o clássico que nunca passa de moda”, e que em vez de colocar nos lábios, pasmem-se, colocou nas minhas pálpebras, como uma sombra: “Dá mais pigmentação”.
A calma com que me aplicou os produtos (demorou cerca de 45 minutos) contrastava com o ritmo do backstage. Toda a pressa, sentida entre fotógrafos e make-up artists, causou-me logo alguma ansiedade — mas a inquietação é mais suportável com um olho vermelhão e um cat eye bem feito do que com a cara lavada, admito.
Via pessoas com cabides cheios de roupa, imagens de inspiração para a maquilhagem e moodboards nas paredes. Consegui perceber que havia música ambiente, mas era um som indecifrável devido à azáfama. Foi neste contexto frenético que encontrei a influencer Inês Mocho, que se preparava para desfilar pela L’Óreal, a única portuguesa no evento. Falou-me com uma serenidade que contrastou com toda a agitação que se vivia lá dentro.
“Estou zero nervosa, mas se estivesse a controlar esta equipa estava com a minha energia nos picos”, disse enquanto concluía o rosto. Como está habituada a trabalhar como maquilhadora, sentar-se naquela cadeira foi um desafio: “Sempre que me fazem a maquilhagem, tenho necessidade de ir lá e retocar e dar o meu toque pessoal. Sou muito chata”.
Toda a preparação de beleza é bastante rápida. Segundo a criadora de conteúdos, foram precisos 15 minutos para trabalhar a parte do cabelo e cerca de 10 minutos para a maquilhagem. Ao lado do espelho, estava uma fotografia com o vestido: uma peça completamente transparente e com a lingerie assumida por baixo, do designer Felly Campo, o único modelo que quis experimentar de três opções.
Com tanta gente a correr de um lado para o outro, era impossível estar parado. À medida que explorava o espaço, ouvia falar de influencers espanhóis e francesas, miúdas entre os 18 e os 25 anos, com números de seguidores astronómicos nas redes sociais. Porém, nenhum deles me era familiar e senti que estava a desonrar a minha geração.
Essa sensação só aumentou enquanto esperava na fila e continuava a ser disparado com nomes. “Quem?” era tudo o que eu conseguia pensar. Como é habitual, o alinhamento atrasou-se e demorei 45 minutos para entrar.
O convite indicava que o meu lugar era na parte de cima da plateia, onde me sentei. No entanto, alguns segundos depois, sou chamado para ir para a fila da frente. E, não posso mentir, melhorou a experiência: em concertos, festivais ou desfiles, não resisto à adrenalina de assistir a uma apresentação da front row.
O desfile “Mostra o teu valor”, da L’Óreal Paris, pautou pelo entretenimento. As roupas passaram para segundo plano, com o carisma das convidadas e todos os artifícios a tornarem-se mais apelativos do que os coordenados. Percebi que era uma performance, mais do que um desfile de moda, quando o momento arrancou com um número coreografado. E a abordagem fez sentido, visto tratar-se de uma mistura de várias estilistas, em vez de uma coleção mais coesa.
Na passarela, a marca criou um momento divertido sem parecer forçado, graças às personalidades escolhidas. Todos os elementos do lineup — de um recém-nascido a mulheres sénior, passando por grávidas —, exibiram uma atitude de quem sabia o que estava a fazer. Mesmo as que nunca tinham pisado um palco semelhante. Em vários momentos, foram libertados jatos de fumo e, perto do fim, houve ainda bolhas de sabão pelo ar, elementos intercalados com os gritos e aplausos de quem estava na audiência.
O desfile terminou e sentiu-se entusiasmo. As pessoas continuavam a correr, mas desta vez iam com outro objetivo além da moda, o momento da after-party. No final do dia, a atração principal era a festa Kissing e, ao contrário do que o nome prometia, não havia beijos envolvidos. Porém, não faltaram bancas com cocktails para quem tinha o convite.
No dia seguinte, tive que acordar cedo para apanhar o avião, escrever este texto e, talvez, inscrever-me em aulas de costura para momentos de emergência. Mas pelo menos, naquele momento, estava em Madrid com um gin tónico na mão. E pouco mais importa quando temos um gin tónico na mão, certo?
Aproveite e carregue na galeria para ver algumas imagens do street style, da preparação no backstage e do ambiente do evento.