Ainda não se tinha dado o boom do ChatGPT quando José Sobral, de 28 anos, começou “a brincar” com a Inteligência Artificial. Uma grande parte do seu dia enquanto arquiteto era passada a criar imagens renderizadas e ultrarealistas de mansões para o gabinete onde trabalhava.
Algures em 2023, quando surge um concurso pioneiro dedicado à fusão entre o vestuário e esta tecnologia, o criativo decide tentar a sua sorte. “Apesar da minha formação, sempre tive interesse pela moda. Fez sentido [participar] porque já usava estas ferramentas para me divertir nos tempos livre”, começa por contar à NiT.
O designer português tornou-se o vencedor da primeira Semana de Moda de Inteligência Artificial — a AI Fashion Week — que aconteceu em abril do ano passado. Durante o evento em Nova Iorque, nos EUA, a sua coleção destacou-se entre as propostas de mais de 350 participantes vindos de várias partes do mundo.
Após a final, na qual foi avaliado por vários especialistas, mudou-se para Los Angeles e os designs foram escolhidos para serem produzidos e vendidos (como peças físicas) na loja online da Revolve. Seguiram-se outras colaborações internacionais, uma exposição e uma marca que quer criar “a moda do futuro”.
Da arquitetura para o design, “foi uma mudança natural, mas rápida”, explica. “Usava realidade aumentada e realidade virtual no mundo da arquitetura, então a tecnologia esteve sempre presente no meu dia a dia.”
A criação da Paatiff
Em 2023, José lançou a marca Paatiff como plataforma para apresentar os seus primeiros trabalhos como design de moda. Recorrendo a ferramentas inovadoras — como o Stable Diffusion ou o Midjourney, por exemplo — pensou numa coleção de estreia completa, da história aos materiais.
Até então, dedicava-se a desenvolver algumas peças “sem um contexto prático direto”. Contudo, nos primeiros protótipos, já se notava a estética marcada pela mistura de peças tradicionais do vestuário masculino e feminino, desconstruídas recorrendo a matérias-primas e técnicas digitais que remetem para uma imagem futurista.

“Muitos dos meus materiais não eram de uso simples. Estamos a falar de uma junção do cetim com o PVC reciclado (semelhante ao vinil) e TPU (um plástico transparente). E não era algo que eu dominasse para fazer um vestido, mas tinha uma abordagem ligada à moda sem me inspirar diretamente em designers conhecidos”, refere.
Entre transparências e acabamentos plásticos, foi esta visão que o levou a materializar a sua visão num desfile digital inusitado — que acompanhou a evolução destes recursos. Antes da competição, José refez as imagens entre duas ou três vezes na véspera, porque “a tecnologia não parava”.
Outra das principais preocupações é a pós-produção das imagens, tornando-as indistinguíveis da realidade. E José fazia-no numa altura em que esse realismo ainda não era acessível. “Trabalhava os poros da cara quando ainda quase não era possível. Havia um cuidado enorme com a luz, a pele, as sombras e os materiais inovadores.”
Existe valor humano na IA?
“Não é um substituto [do ser humano], mas uma ferramenta”, alerta José, acrescentando que a parte que mais gostou de todo o processo foi precisamente quando cortou à mão um vestido. Se a história das peças começa em softwares, muitas vezes o objetivo é que se tornem tangíveis.
Para o designer, a inteligência artificial é um instrumento “de visualização daquilo que é proposto”. O processo inclui um controlo total do resultado, o vai da oscilação das cores a detalhes tão subtis como o brilho de um tecido.
Além disso, mantêm-se sempre as inspirações da pessoa que manipula as imagens. “Quando queria fazer vestidos com uns cortes, usei um escultor sul-coreano [como referência] ou olhava para arquitetos e escultores. Queria usar o menor nomes da moda possíveis, porque não havendo essa influência da indústria, torna-se mais interessante.”

Outra das motivações de José para explorar este mercado é a diminuição de desperdício têxtil. “Em cerca de quatro dias, entre testes e ajustes, não há preocupações com excedentes porque é tudo virtual”, explica. Só quando as imagens foram todas aprovadas é que se dá início à confeção.
No final do concurso, “deu-se uma explosão e tudo apareceu ao mesmo tempo”, explica. Após um mês nos escritórios da Revolve, entre reuniões e moodboards (quadros de inspirações), o designer começou a receber vários convites de marcas que queriam incorporar a sua mestria em novas coleções.
Um desses exemplos é a Lion of Porches, que se uniu a José Sobral para criar uma coleção cápsula de workwear totalmente inovadora. Uma preview desta colaboração foi apresentada na última edição da ModaLisboa, em outubro, sendo que as peças vão estar à venda online e em lojas selecionadas da etiqueta portuguesa durante a primavera.
“Recebo convites que ultrapassam a marca a nível de criação de conteúdo. É quase um editorial publicitário”, aponta. Viu o seu trabalho digital exposto em Manhattan, nos Spring Studios, e fez parte de um editorial para uma revista no Dubai, com joias reais da Dior e da Chanel.
Se há um ano não se imaginava a ver as suas criações misturadas com estas insígnias, agora não se vê a fazer outra coisa. “Antes perdia horas à procura de imagens de um escultor para usar as cores que queria num vestido. Usava photoshop e era tudo tão mais mecânico. Percebi que a IA torna-nos mais humanos.”
Pode descobrir mais sobre o trabalho de José Sobral na sua página de Instagram ou através do site da Paatiff.
Carregue na galeria para ver imagens das peças apresentadas pelo designer português no seu primeiro desfile.