Após ter lido “Lolita”, de Vladimir Nabokov, Leonor Carradas nunca mais viu as orquídeas da mesma forma. As flores surgem em momentos cruciais da narrativa, intensificando o tom erótico da história e representando o desejo obsessivo do narrador, Humbert, pela jovem que anseia. “Comecei a refletir sobre como as pétalas e a flora poderiam simbolizar a sexualidade, particularmente por serem hermafroditas. Na moda, pensei que poderiam representar a fluidez de género e a aceitação do corpo”, começa por explicar.
Inspirada por essa ideia, a aspirante a designer de moda de 22 anos criou um look que surpreendeu no segundo dia da 64.ª edição da ModaLisboa, este sábado, 12 de outubro, no Pátio da Galé. O vestido conceptual em tons de rosa mostarda e rosa pastel, com pequenos toques futuristas e muito dramatismo, foi um dos destaques do street style.
A peça escolhida faz parte da coleção que desenvolveu para o final do mestrado, em design de moda, na Polimoda, em Florença (Itália). A linha chama-se “Orchidia Scales” e, através das silhuetas volumosas e texturas drapeadas, é uma representação da sexualidade.
“A ideia passa por aceitar o grotesco. A feminilidade mais grotesca”, explica. Uma das referências é outra obra, “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir. “A autora afirma que, para sermos totalmente nós, temos que aceitar o grotesco. O meu trabalho foca-se então no corpo da mulher.”
“Ao todo, demorei nove meses a preparar a coleção. Três deles foram dedicados à pesquisa, desenhar formas e brincar com protótipos, e os restantes foram para os toques finais e escolhas de tecidos, que foram restos de coleções de outras empresas”, conta.
De artistas surrealistas ao caos que se cria no seu quarto, o trabalho de Leonor vive de inúmeras referências. Porém, quando está no estrangeiro, frequentemente a identificam como portuguesa, em função das cores que utiliza, do seu carinho por texturas e da escolha de tecidos “mais profundos”, como os descreve.
“Gosto de trabalhar com modelagem geométrica, ou seja, toda a base destas silhuetas vem da minha tentativa de criar formas orgânicas para desafiar os moldes”, afirma a estudante, que começou por se especializar em serigrafia, na Escola Secundária António Arroio.
Se inicialmente estava mais virada para essa área, e até optou por seguir design têxtil, o interesse por moda apareceu há quatro anos. “Fiquei em Portugal devido à pandemia e, graças à minha pesquisa, interessei-me pela tridimensionalidade da roupa. Cada vez aprecio mais esta base artística e experimental.”
Desde então, tem vindo à ModaLisboa todos os anos. Esta edição, porém, é diferente. Pela primeira vez, escolheu vestir uma peça criada por si, na tentativa de mostrar um pouco mais do seu trabalho e começar a construir a sua reputação entre os entusiastas da indústria.
“Na altura das inscrições para o concurso Sangue Novo, acabei por não concorrer devido a muitas indecisões. Gostava de entrar numa próxima edição”, garante a jovem, que já estagiou três vezes com a criadora Constança Entrudo, uma presença assídua nos desfiles do evento.
Lançar uma marca, porém, ainda não está nos seus planos. “Gostava de estagiar mais um pouco, aprender mais alguma coisa e, talvez, ir lá para fora”, conclui. “Queria perceber como funcionam as maiores casas de moda para também desenvolver o meu próprio trabalho.”
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