Moda

Leonor Silva cria joias para criticar o machismo. “A perfeição é uma coisa chata”

As criações da artista de 58 anos são feitas à mão, com uma mensagem. “Seria incapaz de fazer uma peça só por ser bonita.”
Os trabalhos da artista têm sempre uma mensagem.

“Às vezes, penso que comecei tarde e tenho pena. Mas não teria a mesma visão do mundo.” Leonor Silva tinha 50 anos quando acrescentou um ponto de viagem à sua vida. A idade assustou-a, os filhos cresceram e percebeu que podia perder a oportunidade de seguir o seu sonho. Nesse ano, criou a sua primeira joia de um vasto portefólio.

Volvidos oito anos, a artista tornou-se conhecida pelas suas peças que exprimem fortes mensagens críticas. Construídas com uma certa dose de humor e ironia, todas as propostas são feitas artesanalmente em prata ou ouro, complementados com resinas, cortiça ou até mesmo tecidos, entre outros.

“Seria incapaz de fazer uma peça só por ser bonita. Tem que ter uma mensagem, só faz sentido se existir um tema que a torne discutível”, conta a NiT a designer, que cresceu na oficina do pai. “E essa intenção vem precisamente da minha formação.”

Mestre em arqueologia, a paixão de Leonor pela joalharia vem dos tempos em que, nas escavações, se encantava com os artefactos. “Quando encontrámos as ossadas era algo mágico. Apanhei a parte pré-clássica do Egipto e aquele deslumbramento com as joias era algo arrebatador”, acrescenta.

No entanto, a falta de estabilidade levou-a a procurar oportunidades numa multinacional. Acrescentou um curso extra no mundo da comunicação e, durante 20 anos, acabou por dar formação na área dos recursos humanos. Gostava de estar em contacto com as pessoas, mas faltava-lhe a expressão artística.

Em 2017, após concluir um curso de design de autor, lançou uma marca homónima, Leonor Silva Jewellery. Desde a sua primeira peça, intulada “Beautiful Days” — “uma canção transformada num colar, para falar da capacidade de sermos felizes com o que temos” — ficou clara a sua visão.

A artista mudou de vida aos 50 anos.

“Evoluímos pouco”

“O tema vem sempre ter comigo. Ou é porque é um tópico que me está a preocupar muito ou porque foi algo mesmo crítico e tenho que falar disso”, acrescenta. É o caso da coleção “Happy Birthday, Mr. President”, inspirada na candidatura de Donald Trump à presidência dos EUA. “Tive necessidade de mostrar que as mulheres são poderosas. Mesmo quando temos homens que não nos querem respeitar.”

Nesse trabalho, colocou a questão: que diamantes é que o antigo líder norte-americano ofereceria a Marilyn Monroe? Uma das respostas é uma gargantilha de prata, com banho de ouro e rubis, que se assemelha a um arame, como forma de refletir “sobre o comportamento machista”.

Em coleções como “Nature Mothers Heart” ou “One House One Tree, inspira-se na natureza e lança uma contribuição imediata com a plantação de uma árvore a cada venda. Já em Survival Kit, uma das mais referências, a questão da valorização da mulher volta a estar presente, com a reinterpretação de objetos do cotidiano — fósforos, parafusos e cotonetes — sob a forma de brincos ou colares.

“Evoluímos pouco. Quando era bastante mais jovem, pensava que em 30 anos iria estar numa sociedade bastante mais avançada em termos de direitos e liberdades individuais. Vivo chocada, porque evoluímos muito pouco em paridade ou direitos”, continua.

A inspiração pode vir de qualquer lado.

A reflexão sobre a Barbie

A propósito da estreia do novo filme inspirado na boneca Barbie, a artista — que se intitula como “joalheira de intervenção” — voltou a propor uma reflexão. Desta vez, com “Oh… My God! I Can’t Resist”, lançou uma coleção inteiramente feita com roupas de bonecas que questionam os estereótipos de beleza impostos às jovens.

“É um dos trabalhos que mais me define, porque é arrojada e a ideia não passa pela cabeça de ninguém”, diz. “E tornar estes desenhos usáveis muito menos. Há trabalhos ousados, mas que não se adaptam ao dia a dia e são puramente conceptuais. Não quero isso.”

Na altura da criação, inspirou-se num estudo em que miúdas, de diversas etnias, têm bonecas à sua frente e precisam de escolher qual gostavam mais ou achavam mais bonita. Quase todas apontam para o brinquedo com cabelos loiros e olhos azuis. Esse foi o ponto de partida para Leonor se questionar sobre como somos formatados ao longo do nosso crescimento.

“Tem muita cor e muito glamour, mas uma mensagem poderosa”, frisa, sobre a coleção. No atelier, tem sempre um charriot com algumas das pregadeiras (os colares e os brincos esgotaram) expostas. As clientes entram e “sentem-se atraídas, porque são irresistíveis”.

Um dos exemplos da coleção “Oh… My God! I Can’t Resist”.

A designer confessa ainda que não é fácil por tudo em produção. A coleção começa no mundo das ideias, depois começa a estruturar as formas que vão surgindo de forma natural. Passa tudo para maquetes em materiais não nobres, como latão e cobre, para testar. Mais tarde, passa finalmente para o material escolhido.

Do início ao fim, é tudo muito artesanal. “A perfeição é uma coisa muita chata. Não temos por onde evoluir ou explorar, então não recorro a moldes. É mais um processo de pancadas”, que desenvolve sozinha numa oficina “não muito equipada”.

Quanto ao tempo que cada trabalho demora, explica, ultrapassa sempre os 12 meses. No caso de “Start de Revolution”, os brincos em forma de insetos começaram a ser criados no verão do ano passado. Os modelos foram lançados em julho e já há várias opções esgotadas no site da artista.

Põe-se um anel, uma pulseira ou uma pregadeira e, num ambiente de amigos, ou mais formal, o tema surge. “As pessoas reparam, porque a peça é apelativa e escultórica. Naturalmente, acaba por se falar do tópico que inspirou a coleção”, conclui. “Só assim cumpro o meu papel.”

Todas as peças da coleção “Oh… My God! I Can’t Resist” estão disponíveis no site de Leonor Silva entre os 280€ e os 520€. Carregue na galeria para as descobrir.

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