Manel Baer não começou a sua jornada na moda. Nascido e criado em Beja, no coração do Alentejo, cedo se aventurou em várias formas de expressão artística, sempre com o incansável apoio da mãe. Durante quase uma década, esteve envolvido no teatro, fez um curso de pintura e até aprendeu a tocar saxofone no Conservatório. “Considero-me mais artista do que designer”, admite o jovem de 23 anos à NiT.
Quando se mudou para Lisboa para estudar na Faculdade de Arquitetura, o seu principal objetivo era aprofundar o seu conhecimento sobre o mundo da arte. Contudo, após um ano no curso de Design, percebeu que aquela não era a sua verdadeira vocação. Alguns dos seus amigos estudavam moda e decidiu juntar-se a eles. Nos primeiros semestres, Manel dedicou-se a descobrir a sua identidade como criador. No terceiro ano, deparou-se com um paraquedas que o inspirou a criar a sua coleção de final de curso, que tinha como temática a guerra — e que catapultou a sua carreira.
Três semanas depois, recebeu um convite para ceder uma peça da sua coleção para ser usada na passadeira vermelha dos Globos de Ouro. Em 2022, a atriz Cecília Henriques apareceu com um dos seus looks em tons pastéis, que rapidamente se tornou num dos assuntos mais comentados da noite. “As pessoas ficaram a conhecer-me”, recorda.
Atualmente, Manel Baer é um dos nomes emergentes da moda nacional e as suas criações não são usadas apenas em cerimónias, mas também em looks de street style em eventos como a ModaLisboa. O criativo utiliza estes momentos como plataformas para mostrar as suas peças únicas e unissexo, frequentemente criadas a partir de materiais descartados e pintadas à mão.
“Mais do que um designer, considero-me um artista que cria obras de arte com tecido”, enfatiza. Devido à importância que confere às matérias-primas, o seu portefólio está repleto de texturas: “Sempre que vejo um material ou técnica que me inspira, surgem novas peças”.
“Lanço uma coleção quando estou insatisfeito”
Após concluir o curso, Manel sentiu-se à deriva, sem saber como se sustentar na indústria. “Comecei a aceitar todas as oportunidades que apareciam.” Pouco depois começou a estagiar com o designer Valentim Quaresma, conhecido por transformar lixo em arte. “Convidou-me a colaborar com ele na ModaLisboa, em 2022, e fizemos a coleção juntos”, revela. “No fim, ofereceu-me um lugar no seu atelier, que se tornou num espaço de networking com outros criativos.”
Após um meio e meio como stylist do concurso “Masterchef Portugal”, concorreu à primeira edição do projeto Beat by Be@t, em parceria com a ModaLisboa, que acabou por vencer. O programa incluiu cinco meses de seminários sobre problemas da indústria e práticas sustentáveis.
“Os meus melhores trabalhos surgem, basicamente, do desperdício e de materiais não convencionais” afirma. Recentemente, tem trabalhado no lançamento de uma marca homónima inteiramente sustentável, com o propósito de “tornar o planeta um lugar melhor”.
Partindo dessa premissa, Manel decidiu seguir um calendário próprio. “Sou contra a obrigatoriedade de lançar duas coleções por ano. Lançarei algo quando fizer sentido ou sempre que sentir insatisfação relativamente à sociedade, ou à indústria, procurando expressar isso num conceito criativo.”
Em janeiro, por exemplo, realizar-se-á o seu primeiro desfile pessoal, com peças criadas a partir de tecidos biodegradáveis provenientes de algas. Ao explorar vários excedentes têxteis, as criações começaram a surgir.
“Quando procuramos ser sustentáveis, não podemos ser muito exigentes no que toca a cores ou materiais. Uso o que as pessoas menos valorizam. Cabe-me transformar o que geralmente vai para o lixo em algo mais interessante — tudo o que não imaginamos que possa ser recuperado.”
A sua mais recente coleção, “Chromatic Core”, apresentada em maio de 2024, decorre de uma reflexão sobre as tendências da moda, onde “as pessoas se têm afastado das cores, optando por tons mais escuros”. Assim, decidiu celebrar “a interligação entre cor, arte e o ser humano”.
Do street style aos Globos
A popularidade das criações de Manel no street style tem sido conquistada de forma orgânica, pois não costuma procurar celebridades que as vistam. Quando as suas criações começaram a ser usadas em eventos públicos, passou a ser abordado por modelos, criadores de conteúdo e outras personalidades, intrigadas pelo seu estilo singular.
“Um mês antes da ModaLisboa estava preocupado, pois, sendo um espaço de grande visibilidade, ainda ninguém me tinha contactado com pedidos de peças. Mas, quando faltavam duas semanas para o seu início, comecei a receber muitas mensagens”, acrescenta. “Como comecei com um estilo underground, é crucial destacar-me desta forma.”
Após Cecília Henriques, a parceria que mais o marcou, outras personalidades como Bárbara Bandeira, Blaya, Inês Gutierrez e Soluna mostraram interesse pela estética irreverente e experimental de Manel.
“Quando adquiri mais visibilidade, a minha família começou a perceber que talvez pudesse ter sucesso nesta área”, afirma, embora reconheça as dificuldades de construir uma carreira sozinho.
Manel admite que ainda não gera lucro suficiente para concentrar a produção numa confeção. É ele que se encarrega de tudo: desfiles, site, redes sociais e eventos. “É complicado quando estamos a abrir uma empresa e a lidar com a burocracia.”
Apesar das dificuldades, permanece fiel às suas raízes e mobiliza a sua experiência na moda para o teatro. Em outubro, foi responsável pelos figurinos do espetáculo “A solidão de um homem não chora”, de João Pires, além de desempenhar funções como chefe do departamento de figurinos numa companhia de teatro, em Alcântara.
A missão que Manel abraçou é expressar a tríade que o inspira — moda, natureza e humanidade — em cada novo desafio. “Ainda não descobri a receita perfeita, mas quero criar uma marca que seja sustentável e diferente, utilizando tecidos biodegradáveis.”
E, apesar dos obstáculos, rejeita a ideia de deixar Portugal. “Posso sair por pouco tempo, mas quero continuar a produzir aqui e voltarei sempre”, conclui. “É a minha casa, nasci aqui por uma razão e sinto que tenho de dar algo ao meu País. Sou de Beja e regressarei sempre a casa.”
As peças de Manel Baer podem ser encontradas no showroom da Brandfire, em Lisboa, assim como na página de Instagram do criativo.
Carregue na galeria para ver algumas fotografias das suas criações, captadas por Christian Zimmermann.