“Emily in Paris” deu a conhecer ao mundo um ícone de estilo — algo controverso — através da protagonista que dá nome à série. Com a estreia da terceira temporada no dia 21 de dezembro, a miúda dos berets e dos padrões surge com um visual ainda “maior, melhor e mais ousado”. A promessa é de Marylin Fitoussi, designer dos figurinos, que revela à NiT que a moda aventureira da personagem ainda pode surpreender.
Numa produção em que a narrativa e a moda andam lado a lado, o estilo da jovem, interpretada por Lily Collins, está cada vez mais afastado do look com que a marketeer surgiu no debut. “Tudo começou por ser muito doce, pastel e suave e, aos poucos, a forma de apresentar Emily fica ainda mais complicada”, explica a criativa francesa, de 43 anos, que procura renovar-se todas as temporadas e “encontrar uma nova silhueta ou formas diferentes de misturar cores”.
Desta vez, o ponto de partida foi a mudança de visual da atriz na vida real, que optou por adotar uma franja. Fitoussi sentiu-se inspirada com o detalhe, que a recordou os ícones franceses dos anos 60, como Françoise Hardy, Jane Birkin e o movimento nouvelle vague, popularizado por Jean Luc Goddard.
“Quisemos tornar a Emily um pouco mais francesa. Optei por sapatos com plataformas mais grossas em vez de stilettos e calças largas de cintura alta dos anos 40 que não usávamos antes”, diz à NiT. “E descobri como é fazer uma terceira temporada, porque normalmente só faço uma nos meus projetos”.
Para as restantes personagens, também foram ultrapassados vários limites. A típica jovem parisiense Camille (Camille Razat) torna-se mais vanguardista, enquanto Sylvie (Philippine Leroy-Beaulieu) passa a espelhar um pouco do gosto jovial de Cooper. “Quando fizemos a prova com a Philippine, ela disse logo que se parecia um pouco com Emily”.
Além das personagens femininas, Julien (Samuel Arnold) é uma das figuras mais divertidas para vestir, sobretudo no design dos casacos. “Agarro em duas peças fortes e está feito”. O chef Gabriel (Lucas Bravo), por outro lado, é o maior desafio. “Precisa de ser bonito, mas 100 por cento minimalista. Apesar de não ser extravagante, as roupas precisam de ter caráter”.
Apesar da direção visual arriscada, é importante que os atores se sintam confortáveis. Por isso desde a primeira temporada, o elenco concordou usar tudo o que Fitoussi propõe. Mesmo Collins, que costuma ser vista em público com roupas mais confortáveis — como hoodies e jeans —, consegue divertir-se. “Uma hora depois, ela é a nossa criação”.
Na nova temporada, a designer destaca como visual favorito um look que já se havia destacado no trailer. Em causa, está uma capa desenhada para o primeiro episódio, coberta de penas da mesma cor que o vestido, que é rosa. Todo o coordenado foi concluído em menos de duas semanas.
“Nunca temos o roteiro antes. Por isso, estamos a andar sem saber quais são os próximos passos. Temos uma sala com as roupas de escritório diárias, outro com os vestidos de noite. Vamos correndo de um lado para o outro”.
O trabalho com Darren Star e Patricia Field
De certa forma, a estética da série pode ser vista como uma mistura contemporânea do mundo de “Gossip Girl” e de “O Sexo e a Cidade”. No caso da produção estrelada por Sarah Jessica Parker, a comparação não é uma surpresa, uma vez que o produtor Darren Star e a icónica consultora de moda Patricia Field formam uma dupla em ambos. São, aliás, os dois pilares do trabalho de Fitoussi — o único nome francês no meio deste triângulo.
“O Darren conhece mesmo a cultura francesa e vem regularmente a Paris desde os 16 anos. Explorou o cinema e a comida. Acho que é por isso que ele decidiu trazer a Emily para Paris e não para Roma ou Londres”, conta, sobre o realizador. “Precisei do seu ponto de vista, porque não queríamos uma típica adolescente americana com um hoodie, jeans e sneakers”.
Quanto a Field, uma profissional de renome, a designer recorda-se de ter sido escolhida pela própria num casting e de todos os conselhos que recebeu. Desde o primeiro momento, partilharam uma forma ousada de olhar para a vida. “[Disse-me] que preciso de ter cuidado e não retirar inspiração das passarelas. Temos de poder ver a série daqui a dez anos e ela permanecer poderosa”.
No entanto, a dica mais importante foi a necessidade de entender a produção como uma forma de escape, Um dos exemplos mais flagrantes é Mindy, que surge como uma ama na sua primeira cena, a cuidar de crianças num parque. Num retrato fidedigno da realidade, deveria estar a usar sapatilhas, mas a personagem asiática terminou o trabalho com um par de sapatos de salto alto da marca Louboutin.
Sem diretrizes a seguir, a designer aproveita a liberdade criativa para mergulhar no universo de Darren. “Não me preocupo com a realidade. ‘Emily in Paris’ veio para dizer que podemos ter total liberdade para fugir das regras sobre o que é considerado moda ou não”, acrescenta.
Atualmente, mais do que se manter ousada, a missão principal de Fitoussi passa por promover o trabalho de designers emergentes, com uma visão que se alinha com a estética da série: “Quando crio um look, procuro usar uma marca conhecida, uma peça vintage, itens acessíveis e designers jovens em um único outfit”, mas insígnias como Valentino ou Dior já não precisam da plataforma. Os talentos mais novos beneficiam da colaboração.
Mesmo que inicialmente poucos acreditassem no projeto, os profissionais envolvidos sabiam que tinham de captar a atenção de um público mais jovem. “Não podíamos fazer algo que já tivesse sido feito. Quando morei no México, durante 13 anos, já desenhava assim com muitos padrões e cores. Foi a série certa no momento certo”, revela.
Paródia ou fantasia? As críticas ao guarda-roupa da série
A popularidade da “Emily in Paris” foi aumentando em paralelo com as críticas. No entanto, os comentários que descreviam a estética como “ringarde” (pirosa, em francês) não foram algo novo para Fitoussi, que era apelidada de “papagaio” ou de “palhaço” pela forma como se vestia ao crescer. “Aos 16, vestia-me com as roupas da minha avó, que nunca deitava nada fora, e todos na escola riam de mim”.
“Os franceses odiaram. Diziam que os olhos sangravam e fez-me adorar ainda mais”. Uma vez que não é uma designer de moda, a pretensão da criativa nunca passou por trabalhar em torno de tendências, mas da construção de personagens num mundo conceptualizado para ser uma realidade exagerada: “Não é suposto ser moda. É uma linda carta de amor de Darren Star para Paris. É uma idealização da cidade”.
Da mesma forma que o realizador é apaixonado pelo universo parisiense, também Fitoussi teve a oportunidade de conhecer Portugal. Mudou-se há cerca de 10 anos, “antes de todos os franceses virem para Lisboa” e, depois de algum tempo na capital, assentou em Vila do Conde, perto do Porto. “Fiquei chocada, pela positiva, com a cultura, comida, vinho e clima. Eu viajei muito dentro do país e descobri o conceito de pousadas”, conta.
Toda a sua experiência com viagens, que começou assim que terminou a formação em Design Têxtil, no início dos anos 90, tornou-se uma inspiração para o seu trabalho. No entanto, recusou-se a ficar dentro de um showroom a pintar tecidos. Ela precisava de ser mais criativa.
“Conheci uma figurinista e, duas semanas, tornei-me sua assistente. Comecei a fazer filmes do século 18 e habituei-me aos filmes de época, quando este tipo de séries ainda não estava no ar”, adianta. “Não podíamos imaginar que a moda também seria uma característica da personagem. Não era algo tão poderoso”.
Consciente da necessidade de se adaptar, Marilyn Fitoussi viu em “Emily in Paris” a oportunidade ideal para explorar a sua visão criativa e encontrar uma nova zona de conforto. Com o orçamento da Netflix, encontrou uma margem para manobra que até então não tinha conseguido no cinema.
“Vou começar mais projetos de filmes porque preciso de ter um equilíbrio entre dois universos”.