Em Lisboa, é possível viajar no tempo numa questão de segundos — basta entrar na Peris Costumes. O atelier é o verdadeiro paraíso dos fatos do cinema e da televisão: tem 11 milhões de peças que compõem trajes bíblicos, medievais, futuristas ou contemporâneos. Os milhares de figurinos cruzam várias épocas e geografias.
No armazém, escondido num complexo em Marvila, na zona oriental de Lisboa, são produzidos e alugados fatos para diversas produções. O espaço com 500 metros quadrados espalhados por três pisos e vários corredores está repleto de peças de roupa e acessórios classificados por período histórico, a partir de 1850.
Com sede em Madrid, o conceituado estúdio abriu a sua sucursal portuguesa em 2013. A escolha da capital para criar o primeiro atelier internacional foi simples: a grande tradição de costura nacional levou-os a comprar o espaço dirigido pela designer portuguesa Maria Gonzaga, “conhecida no mundo inteiro”.
“Somos a maior empresa do género, em termos de volume, porque temos uma estratégia diferente dos nossos concorrentes”, explica à NiT a diretora de comunicação Myriam Wais. “Distingue-se por ser uma confeção de serviços e não uma alfaiataria. Alugamos e fabricamos os fatos. Alugamos, fabricamos e vendemos tecidos. Fazemos sapatos. Tudo o que é preciso para o guarda-roupa.”
O espaço em Lisboa divide-se, portanto, em duas áreas. Uma é o atelier, que recebe encomendas de todo o mundo para produzir fatos, sejam para cinema, séries de televisão, campanhas de publicidade ou teatro. A outra é o armazém, que aluga roupa já feita para o mesmo tipo de produções, e ainda para particulares.
Um dia por semana, recebem clientes que procuram fatos para uma festa ou um evento especial. O serviço só funciona com marcação, através dos contactos oficiais em Lisboa, mas qualquer pessoa pode fazer o pedido.

Um currículo impressionante
Neste local, foram feitos centenas de figurinos para o filme “Jeanne Du Barry”, protagonizado por Johnny Depp. Escolhida para abrir o Festival de Cinema de Cannes, a 16 de maio, a longa-metragem recebeu uma ovação em pé que durou sete minutos após a exibição — aplausos que também se devem ao trabalho da produção nacional.
“Este mundo é pequeno e o boca a boca funciona muito bem. Se está a ser desenvolvido um projeto, as produtoras sabem logo quais as empresas mais importantes e as que têm os melhores stocks de trajes de época, em termos de variedade e quantidade”, acrescenta, sobre a oportunidade.
Para este projeto, trabalharam em cerca de 220 fatos para homens e mulheres. “Trabalhámos vários meses com o departamento de figurinos do filme e tiveram acesso ao nosso catálogo, especialmente trajes para a multidão. Não vestimos os atores principais.”
Normalmente, não fabricam os figurinos dos protagonistas. E, quando o fazem, têm de enviar alguém a Londres ou Los Angeles para lhes tirar as medidas e fazerem um modelo. No entanto, esse trabalho costuma ser feito pelos próprios alfaiates ou costureiros deles.
A sua carta de apresentação conta ainda com nomes que quase todos conhecem. Trabalharam para séries como “Peaky Blinders”, “The Crown”, “Bridgerton”, “Elite”, “Vikings”, “The Queen’s Gambit”, “House of The Dragon” e films como “Mulan”, “Asteroid City”, “Black Adam”, “Maleficent”, “John Wick”, “Cruella” e “The Rings of Power”, entre muitos outros.
Se olharmos para o currículo da sede em Espanha, as referências ainda são mais impressionantes. Assinaram os famosos macacões vermelhos de “La Casa de Papel”, onde tiveram de fazer centenas de exemplares — tanto para a série como para ações de promoção em todo o planeta.
“Cada um [dos projetos] tem sido um grande desafio devido ao curto espaço de tempo para criar os figurinos e às características de cada projeto”, diz. Normalmente, têm “entre uma semana e um mês” para concluir o pedido. “E fazemo-lo com muito carinho e dedicação.”
400 fatos por mês
O trabalho tem de ficar realista e todo o processo é meticuloso. Cada camisa de “Peaky Blinders”, por exemplo, demorou cerca de quatro horas a fazer. “São duas por dia. Muitas das coisas não podemos fazer em massa aqui, só se forem muito simples, como túnicas.”
Se for um fato simples, conseguem fazer perto de 400 por mês. Se for uma encomenda mais exigente, que envolva mais horas de trabalho, já poderá reduzir a produção para metade. Já chegaram a ter de fazer 220 fatos num mês e meio quando se cruzaram com o desafio da minissérie histórica francesa “Le Bazar de la Charité.”

No caso de um grande blockbuster, pode ter um departamento de guarda-roupa com 20 ou 30 pessoas. É o caso do segundo filme de “Maleficent”, onde ficaram responsáveis por fabricar 500 fatos em Lisboa. A produção total deve ter sido cerca de 2500.
Há fatos que podem custar 40€ ou 50€ a produzir, outros ultrapassam os mil euros. Tudo depende das horas de trabalho que são necessárias e do valor dos tecidos. No armazém há todo o tipo de materiais — tecidos antigos de “Vikings”, por exemplo —, mas também acessórios, desde brincos a pulseiras, passando por cachimbos, relógios, capacetes ou espadas.
Para isso, a Paris Costumes também compra os guarda-roupas de filmes e séries que terminam “a bons preços”. Em 2018, compraram a maior empresa de joias de cinema, mas também adquiriram fatos de “Chernobyl”, “Dumbo” ou “Marco Polo”, por exemplo.

As produções portuguesas
Embora já exista desde 1856, a empresa — que começou por se dedicar à alfaiataria teatral —, passou por uma reformulação em 2012. Javier Toledo e o filho, Alejandro Toledo, que gere o espaço na capital portuguesa, passaram a focar-se em todo o tipo de projetos audiovisuais como cinema, televisão, teatro, publicidade ou até ópera.
O objetivo era a internacionalização e, nos últimos anos, conseguiram. No ano seguinte, aterraram em Lisboa. Atualmente, têm espaços na Hungria, Alemanha, República Checa, Itália, Áustria, Polónia, México, França, Bélgica, Reino Unido e Malta, além da casa-mãe em Espanha.
Em Portugal, a empresa fez ainda roupas para várias novelas da TVI, da SIC, filmes históricos e inúmeras peças de teatro do Parque Mayer. “Ter a Maria Gonzaga connosco é uma mais-valia pelo seu grande conhecimento e experiência no mundo audiovisual português com mais de 40 anos de carreira.”
Um dos projetos que ainda pretendem desenvolver, e no qual já estão a trabalhar, é o Museu Peris. Será uma grande exposição sobre a evolução da moda no cinema: “Se olharmos para os filmes dos anos 60, 70 e 80, eles tentaram recriar o aspeto das pessoas de uma época. Agora, trata-se de estilizar as pessoas de uma produção.”
E explica: “’Bridgerton’ é um exemplo de uma modernização da indumentária do século XIX. Nessa altura, não havia roxos. Há uma tentativa de ir ao encontro do gosto das pessoas em vez de procurar fidelidade. Na ficção, deve contar-se com a imaginação de todos os envolvidos”.
Além disso, continuam a ampliar o atelier e a contratar mais pessoas. É assim que este edifício, que era uma antiga fábrica de fósforos, passou de empregar pouco mais de 20 costureiras a um número que ultrapassa a 50 pessoas dedicadas a criarem todos os figurinos — cada um com um chip incorporado e todos os detalhes.
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