Aos 18 anos voou para a Suíça à procura de liberdade e ali viveu um amor proibido. Pouco depois mudou-se para Nova Iorque e, ao segundo dia, apaixonou-se pela pessoa que lhe iria reavivar o “bichinho pela moda”. Nuno Miguel Ramos é um homem de paixões e, é por elas que se deixa guiar. Foi, aliás, por todas estas vivências que decidiu recomeçar a sua vida.
Os vestidos, sobretudos, casacos de alfaiataria, calças e vestidos de noiva que desenha custam hoje entre os 300€ aos 1500€, mas nem sempre foi assim. Até aos 28 anos, Nuno nunca tinha criado uma peça de roupa, nem pensava um dia o viesse a fazer. Dez anos depois, é já um nome reconhecido no meio e conta com várias coleções. Com uma visão criativa diferenciadora, muito inspirada pelo corpo feminino e nos gostos das irmãs, chegou ao mundo da moda para provar que nunca é tarde para começar a criar.
É entre tecidos, linhas, agulhas e botões, num atelier no Porto, que em tempos pertenceu a Nuno Baltazar, que podemos encontrar o designer — mas não por muito tempo. O designer que está a chamar a atenção da moda nacional equaciona fundar um atelier mais a sul. Uma mudança de apenas umas centenas de quilómetros dpara o profissional que já trabalhou em Paris e na Suíça.
Nuno estava em plena preparação de um dos vestidos que irá apresentar daqui a um mês no Portugal Fashion (ainda sem indicação de data), quando tirou uns minutos para falar com a NiT sobre o seu percurso. Os modelos do designer, com lantejoulas, tule, e bastante diferentes do habitual, reconhecem-se facilmente. Provavelmente, até já viu alguma apresentadora na televisão com uma criação de Nuno.
“É esse o jogo que jogo agora. Quando mando peças para a televisão ou para revistas, no dia a seguir recebo imensas encomendas”, conta. Normalmente, são as stylists dos programas que entram em contacto com o designer, pedem-lhe o que querem, e ele envia-lhes os modelos que poderão servir. Depois, fica atento ao email e Instagram é através deles que lhe chegam os pedidos.
Nuno é o mais novo de 11 irmãos — sete raparigas e quatro rapazes — e foi o único filho que não nasceu em Angola. Nasceu, sim, em Oliveira de Azeméis, onde a mãe se estabeleceu quando regressou de África, e por lá ficou até 2003. Aos 18 anos decidiu que estava na hora de ir embora.
“Fui para a Suíça à procura de uma vida melhor. Não é que estivesse mal, mas precisava de me libertar, muito pela minha sexualidade. Sentia que ali não podia, ou não queria, exprimir quem era. Na altura, não sabia o que existia no mundo, ainda tinha ainda explorado nada”, revela.
Explica-nos, então, que “fugiu para se encontrar”. Tem dois irmãos que moram em Zurique, e habituado a passar lá as férias de verão — durante as quais trabalhava em oficinas, restaurantes e bares —, a escolha pareceu-lhe óbvia. Poucos meses depois, resolveu começar ali a construir a sua vida.
“Entretanto, meti-me no mundo da noite e tive as minhas experiências. Algumas correram mal, como é normal, mas serviram como aprendizagem. Depois, decidi sair dessa rotina e aos 24 anos comecei a trabalhar numa empresa farmacêutica, de medicamentos genéricos.” Começou por desempenhar funções na secção do empacotamento, e três anos depois passou à liderança da equipa.
Nesta altura, teve a oportunidade de voltar à escola, terminar o secundário e fazer um curso técnico. Formações feitas, workshops concluídos, começou a ganhar cada vez mais. Ainda assim, diz-nos que, ao fim de cinco anos, sentia que aquilo que fazia não o inspirava.
Um coração partido — “o maior desgosto amoroso até hoje” — fez com que vendesse tudo o que tinha e partisse para Nova Iorque. Antes de partir conseguiu encher um apartamento, que dividia com outras duas pessoas, com mais de 20 quadros com um metro por um metro e meio.
“Não conseguia chorar e pintar foi a minha maneira de o fazer”, conta. Graças a um ultimato dos colegas de casa, e com a vida reduzida a duas malas, vendeu as últimas posses numa exposição que organizou para amigos e familiares.
Voou depois para Nova Iorque, e na sua segunda noite na cidade conheceu aquele que se tornaria seu namorado. No dia seguinte, já estavam a viver juntos. Ao fim de oito meses, tudo acabou e, terminado o tempo legal para ficar nos EUA, teve de regressar à Suíça.
Ainda assim, considera que a temporada que passou em Nova Iorque foi importante para se tornar naquilo que é hoje. “A pessoa com quem estava trabalhava para uma designer de biquínis. Fazia a parte de styling e eu ajudava-o. Foi aí que bichinho da moda cresceu.” Incentivado a experimentar a área da maquilhagem, voltou para Zurique com a ideia de regressar à escola e mudar de vida.
Assim fez, e depois de concluir um curso de maquilhagem, tornou-se o primeiro homem do país a trabalhar na MAC, a conhecida marca canadiana de cosméticos. Tornou-se make up artist em regime de freelancer e foi nas inúmeras sessões de produções de moda onde trabalhou que encontrou aquilo que procurava.
“Pensei: espera aí, estou no caminho correto, mas ainda não estou a fazer o que quero.” Não demorou, até que, aos 28 anos, estivesse inscrito numa escola de moda. Feitos os três anos do curso, em 2016 partiu para Paris para aquele que seria um dos anos mais difíceis da sua vida. “Chorava todos os dias”, revela em tom de troça.
Durante esse período frequentou o mestrado na École de la Chambre Syndicale de la Couture Parisienne, uma escola de alta-costura, onde tudo é feito ao milímetro. O artista, que gosta de experimentar, de misturar tecidos e diferentes formas de costurar, garante-nos que enfrentou algumas dificuldades. “Ainda hoje, se eles chegassem agora ao meu ateliê, estava morto. Faço tudo o que me disseram para não fazer.”
Apesar desse obstáculo, seguiu em frente. Trabalhou para na Sonia Rykiel no último ano antes da marca falir, mas antes ainda passou pela marca de carteiras Caroline De Marchi. “Aprendi imenso, e a minha maneira de pensar em termos de moda mudou muito.” Mais tarde, juntou-se ao atelier de Sueo Irié, em tempos o braço direito de Kenzo. “Os japoneses são super calmos e certinhos, aprendi essa metodologia. O Monsieur Irié acabou por me inspirar. Disse-me: ‘Nuno, tu tens que fazer alguma coisa. A tua cabeça tem muita fantasia!'” E assim fez.
Em 2020, no início da pandemia, decidiu regressar a Portugal e nos dois meses iniciais do confinamento criou a primeira coleção. “A pandemia foi o melhor que me aconteceu”, acrescenta.
Numa altura em que o Instagram “ainda não estava viciado” e bastavam 20€ para partilhar um conteúdo, conseguiu, ganhar alguma visibilidade na rede social. Tanta que até a diretora de um dos maiores eventos nacionais da indústria da moda começou a segui-lo. “Enviei-lhe um email, reuni-me com a organização e seis meses depois estava a apresentar a minha coleção no Portugal Fashion.”
As peças com folhos e lantejoulas, em tons fortes, foram as protagonistas da sua primeira linha, lançada aquando da segunda edição da iniciativa de moda de 2020, embora a apresentação não estivesse integrada no calendário do certame. “Comecei a chamar a atenção, e começaram a pedir-me peças para fotografar.” Pouco depois integrou o programa oficial do evento na nova categoria “Welcome to Porto”, dedicada a designers emergentes, estreada na The Sofa Edition.
À NiT, conta que grande parte da sua inspiração vem do seio familiar. “Somos 11, mas muito unidos. Na semana antes do lançamento das coleções, por exemplo, vêm ajudar-me a fazer os acabamentos”. Para que tudo fique pronto, Nuno precisa de um mês de preparação.
Com vontade de mudar, o estilista aposta — muito influenciado pela irmã que mora em Espanha — em lantejoulas, transparências e muito tule. Ainda assim, diz-nos que gosta de pensar que não tem um estilo. “Depende do tempo, da semana, do coração, das pessoas que passam pelo meu caminho. Gosto de experimentar, não gosto de estar preso a um estilo e dizer que é isto que me define.”
Nuno procura sempre produzir modelos diferentes dos que se podem comprar por cá. “Quero que a minha mulher possa usar qualquer coisa que não impeça as pessoas de se aproximarem dela, mas que seja uma espécie de escudo.” Sobre a nova coleção revela que inclui pouca cor, muitas lantejoulas e, acima de tudo, conforto. “Não faço coisas para as mulheres ficarem camufladas e é esse o motivo pelo qual as minhas criações estão a chamar a atenção”, adianta o designer.
Sem ambicionar criar um império, diz-nos que é sempre bom quando alguém que admira o reconhece. “Porque não é fácil. Não quero fazer um vestido por 50€ e ter de trabalhar nele 300 horas”, conclui.
Carregue na galeria para conhecer algumas das criações de Nuno Miguel Ramos, o designer que começou tarde e “há muito pouco tempo”, mas que está a tomar de assalto o cenário da moda nacional.