Moda

O regresso das câmaras digitais. Como a nostalgia tem invadido as lojas de fotografia

Tinham caído em desuso, mas a moda voltou à boleia das redes sociais. A procura tem sido notada nos espaços da capital.
Saiba onde comprar.

A pergunta “posso tirar-te uma fotografia?” é seguida pela luz brilhante de uma máquina fotográfica a piscar numa sala escura. O episódio até podia ter acontecido numa festa dos anos 2000, mas antecede o momento, em pleno 2024, em que um grupo de geração Z se junta para admirar o resultado.

Um pouco por toda a cultura popular, o zeitgeist é moldado pela nostalgia e pelo desejo de reviver uma década que já passou. Nos últimos anos, o termo Y2K tem sido usado para falar sobretudo sobre moda ou música, mas a tendência não mostra quaisquer sinais de desaceleramento noutras áreas.

As pesquisas por “câmaras digitais” começaram a multiplicar-se no final de 2022, segundo o Google Trends. Após um hiato de duas décadas, estes gadgets são os protagonistas de hashtags como #digicam e #digitalcamera, cada uma com dezenas de milhões de publicações no TikTok.

Em Portugal, este fenómeno tem sido notado pelos vários pontos de venda em Lisboa, que têm notado um aumento na procura. É o caso da LXFILM store, em São Domingos de Benfica, que vende tanto máquinas digitais como analógicas, e tem notado este boom em ambos os equipamentos.

“Existe uma parte nostálgica, mas também se deve ao facto de sermos inundados com tanta tecnologia hoje em dia”, explica à NiT o fundador, Américo Amor, de 25 anos. “Enquanto as digitais são objetos mais trendy, no caso das analógicas é porque existe um registo, além da fotografia, do momento em que foi tirada.”

Tudo começou quando o jovem recebeu uma antiga câmara oferecida pelo avô, por volta de 2014, e começou a interessar-se pelo tema. Nos anos seguintes, dedicou-se a colecionar modelos antigos. “Havia algumas casas que ainda faziam revelações.”

“Era algo que estava mesmo morto. As marcas iam praticamente todas para o lixo e encontrava algumas bastante baratas”, recorda. “Quando me cansei de ter tantas máquinas, comecei a vender algumas e o negócio desenvolveu-se a partir deste impulso. Havia alguma procura entre a geração mais nova.”

Os anos decorreram e a LXFILM começou como uma loja do Instagram, em 2021. Volvidos dois anos, abriram a primeira loja física na capital — inicialmente chamada de LXAOMILIMETRO, antes de mudar de nome — e Américo dedica-se ao negócio a tempo inteiro desde 2022, após ter desistido do curso de engenharia mecânica.

Como a maioria das pessoas atentas a este comeback não são profissionais, mas curiosos, procuram as point & shoot, mais compactas, automáticas e fáceis de levar para todo o lado, como a Olympus Mju ou a Canon IXUS 175, dois dos modelos mais vendidos.

A parte mais difícil deste negócio, confessa, foi o stock. “Sempre fiz a procura de todo o material, em mercados como a Feira da Bagageira ou marketplaces”, acrescenta. “Mais tarde, comecei a comprar na Europa e conheci um ou dois fornecedores, colecionadores com quem criei uma relação.”

A LXFILM tem dezenas de modelos.

A LXFILM foi crescendo de forma orgânica, acompanhando o interesse crescente neste tipo de mercado. Este é um dos motivos para, até ao final do ano, mudarem as instalações para a Avenida de Roma, com mais espaço e mais visibilidade para um público que não tem parado de crescer.

“É bom ver muita gente desta geração a procurar este tipo de máquinas e perceber que está a ressuscitar”, confessa. “Acredito que veio mesmo para ficar e que vai ser comum nas futuras gerações terem algum equipamento deste género.”

As câmaras digitais ganharam popularidade pela primeira vez nos anos 90. Entre meados da década e o início dos anos 2000, diminuíram em tamanho e preço, enquanto aumentaram em resolução. A evolução aumentou a popularidade, permitindo que capturassem momentos especiais num instante — em vez de esperar que as fotos fossem reveladas.

No entanto, nos anos seguintes, o desenvolvimento de smartphones com câmaras integradas de alta resolução substituiu, de forma gradual, a hegemonia das máquinas fotográficas digitais. Ainda assim, e apesar da queda em popularidade, havia vários espaços a dedicar-se a este negócio.

Diana e o marido, Nuno Domingues, são os donos da Vintage Dream Cameras, uma loja de câmaras fotográficas analógicas e digitais, na Avenida Almirante Reis, em Lisboa. Por lá, pode encontrar máquinas, objetivas e diversos acessórios, como straps (fitas para pendurar), fotómetros ou filtros.

Os preços na loja variam, mas a média das câmaras encontra-se entre os 120€ e os 180€. Se procura um modelo mais icónico como a Mamiya RB67 prepare-se para desembolsar 600€. A destacar há ainda a Pentax K1000, a Canon AE-1, a Nikon FE, e a Rollei 35.

A Vintage Dream Cameras é uma paragem obrigatória.

A fundadora, que estudou design industrial e web design no IADE, cresceu no mundo da imagem. O pai fazia imensos filmes em Super-8. “Aliás, conheci primeiro as fotografias do meu marido, interessei-me por elas e só depois o conheci a ele”, recordou a criativa à NiT, sobre o fotógrafo.

“Em 2012, o Nuno ficou desempregado e começámos a pensar num negócio. No aniversário de cada um, o outro queria oferecer uma câmara analógica, mas eram difíceis de encontrar. Achámos que era uma boa oportunidade de negócio”, acrescenta. E assim foi.

Esta dificuldade é cada vez menor, dadas as opções diferenciadas e até online. O conceito disruptivo da PaperShoot, uma marca que vende eco-câmaras digitais feitas de papel, chegou a Portugal pelas mãos de Sofia Reis, uma jovem de 21 anos que deu por si a admirá-las nas redes sociais, durante a pandemia.

A marca original surgiu em Taiwan, em 2013. Desenvolvida por George Lin, foi apresentada ao mercado asiático com base no seu valor disruptivo. Como seria de esperar, suscitou o interesse em comunidades que nunca equacionaram a possibilidade de existir uma máquina fotográfica funcional deste género.

A ideia surgiu em Taiwan.

Sofia quis comprar uma para si, mas ao preço era preciso somar o IVA, o envio e as taxas alfandegárias. “Não seria prático. Enviei o meu currículo e a proposta para Taiwan, para o diretor-geral da PaperShoot, George Lin, e acabei a assinar um contrato de distribuição exclusiva em Portugal”, explica.

Por enquanto, as máquinas continuam a ser produzidas por uma pequena equipa em Taiwan. Como não têm stock, os aparelhos são fabricados por encomenda. A responsável portuguesa gere a oferta consoante o tempo necessário para a produção e envio para Portugal, que pode demorar um a dois meses.

“A pessoa tira as fotografias e não as pode ver no momento para replicar a experiência analógica”, esclarece Sofia. Ou seja, depois só precisa de ligar a sua câmara a um computador e tem as fotografias logo disponíveis. “Isto é algo que dura vários anos, porque implica estar sempre a apagar as fotos do cartão USB e voltar a colocá-lo.”

Contudo, existem vários fatores a ter em conta antes de comprar uma máquina. É importante saber qual a principal motivação para a aquisição, que pode ser o design, a facilidade de utilização ou, simplesmente, o orçamento disponível. Relativamente às características técnicas, é preciso considerar as baterias, os cartões de armazenamento e a qualidade da imagem.

A maioria das opções oferece aquele toque vintage que muitos procuram, já que os sensores são inerentemente mais antigos e menos avançados do que os atuais que integram os smartphones. No entanto, há diferenças significativas entre os aparelhos projetados no início dos anos 2000 e os criados na década seguinte, a partir de 2010.

Atualmente, todos os jovens conhecem alguém que aparece numa festa sempre com uma destas máquinas, deixando de lado o telemóvel. Apesar deste fenómeno, as novas gerações estão longe de abdicar da alta resolução dos vídeos e imagens que já se habituaram a captar com os dispositivos móveis.

Enquanto os smartphones permitem cristalizar um momento em alta resolução, as câmaras digitais quase o envelhecem instantaneamente. Sobretudo quando falamos de uma geração cujas fotografias mais nostálgicas de infância são quase todas granuladas, pixelizadas ou excessivamente saturadas. 

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT