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Os três amigos que conquistaram a Adidas e a Balenciaga (e querem mudar o mundo)

A Smartex nasceu entre os teares para revolucionar a indústria têxtil e ajudar o planeta. Pelo caminho venceu a WebSummit.
Gilberto, António e Paulo são os fundadores

A mãe trabalhava numa fábrica têxtil. O pai também. Era quase uma inevitabilidade cósmica que Gilberto Loureiro enveredasse pela mesma área. Aos 15 anos já “ganhava uns trocos” a fazer pequenas tarefas. Aos 17 tinha sobre si a árdua tarefa da inspeção dos tecidos, que é como quem diz, passar horas à procura de milimétricos defeitos nas malhas.

“É um trabalho mau, para não começar já a dizer palavrões (…) disse para mim próprio que era isto que eu não queria para a minha vida”, graceja antes de constatar a ironia que tinha pela frente. “Não correu lá muito bem porque hoje passo os meus dias fechado em fábricas têxteis.”

É um cliché porque é verdade: das pequenas experiências e problemas surgem as grandes ideias. Hoje, aos 27 anos, voltou às fábricas mas como CEO da Smartex, a pequena grande startup que quer revolucionar o setor. E tudo começou com essa aborrecida tarefa que lhe foi entregue há uma década.

A 4 de novembro arriscaram participar na WebSummit, em Lisboa, e participar na competição Pitch. Isto apesar de o CEO se mostrar um cético deste tipo de apresentações. Acabaram por ser os vencedores contra as próprias expectativas dos três fundadores.

“A empresa que ficou em segundo lugar está a tentar resolver a falta de eletricidade em África. Ao lado deles somos uma tecnologia menos sexy, mas conseguimos mostrar que somos igualmente impactantes”, confessa. “As pessoas percebem que é um problema enorme e que nós estamos a resolvê-lo pela primeira vez.”

Trocando por miúdos, a Smartex pretende, através de uma nova solução tecnológica, ajudar a indústria têxtil a reduzir o seu desperdício. Uma ideia simples que se traduz numa poupança de muitos, muitos milhões — não só de euros, mas de tudo o que daí advém, sejam emissões de dióxido de carbono ou litros de água.

“É a melhor combinação possível: é boa financeiramente mas também a nível de eficiência e sustentabilidade”, explica o CEO que nasceu e cresceu em Barcelos, cidade que decidiu abandonar para ser o primeiro da sua família a frequentar o ensino superior.

Gostava de “resolver problemas e engenhocas” e alistou-se no curso de Física. Foi na faculdade que conheceu os outros co-fundadores, o igualmente engenheiro físico António Rocha e Paulo Ribeiro, engenheiro de redes e sistemas informáticos.

Gilberto Loureiro tem 27 anos e é o CEO

Programavam juntos, viviam juntos e inevitavelmente, as ideias fervilhavam. A experiência nas fábricas ajudou Gilberto Loureiro a identificar “o problema gigante escondido” numa indústria que parecia nada fazer para o resolver. Juntos, os três desenharam uma possível solução.

Havia cursos para terminar e por isso a maioria do trabalho era feito pela noite dentro ou aos fins de semana. Terminado o curso, fizeram o que se impunha e entraram no mercado, sem nunca deixar o projeto para trás.

Além do pouco tempo livre, a vontade de revolucionar a indústria têxtil esbarrava também noutras dificuldades. “As fábricas não nos abriam as portas para que pudéssemos fazer os testes”, conta, apesar de compreender a relutância. “Estás a pedir ajuda sem nada para mostrar. Não tens valor para dar. Foi uma grande dificuldade, mas com persistência, um bocadinho de sorte e termos também uma rede de contactos na malta do têxtil, conseguimos abrir algumas portas.”

Em 2018 aconteceu o primeiro grande avanço. Numa das fábricas que lhes abriu as portas, conseguiram fazer a prova de conceito “com um bocado de fita cola”. Na mente tinham um sistema muito mais avançado assente em câmaras que substituem os olhos menos aguçados dos técnicos de inspeção.

Detetar defeitos nas malhas tão cedo no processo de manufatura permite reduzir o desperdício final de tecido. “Numa confeção é aceitável uma taxa de desperdício de 10 a 15 por cento. Isto significa que uma em cada 10 T-Shirts vai para o lixo”, explica o CEO. A tecnologia da Smartex iria automatizar o processo, torná-lo mais eficaz, mais inteligente — e ao fim do dia pouparia milhões.

“Numa confeção é aceitável uma taxa de desperdício de 10 a 15 por cento. Isto significa que uma em cada 10 T-Shirts vai para o lixo”, explica o CEO

“Conseguimos mostrar que esta tecnologia era possível”, recorda. Mas só seria possível se lhe dedicassem todo o seu tempo. E assim foi: demitiram-se dos respetivos empregos e com algum dinheiro dado pelos pais, arrancaram com a Smartex. “Com muita sorte e muita audácia, conseguimos ser aceites pela maior aceleradora de startups do mundo de empresas de hardware.”

“Namoradas e empregos à parte, nenhum de nós tinha muito a perder. Somos uns tesos”, brinca. Por isso fizeram as malas e mudaram-se para Shenzhen, na China, onde viveram durante um ano a trabalhar no HAX. Consigo levaram 250 mil euros como primeiro investimento, valor que dava pouca margem para grandes aventuras.

“Foi um ano difícil, se queríamos fazer aquilo não podíamos gastar dinheiro nenhum. Dormíamos os três no mesmo quarto de hotel”, recorda. Do valor investido, pagavam-se a si próprios apenas com o salário mínimo. “Estávamos a trabalhar no sonho que não sabíamos se ia funcionar. Era uma aventura.”

A aceleradora fez exatamente o que prometia. Os primeiros protótipos foram testados até à exaustão e no final da experiência, Loureiro não regressou a Portugal. Foi diretamente para São Francisco, onde viveu durante seis meses na tentativa de captar o investimento necessário para fazer avançar o projeto.

Regressou com 2,6 milhões no bolso e a confiança de investidores, bem como de marcas mundialmente famosas. “Foi nesse momento que percebi que tínhamos um negócio, neste caso suportado por investidores e marcas como a Gucci, Balenciaga, Adidas, Calvin Klein, e outros investidores de startups de inteligência artificial, coisas necessárias para nos ajudarem.”

O futuro passaria não pelos Estados Unidos ou pela China, mas por Portugal. Estabeleceram a base de operações no Porto, “a melhor decisão de sempre”, nota o CEO. De dois funcionários no início de 2020, saltaram para os 30 atuais — e querem ser entre 60 a 80 até ao final de 2021.

Têm mais de 30 clientes em todo o mundo

A tecnologia da Smartex foi implementada pela primeira vez na minhota Tintex. Em cada uma das máquinas foi instalado o sistema de câmaras que não só procura ativamente por defeitos, como pode também atuar e interromper o tear.

“É melhor do que uma pessoa”, diz. “Além disso, regista tudo e grava na cloud. Se houver algum litígio ou reclamação do cliente, temos as imagens de tudo o que foi produzido. Isto dá 20 a zero ao trabalho do técnico de inspeção.”

Só este ano, afiança o CEO, já ajudaram os clientes a poupar cerca de 8 milhões de litros de água e material suficiente para produzir 200 mil T-Shirts.

Hoje, a Smartex tem 30 clientes por todo o mundo, apesar da maioria estar ainda em Portugal. Entre Itália e Turquia, Loureiro sublinha que é neste último que a empresa tem tido mais crescimento.

É entre eles que Gilberto Loureiro prefere estar, ele que sublinha que “o principal pitch acontece na cara do cliente”. “É muito fácil ir para um palco dizer que vamos mudar o mundo, mas se as pessoas não estiverem dispostas a pagar pelo que estamos a fazer, essa ideia não vai durar muito tempo.”

Ainda assim, a vitória na competição da WebSummit cumpriu o seu propósito: dar a visibilidade à Smartex para conseguir, sobretudo, contratar mais talentos. Com a elevada competição “no ecossistema tecnológico da cidade”, Loureiro sabe que “mais do que um salário”, os trabalhadores “procuram uma missão”.

“Temos muitos empregados que aceitaram reduzir o salário que estavam a receber para virem para cá”, explica, apesar de notar que é habitual ofereceram uma participação na Smartex aos funcionários. “Isso também ajuda.”

Nos escritórios da Smartex, há pequenos ecrãs espalhados por todo o lado, que vão lançando pequenos dados preciosos. Mostram-se os valores poupados em energia, dióxido de carbono, água, tudo graças aos sistemas implementados nas fábricas.

Parte do argumento do CEO assenta precisamente no impacto da ideia da Smartex. “Aqui veem o impacto que a tecnologia criada por eles pode ter. E percebermos que somos os únicos a fazer isto no mundo, somos os primeiros.”

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