Tinha pouco mais de 20 anos quando abriu as portas da Pants Pub, a sua primeira loja, precisamente na baixa de Nova Iorque. Era ainda uma desconhecida, filha de emigrantes, pai arménio e mãe grega.
Há quem diga que foi a inventora das leggings modernas, embora esse título não seja unanimemente atribuído. Patricia Field não precisa dele. Três décadas de trabalho vanguardista na moda consagraram-na entre as nova-iorquinas. Mas seria graças ao trabalho no cinema e na televisão que haveria de se tornar famosa em todo o mundo.
Pense numa série ou filme onde o guarda-roupa e o sentido de moda sejam tão fulcrais como o talento dos protagonistas ou a qualidade dos diálogos. Se pensou em “O Sexo e a Cidade”, acertou em cheio. Se atirou “O Diabo Veste Prada”, também está correto. E mais recente? Pode juntar o sucesso da Netflix “Emily em Paris” à lista.
Vencedora de um Emmy e cinco nomeações pelo trabalho na série “O Sexo e a Cidade”, recebeu também uma nomeação para os Oscars, graças ao filme de Meryl Streep e Anne Hathaway.
Ao longo dos anos, foram muitos os artistas que quiseram colaborar com Field, de Keith Haring a Jean-Michael Basquiat. Chegaram mesmo a emprestar a sua arte às peças que a designer vendia nas suas lojas, que haveriam mais tarde de carregar o seu próprio nome. Na lista de clientes, havia nomes igualmente famosos, de Debbie Harry a Missy Elliott.
Longe das peças recheadas de glitter e de tons neon, Field mostrou-se sempre mais discreta mas não menos talentosa nas escolhas para o cinema e televisão. As suas colaborações nos departamentos de styling e de guarda-roupa começaram nos anos 80, mas foi no set de “Miami Rhapsody”, em 1995 — filme com Sarah Jessica Parker, Antonio Banderas e Mia Farrow —, que descobriu um novo rumo.
Foi nos bastidores que conheceu pela primeira vez e travou amizade com Sarah Jessica Parker. “Um ano depois, ela foi escolhida para ‘O Sexo e a Cidade’. Filmaram o episódio-piloto e ninguém estava satisfeito com o guarda-roupa. A Sarah sugeriu que eu me encontrasse com o Darren Star, o criador, que acabou por me contratar”, revelou à “Repeller”.
Field fez algumas alterações, o episódio foi filmado novamente e tudo foi aprovado. Dois anos depois, era um sucesso mundial.
Mesmo depois de todos estes anos, Field confessa que o sucesso da série continua a ser difícil de digerir. “Ainda não consigo acreditar. Não consigo mesmo. Nunca seria possível prever algo com esta dimensão”, explicou à “Vogue”.
Os primeiros passos no set da série foram de incerteza. A personagem principal, Carrie Bradshaw, era uma incógnita, ao passo que as suas amigas, Samantha, Miranda e Charlotte, eram personagens bem definidas.
“Descreveram-me as raparigas e foi interessante porque a única cuja ideia não foi transmitida de forma clara foi a Carrie. Ela foi a única que acabou por se desenvolver ao longo do tempo. Ao passo que nas outras três era fácil descrevê-las e criar desde logo uma imagem, a Carrie teve que crescer, num trabalho com a Sarah Jessica Parker”, nota.

Field quis fugir ao seu estilo habitual, adaptar-se ao “guarda-roupa das pessoas reais”, mas “com alguma imaginação. Muito do estilo, diz, inspirou-se precisamente no estilo de Carrie.
“Acredito pessoalmente que o público adorou este look misto, entre o design e o vintage, porque era algo novo e interessante, mas alcançável. Era mais uma questão de estilo do que de design de moda”.
As peças mais vulgares cruzavam-se com nomes como Fendi ou Manolo Blahnik e criaram um mundo de estilo que inspirou milhões de mulheres. Em Sarah Jessica Parker, a designer encontrou a modelo perfeita.
“Podes vestir-lhe qualquer coisa e ela fica com um ar fabuloso. Ela sabe mexer-se nas peças”. E acrescenta: “É como jogar ténis — queres ter alguém do outro lado da rede que saiba o que está a fazer, caso contrário não há jogo.”
“O Sexo e a Cidade” tornou-se na montra onde todos queriam estar. “A série explodiu e os designers queriam estar representados. Mas o design de guarda-roupa não serve para vender roupas, serve para contar uma história. Isso foi algo que aprendi pelo caminho”, conta.
Aos 78 anos, Patricia Field continua a ser uma mulher irreverente. Inspira respeito, por vezes medo.

“Sim, tenho percebido de que há pessoas que têm medo de mim. Não sei porquê, acho que nunca passo um ar ameaçador. O meu estilo é explanar bem as minhas ideias, de forma verdadeira e direta. Talvez isto seja interpretado como algo de que se deve ter medo. Já ouvi pessoas a dizerem: ‘Pat, és brutalmente honesta.’ A minha resposta é: ‘Brutalidade e honestidade não combinam. A honestidade é beleza.’”
Essa mesma honestidade colocou-a numa situação complicada em 2011, quando saiu em defesa do colega John Galliano. O antigo designer da Dior foi demitido e ostracizado depois de ter sido apanhado a atirar insultos antissemitas a um grupo e mulheres italianas. “Amo o Hitler. Pessoas como vocês estariam mortas. As vossas mães, os vossos antepassados deviam ser todos colocados nas câmaras de gás”, disse.
O escândalo colocou isolou Galliano e poucas foram as vozes que se ergueram para o defender. Uma delas foi a de Patricia Field, que afirmou que tudo não passaria de uma teatralização. “É tudo uma farsa, mas as pessoas na moda não a reconhecem. De repente, parece que ninguém o conhece. Mas não há problema quando é o Mel Brooks a fazê-lo no ‘The Producers’ a cantar a ‘Springtime for Hitler’”.
Depois do sucesso de “O Sexo e a Cidade”, voltou-se para o cinema, com a possibilidade de vestir Meryl Streep e Anne Hathaway em mais uma produção com uma forte componente de estilo.
“O Diabo Veste Prada” foi outro tiro certeiro. “Trabalhar com a Meryl Streep foi um dos grandes aliciantes quando disse que sim. Ela sabia exatamente o que fazia. Foi ela quem se lembrou da ideia de ter o cabelo assim, branco, e adorei, mas tornou-se num problema com os produtores. Eles associavam o cabelo branco à velhice e não conseguia convencê-los de que era apenas um estilo. Eventualmente, ela disse que iria avançar assim mesmo e ficou tudo resolvido.”

Mesmo próxima dos anos 80, Field continua mais influente do que nunca. Foi a responsável pelo styling na série “Emily em Paris”, elogiada sobretudo pelo guarda-roupa das personagens. E não se fica por aqui.
A sua marca própria acabou por encerrar as lojas, mas apenas para lançar um novo conceito. Pouco tempo depois do fecho, em 2015, lançou a ArtFashion, uma concept store com peças personalizadas por artistas locais e amigos. “Acredito na experiência de ser um bazar, é mais interessante, porque nunca sabes o que vais encontrar. Descobres surpresas com as quais não contavas.”
É também uma fiel crente no instinto, ao invés das tendências. “Tento manter-me afastado delas, porque todas têm uma vida muito curta. Sobretudo na televisão. Dás contigo a ver um velho episódio e pensas: ‘Oh, aquilo é tão anos 90’. É por isso que gosto de misturar as coisas. Todos os outfits em ‘O Sexo e a Cidade’ eram completamente originais — não eram ditados por um designer ou por uma tendência. É por isso que continuam a influenciar, mesmo ao fim de todas estas décadas.”