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Sofia Caldas: a artista que preserva a memória do avô com chapéus incríveis

Ao crescer, a chapeleira nunca via o ídolo com a cabeça despida. No seu trabalho, quer prestar homenagem aos seus ensinamentos.
Fotografia Pedro Sadio numa produção Portugal Manual - Curated Cultural Experiences

Um chapéu guarda muitos segredos. Não falamos de coelhos na cartola ou de truques de magia pensados ao pormenor, mas de algo menos fantasioso. Na arte da chapelaria tradicional, o que está por trás do produto final é a história das pessoas cujas mãos o criam, desde as várias motivações ao acumular de horas de trabalho em torno de cada peça.

Sofia Caldas, de 41 anos, é um dos nomes nacionais que se dedica ao ofício para preservar a memória do avô, Adriano, que usou chapéu desde sempre. De forma a homenagear uma figura tão presente na sua vida, designou o seu atelier de Avo, sem acento circunflexo, para “lhe tirar o chapéu” — literalmente —, em sinal de respeito.

“Não andei no infantário e vivi com ele até aos 13 anos. Tínhamos uma casa com terreno e várias quintas a volta, por isso passávamos os dias a passear pelas quintas e ele contava-me histórias”, conta à NiT a vimaranense. “Foi com ele que desenvolvi o gosto de ouvir os outros para tentar perceber tudo de uma outra forma.”

Dos chapéus de palha, que o avô usava para trabalhar no quintal; aos de feltro mais gastos, recorda-se bem da coleção vasta que tinha. O modelo mais especial era um chapéu de feltro preto que usava para ir a sítios especiais ou em momentos importantes. Usava-o sempre ao domingo.

Sofia formou-se em artes plásticas e apostou na pintura. Em 2008, terminado o curso, decidiu mudar-se para Lisboa, onde fez trabalhos de cenografia no Teatro Politeama. No entanto, acabou por ser convidada para trabalhar numa loja de chapéus que estava prestes a abrir. Durante alguns anos, dedicou-se a receber chapéus de fábrica e fazia os acabamentos. Esta fase marcou o seu ponto de partida com um objeto que lhe é tão querido.

A Avo vende para homens e mulheres.

Quando saiu da loja, em 2018, começou a delinear o seu próprio percurso, sempre inspirada pelo patriarca. Decidiu fazer vários workshops sobre chapelaria tradicional, ao mesmo tempo que se dedicava às artes plásticas. Nesta altura, “tinha várias peças de chapéus conceptuais”, que desenvolveu durante a sua pesquisa, e percebeu que “queria pegar no feltro como matéria prima”, devido à sua elasticidade. Deu asa à criatividade e começou a fazer os seus modelos de chapéus com os quais montou uma exposição em Caxias, em 2020. Foi um sucesso, e começaram a surgir vários clientes — tanto homens, como mulheres.

Contar histórias com feltro

Movida pelo sentido de fantasia que o avô Adriano lhe transmitiu, inclui sempre uma narrativa no produto: “A minha abordagem para fazer um chapéu personalizado é deixar a pessoa à vontade para me contar tudo, das memórias aos cheiros e gostos. Isso vem do meu avô. O meu princípio é criar algo com as características daquela pessoa, com a história dela”.

Curiosamente, e apesar de se reger pelas técnicas de chapelaria tradicionais, “em que todos os pontos são dados à mão”, no seu atelier em Lisboa, tenta fugir do aspeto tradicional. Não segue modelos — como o estilo cowboy ou o estilo Panamá — porque gosta de explorar novos formatos, como formas mais onduladas, para transmitir a ideia que quer passar. “Não queria que fosse só um chapéu banal, mas que tivesse a identidade da pessoa. Um chapéu que se possa ter em casa exposto e que depois passe entre gerações. E que também possamos usar na cabeça, claro”, sublinha.

Fotografia Pedro Sadio numa produção Portugal Manual – Curated Cultural Experiences

A criativa refere ainda que “cada chapéu vai numa caixa com um livro próprio”, feito e encadernado pela própria, “com a história da Avo, um manual de cuidados e a história do chapéu até o dia em que lhe foi dado o último ponto”. Mais do que designer ou chapeleira, a artista prima por ser uma storyteller. “Ceci n’est pas une chapellerie” surge como a apresentação do negócio nas redes sociais.

Sobre os seus modelos favoritos, destaca o chapéu “Bailarina”, que tem uma caixa de música embutida e escondida, que funciona graças a uma manivela na parte exterior. E também o chapéu “Para caminhar juntos”, com duas copas e uma só aba. Pode ser usado por duas pessoas ao mesmo tempo “e o simbolismo é que cada pessoa tem a sua forma de estar na vida e, para funcionar, tem que haver cedências das duas partes”.

Embora a visão conceptual que homenageia o avô esteja sempre presente, não deixa de ser um negócio. Por isso, Sofia certifica-se que os chapéus que cria são usados pelas pessoas e já tem uma carteira de clientes que preferem criações menos mirabolantes. Entre nomes que já se renderam aos seus chapéus, constam o músico Tatanka e o estilista Pedro Crispim.

O lado mais comercial da designer reflete-se no site, que já está disponível, mas ainda a ser terminado. Além disso, os interessados podem fazer encomendas através do e-mail info@nullavoatelier.com, a partir do Instagram ou através da loja Portugal Manual, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Os valores começam a partir dos 250€, com o preço a depender dos materiais e do trabalho utilizado.

Carregue na galeria para ver alguns dos chapéus criados por Sofia Caldas.

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