Quando Israel invadiu Gaza, num conflito que eclodiu em maio, a violência extrema dos bombardeamentos forçou uma interrupção no dia a dia das celebridades, pouco habituadas a reservar parte do seu feed do Instagram a assuntos de geopolítica internacional. Sempre um tema delicado, o conflito foi abordado com luvas de pelica.
Entre apelos genéricos à paz e ao entendimento, algumas celebridades arriscaram condenar Israel — e rapidamente deram um passo atrás ao removerem os comentários. Uma voz, porém, manteve-se firme e sem hesitações, mesmo perante os ataques diretos da máquina de comunicação do Estado israelita.
“Isto não tem a ver com religião. Não tem a ver com ódio de parte a parte. Tem a ver com a colonização de Israel, a limpeza étnica, a ocupação militar e o Apartheid que pende sobre o povo palestiniano”, escreveu no Instagram. Dias depois, saía às ruas de Nova Iorque para participar numa marcha pelo povo palestiniano.
Aos 24 anos, Bella Hadid é um dos maiores nomes da moda mundial, palco onde acompanha a irmã mais velha, Gigi, de 26 anos. Estrelas da nova geração, não se limitam ao seu papel de manequins e tornaram-se mais do que símbolos de beleza.
Se Gigi, mais velha, entrou de rompante no mundo da moda, Bella não lhe ficou atrás. Aos 16 anos já fazia parte do catálogo da prestigiada IMG e, pelo caminho, desfilou para nomes como Marc Jacobs e Alexander Wang. Precisou apenas de um ano para se juntar à irmã na lista das modelos mais bem pagas do mundo.
Teria sido mais fácil a Bella manter-se em silêncio. O envolvimento na causa palestiniana no início do ano terá mesmo custado à modelo um contrato lucrativo com a Dior, que terá recuado devido à polémica que levou mesmo o antigo primeiro-ministro israelita, Benjamnin Netanyahu, a pronunciar-se publicamente.
A decisão virou-se contra a marca francesa que despertou a ira de milhares de fãs da modelo, que a acusaram de se intrometer na liberdade de expressão de Hadid. A verdade é que este é um assunto delicado para a jovem modelo.
Ainda durante o conflito, Bella Hadid recorreu novamente ao Instagram. Foi lá que partilhou uma fotografia a preto e branco de um casal no dia do seu casamento. Identificou-os como os seus avós, no dia da cerimónia, em Nazaré, então território palestiniano sob mandato britânico, hoje parte de Israel.
“Juntos, tiveram oito belos bebés, os meus tios e tias, incluindo o meu pai, Mohamed Hadid (…) Foram retirados das suas casas na Palestina em 1948 e tornaram-se refugiados na Síria, então Líbano, e depois Tunísia. Amo a minha família, a minha herança, a Palestina”, descreveu. “Nunca vão conseguir apagar a nossa história.”
Bella (e Hadid) nasceram já em território norte-americano, do casamento de Mohamed Hadid com Yolanda van den Herik, modelo holandesa. Refugiado depois da criação do estado de Israel, que provocou o êxodo palestiniano e acendeu o primeiro grande conflito na região, acabaria por chegar aos Estados Unidos, onde começou a trabalhar como escritor e editor do “Voice of America”. Empresário de sucesso, conquistou uma fortuna avaliada em milhões, que ajudou a criar Bella, Gigi e o menos conhecido Anwar, num ambiente de luxo em Beverly Hills.
O talento para a moda conquistou o da mãe, Yolanda, que foi também uma estrela no reality show “Real Housewives of Beverly Hills” — onde as duas filhas surgiram pela primeira vez nos ecrãs, ainda muito longe das figuras que brilhariam nas capas da “Vogue”.
Cresceu quase sempre alheada das câmaras, apaixonou-se pela fotografia e pela equitação. Sonhava ir aos Jogos Olímpicos, mas isso nunca aconteceu.
Filha de um muçulmano e de mãe cristã, Bella não foge do tema. “[O meu pai] foi sempre religioso e rezava connosco. Tenho orgulho em ser muçulmana”, revelou em 2017.
Hoje, tem mais de 44 milhões de seguidores, o que, em conjunto com a irmã, totaliza mais de 100 milhões — um número de respeito que lhes dá uma influência notória. Esse poder foi exibido em maio, precisamente durante a guerra mediática provocada pelo conflito em Gaza.
Contrariamente à maioria das celebridades, Bella Hadid não marca posições em termos vagos e politicamente corretos. A herança palestiniana continua a pesar, mesmo quando colocada na balança a avalanche habitual de críticas, sobretudo vindas dos Estados Unidos, velho aliado de Israel.
Quando a 21 de maio desceu às ruas de Nova Iorque para protestar ao lado de milhares de ativistas, foi apanhada entre cânticos, apesar de nunca os ter entoado. “Do rio até ao mar, a Palestina será livre.” Foi o pretexto para o contra-ataque de Israel, sempre atento a eventuais críticas, sobretudo as que têm origem em influenciadores em massa como as irmãs Hadid.
“Quando vemos celebridades como Bella Hadid a apoiarem o atirar de judeus para o mar, estão também a apoiar a eliminação do estado judaico”, escreveu a conta oficial do país no Twitter.
A reação direta às ações de Hadid foi vista como um reconhecimento da força e influência da modelo. “A máquina de silenciamento da diplomacia israelita voltou a puxar da velha mas expectável alegação de antissemitismo”, escrevia-se no jornal israelita “Haaretz” sobre o caso. “Mas foi consistente, direta e certeira, acertou em cheio só que, desta vez, e ao contrário do que aconteceu no passado, o alvo não voltou atrás na sua posição.”
A batalha mediática não se ficaria por aqui. Nos dias seguintes, entre os artigos do “The New York Times”, surgia um anúncio de página inteira que tinha como alvos Bella Hadid, a irmã Gigi e a cantora Dua Lipa, todas elas ativistas pela causa palestiniana. “Bella, Gigi e Dua, o Hamas pede um segundo holocausto. Condenem-nos imediatamente”, lia-se no anúncio pago pelo rabino Shmuley Boteach.
Durante a era Trump, Bella foi também uma feroz crítica do então presidente norte-americano, sobretudo quando as suas decisões impactavam a comunidade muçulmana e palestiniana. Aconteceu, claro, logo em 2017, por altura do célebre proibição de entrada de visitantes vindos de países muçulmanos. Dessa vez, Bella também protestou nas ruas, com a companhia da irmã e da mãe.
“Venho de um passado recheado de diversidade, vivi experiências incríveis em todo o mundo e percebi que somos apenas pessoas que merecem respeito e bondade. Não devemos tratar os outros como se eles não merecessem a nossa compaixão apenas por causa da sua etnia”, explicou sobre a presença no protesto em entrevista à “Elle”.
Voltariam ao ataque alguns meses depois, quando Trump anunciou a mudança da embaixada americana para Jerusalém, que serviria como reconhecimento oficial da cidade disputada como a capital israelita — uma decisão que rasgou com a política externa vigente há décadas e colocou toda a região num impasse.
“Tenho esperado para tentar usar as palavras perfeitas, mas percebi que não há uma forma perfeita de falar sobre algo tão injusto”, escreveu no Instagram. “Jerusalém é a casa de todas as religiões. Com isto, sinto que vamos dar cinco passos atrás. Será mais difícil vivermos num mundo de paz. O tratamento do povo palestiniano é injusto e não devia ser tolerado.”