Foi numa de muitas conversas de viagem, tidas com os estranhos que rapidamente se tornam companheiros, que a luz se acendeu. Vera Caldeira e Pedro Ferraz tinham acabado de decidir criar a sua própria marca de roupa e apenas com uma ideia na mão, confessaram-na a um desses conhecimentos fortuitos. “Vão para a Índia”, disseram-lhes. E eles foram.
Dois dias depois já tinham as viagens compradas e o roteiro pela Ásia ganhou um novo ponto de paragem. O Cambodja ficava para trás e aterravam em Nova Delí, rumo a Jaipur. Em poucos dias, contra todas as expectativas, estavam lançados.
Mais de três anos depois, a ideia concebida do outro lado do mundo materializou-se, não só em milhares de seguidores, mas também em vendas — no último ano tiveram que duplicar a produção e o negócio corre melhor do que nunca. E agora a Mustique prepara-se também para a grande reabertura da loja que inauguraram por altura do último Natal, lá mais para o final de abril.
Conhecidos pelas cores e pelos padrões marcantes, Vera, 30 anos, não tem problemas em admitir que continuam a querer ser uma pequena marca independente, de nicho, embora confesse também a vontade de crescer e de chegar a mais gente, com mais produtos diferenciados. “Sem perder os nossos genes.”
A Mustique é também um dos nomes a reter, não só pela irreverência, mas também pelo exemplo de que uma ideia e um pouco de “inocência” — palavra de Vera — podem muito bem resultar num negócio de sucesso.
A sorte indiana
Velhos amigos dos tempos de escola, Vera formou-se em relações internacionais e viajou para Londres, onde trabalhava numa startup de tecnologia. Pedro ficou por cá, formou-se em gestão e ensaiou a criação de duas marcas, em projetos mais pequenos. “Depois os nossos timings de vida coincidiram”, explica Vera.
Ela despediu-se, ele juntou-se à amiga numa viagem pela Ásia e convenceu-a a unir forças para a criação de uma nova marca. Entre conversas, surgiu o conselho de Stéphanie, a francesa com que se cruzaram no Cambodja e que lhes apontou o caminho para a Índia.

Tinham decidido fazer camisas. Coloridas, vibrantes, com padrões irreverentes. “Chamam-lhes havaianas, mas não são nada disso. Via muito disso em Londres, sobretudo nos homens, em festas e festivais. Não havia tanto isso em Portugal, que tem um estilo mais conservador. Achámos que fazia falta.”
“Hoje em dia olho para trás e digo que não sei se agora conseguiria fazer o que fizemos. Havia muita inocência e muita vontade de fazer. A inocência por vezes dá uma coragem extra”, explica a criadora da marca sobre esses dias em Jaipur.
Chegados à Índia, “o caos”. Depois de uma viagem de oito horas até Jaipur, reservaram um quarto num hostel por duas semanas. À chegada, a inevitável pergunta: “O que vieram cá fazer?”. Vera e Pedro explicaram tudo e receberam uma resposta inesperada. O cunhado do dono, dizia, “era a pessoa ideal”, trabalhador experiente da indústria têxtil.
“Não conhecíamos a pessoa de lado nenhum, não tínhamos grandes expectativas”, explica Vera, apesar de ter aceitado encontrar-se com o tal homem na manhã seguinte. Foi a sua grande sorte: ele é, ainda hoje, o intermediário da Mustique em Jaipur.

Depois de uma tour pelas fábricas e fornecedores, escolheram tecidos, padrões, criaram protótipos e fecharam o negócio. Haveriam de ter que voltar mais uma vez à Índia, mas um ano depois, nascia a Mustique. Nome que, aliás, foi decidido à primeira, também durante a viagem, fruto do fascínio de Vera pela ilha privada das Caraíbas onde os famosos se recolhem.
“É um sítio muito misterioso, hedonístico. E achava a palavra esteticamente bonita”, diz. “Tivemos mesmo muita sorte durante todo este processo.”
Criar a marca
“Não há nenhum grande plano estratégico por detrás do que fazemos”, desvenda Vera, que sublinha que é tudo feito de forma instintiva. Até porque, explica, nenhum dos dois criadores tem qualquer formação na área do marketing.
Vera é a mais criativa, Pedro fica encarregue da operação logística e da parte financeira. Juntos, começaram por apostar no Instagram, o habitat natural da Mustique, onde já têm mais de 21 mil seguidores.
O primeiro ano foi de luta, assente nas compras de amigos e família. Apostaram na fotografia, no storytelling, tudo para criar “uma vibe e um lifestyle” à volta da marca.

O tempo, esse foi ajudando a um crescimento orgânico. “Nunca tivemos muita pressa. Ainda por cima, nenhum de nós é formado em design de moda, cometemos muitos erros, fomos aprendendo com eles e a marca foi ganhando uma escala maior, sempre ao nível daquilo que nós conseguíamos acompanhar.”
Em 2020, conseguiram finalmente ter capacidade para se lançarem para lá das fronteiras digitais das redes sociais. Havia a necessidade de abrir uma loja, não só para concretizar mais um passo na evolução da Mustique, mas também porque as caixas começavam a acumular-se em casa, onde era feito todo o trabalho. Hoje, o espaço na baixa lisboeta é loja, escritório e armazém.
Apesar da abertura entre confinamentos, a curta experiência de abertura, por altura do Natal, correu melhor do que podiam esperar. “Nunca tivemos expectativas de que iria ser um furor, mas correu super bem e valeu a pena termos aberto, mesmo que depois tenhamos que fechar logo a seguir.”

O futuro
Era a grande meta de Vera e Pedro: tornar a marca ainda mais nacional. Os tecidos continuam a chegar de Jaipur, onde também são impressos. Depois, tudo o resto é feito em Portugal.
“Mudámos a produção e manufatura toda para cá, porque em termos de qualidade, não há comparação possível com a qualidade e profissionalismo que encontramos nas nossas fábricas”, explica Vera.
Feitas na Índia ou em Portugal, uma coisa era quase sempre certa: as coleções esgotavam sempre. Foi também por isso que decidiram, este ano, duplicar a produção, à medida que vão expandido a marca e apostando em novos produtos além das já existentes camisas, camisolas e T-shirts.
Por enquanto, o futuro próximo é simples: acertar os últimos detalhes da coleção de verão que está pronta a estrear. E, finalmente, voltar a abrir as portas da loja.
Carregue na fotogaleria para ver mais imagens da loja da Mustique.