Lorenzo era apenas mais um jovem ator italiano. Quando lhe falaram sobre o novo projeto da Netflix — a série que acompanha as aventuras do grande explorador italiano Marco Polo —, decidiu gravar uma interpretação muito pessoal da personagem. Enviou o vídeo para a produção e foi à sua vida. A apenas seis semanas do início das filmagens, Lorenzo recebeu uma chamada — tinha sido escolhido para o papel principal da mega-produção. O único problema? Não sabia falar inglês.
Numa altura em que “A Guerra dos Tronos” era, e ainda é, uma das maiores produções da televisão, a Netflix ripostou e investiu 82 milhões de euros em dez episódios. Os críticos receberam a série com algum ceticismo e, já se sabe, a plataforma não tem por hábito divulgar quaisquer estatísticas. Ainda assim, “Marco Polo” foi renovada para uma segunda temporada, que estreia em Portugal esta sexta-feira, 1 de julho.
Durante a conversa da NiT com Lorenzo Richelmy, o ator explicou as dificuldades que enfrentou durante as gravações, o desejo secreto de estudar na Broadway e revelou todos os objetos que roubou do set de “Marco Polo”.
Leia a entrevista completa em baixo.
A primeira temporada de “Marco Polo” junta intriga política e batalhas violentas, amor e lealdade. Depois de tudo o que aconteceu, o que é que se pode esperar dos novos episódios?
Será a evolução natural da primeira. Vamos ter tudo isso mas de uma forma mais desenvolvida. Nesta temporada subimos a parada em todos os aspetos, seja ao nível estético ou do próprio drama. [No ano passado] tivemos que apresentar o público a este novo mundo do império oriental, que é algo que está muito longe no nosso imaginário. Fomos forçados a criar e inventar este mundo. Isso está feito e agora podemos divertir-nos verdadeiramente. As personagens vão ser mais densas, mais profundas, e vão revelar traços escondidos da sua personalidade que não tinham exibido até então.
No ocidente conhecemos muito bem a época medieval, os castelos europeus e os samurais japoneses. No entanto, o império mongol é ainda um mistério para maioria das pessoas. O que é que realmente o fascinou nesta história?
O John [Fusco], o criador da série, tem uma enorme paixão pelos mongóis, pela história de Marco Polo, e distribuiu livros por todo o elenco, para que nos pudéssemos ambientar mais facilmente à cultura. É fascinante porque eu não sabia nada, nunca estudámos este assunto na escola. E isso é estranho, porque estamos a falar do maior império que existiu à face da terra e pouco sabemos sobre ele. Estamos em 2016 e ainda estamos fechados neste mundo ocidentalizado.[Os mongóis] eram uma sociedade incrível. O Kublai Khan foi o primeiro globalizador, ao tentar algo que acabou por nunca acontecer: unificar a velha China e toda a Ásia, mantendo intactas todas a herança cultural das populações sobre as suas ordens.
Ainda assim, era uma sociedade cruel…
Marco Polo vinha de Veneza e, à época, Itália era o centro do mundo ocidental. Todos os outros, principalmente os asiáticos, eram tidos como bárbaros. Acabou por descobrir que os mongóis eram uma sociedade bastante mais civilizada que a ocidental e que já tinham uma economia muito saudável.
Graças ao Marco [Polo], percebemos que os diferentes pontos de vista mudam tudo. Ao viver naquela sociedade, ele entendeu que não só a cultura deles tem toda a validade, como os teus valores como homem ocidental podem cair por terra.E mesmo que Kublai Kahn tenha orquestrado muitos massacres, de certa forma, ele teve os seus motivos. A capacidade de Marco Polo em aceitas essas motivações fazem dele um homem fascinante — para mim, um dos primeiros homens verdadeiramente modernos. Estamos a falar de um tipo que ficou na Ásia durante mais de 20 anos, não por dinheiro, mas apenas por curiosidade. Na escola falámos dele como um comerciante e, depois, percebemos que passou mais de duas décadas na Mongólia e que no final, não trouxe consigo praticamente nada.
Marco Polo começa a segunda temporada a dar uma estalada a um mongol que lhe falta ao respeito. Vai ser um herói mais confiante?
Ele ainda era um miúdo de Veneza quando a série começou. Aos poucos, passou de um puto para um jovem adulto e vai continuar a crescer. [Nesta temporada] vamos vê-lo a finalmente tornar-se num homem.
Houve alguma cena que tenha sido particularmente difícil de gravar?
Sim, uma batalha filmada na Malásia. Esta temporada vai ter muitas batalhas, mas lembro-me dessa porque havia fogo e cavalos por todo o lado. Como sabem, a humidade é muito alta na Malásia e ali estávamos nós, de farda de cabedal. Foi muito, muito difícil.
Para se tornar no Marco Polo, o Lorenzo teve que aprender a lutar com espadas, manejar o arco e flecha, montar, lutar kung fu e até aprender inglês. Alguma delas se revelou verdadeiramente útil no dia a dia?
Absolutamente, o kung fu deu-me uma flexibilidade tremenda. As tuas pernas mudam, o teu corpo muda, tudo muda. Ah, e o inglês. Eu não sabia falar inglês e essa é uma competência crucial para qualquer homem, especialmente para um ator. Porém, o kung fu foi possivelmente a melhor aprendizagem de todas. Hoje tenho plena consciência do meu corpo.
É verdade que costuma roubar objetos do set?
Sim, trouxe comigo alguns dos fatos que usámos na primeira temporada durante as filmagens em Veneza e que nunca mais foram precisos. Também guardei a máscara preta do Kublai Kahn. É espetacular. Tenho uma ponta de uma seta, aliás, tenho duas pontas: uma das filmagens e outra que é de uma ponta original de uma seta mongol. Esta última é fantástica porque as setas assobiavam enquanto voavam.
Como é que conseguiu sair do set com isso tudo?
O truque é esperar até ao fim, até perceberes que há algo que já não vai ser usado, ser extremamente simpático e, com um enorme sorriso na cara, pedir. E quando és o Marco Polo, essa tarefa torna-se muito mais fácil (risos).
Foi escolhido para protagonizar a série a poucas semanas do início das filmagens daquela que é uma das maiores produções dos últimos anos. Chegou a revelar que aterrou no set “com uma bela barriguinha italiana”, que imediatamente perdeu, claro. Como é que este papel mudou o Lorenzo
Sim, a minha barriguinha de cerveja (risos). Eu mudei no sentido em que hoje faço coisas diferentes das que fazia há um ano. Em seis meses, a minha vida mudou, ou melhor, não foi a vida que mudou mas sim a forma como as pessoas olham para mim. Assim que percebes esta diferença, estás bem.
Quando a primeira temporada estreou, a Netflix ainda não tinha chegado a Itália e por isso podia fazer tudo o que queria no dia a dia sem que as pessoas quisessem saber mim. Continuo a viver em Roma, adoro o que faço e quero ficar aqui. Não é só o que fazes que te torna uma pessoa diferente, mas ainda assim, é possível seres tu próprio neste mundo louco.
Não planeia mudar-se para Hollywood?
Há 15 anos, talvez tivesse de me mudar para Los Angeles para ter sucesso, mas hoje temos um mercado fantástico na Europa. Gostava de trabalhar em Hollywood mas a minha vida está aqui. Vivo em Roma, a mais bela cidade do mundo. Ser ator é a minha paixão mas há coisas mais importantes.
Vai continuar a ser Marco Polo?
Não sei de nada quanto a uma possível terceira temporada. Ainda estou à espera. Voltei há cerca de dez dias de uma viagem a Nova Iorque, descobri a Broadway e as melhores salas e percebi que gostava de estudar lá.
Tenho alguns projetos em andamento mas não posso falar sobre eles. Vão ver-me noutros papéis que não o de Marco Polo. Quero fazer algo diferente, mesmo que isso signifique aceitar um papel mais pequeno onde não interpreto o herói.
E eventualmente arriscar um papel na Broadway?
Isso ia ser muito difícil, a Broadway é uma coisa muito americana, mas nunca se sabe.