Noutros tempos, noutra vida, Bruce Jenner terá sido campeão olímpico de decatlo, em 1976. No entanto, como a própria Caitlyn confirma neste primeiro episódio sobre o seu novo “eu”, durante toda a sua vida, o campeonato tem sido outro — o de viver com uma identidade que não era a sua, dentro de um corpo que nunca lhe assentou. Agora, aos 66 anos, chegou a hora da mudança.
São 40 minutos surpreendentes, pois estão dedicados a uma forte mensagem sobre os problemas que a comunidade transexual tem de enfrentar, nomeadamente os jovens. Ainda que “I Am Cait” deslize, de vez em quando, para a fachada vazia característica de “Keeping Up With The Kardashians”, não deixa de ser um trabalho interessante pela forma como se dedica aos pequenos passos para a aceitação da diferença. O primeiro episódio estreou este domingo nos EUA, no E! Entertainment, e chega a Portugal no domingo, 2 de agosto, no mesmo canal.
“Ela é uma mulher extremamente atraente, mas ainda é o Bruce”
Para Esther Jenner, a mãe, “não vai ser fácil”. Mas, como a própria refere, “ela é uma mulher extremamente atraente, mas ainda é o Bruce”. E é neste ponto onde “I am Cait” realmente se esmera: não só em mostrar o primeiro contacto de uma família com uma mudança de sexo, mas, acima de tudo, por mostrar que um corpo diferente não altera a personalidade. Nesta fase, torna-se fácil identificarmo-nos com esta personagem, que se entusiasma com as suas irmãs enquanto comentam o seu novo guarda-roupa,e que se apercebe das novas dificuldades de jogar ténis: “Já percebo porque é que as mulheres precisam de um soutien desportivo.”
Este lado mais pessoal está muito bem construído e vai-nos permitindo pequenas pistas sobre a mensagem maior por trás deste “docu-reality”. Havia muito ceticismo sobre a qualidade de mais um programa baseado na premissa “vamos ser celebridades só porque sim”, mas há mais – e isso nota-se tanto no texto, como na realização. O primeiro episódio abre com Cait acordada, às quatro da manhã, embrulhada em preocupação sobre aquilo que esta série poderá conquistar. O objetivo é inspirar, motivar e educar, mas a transexualidade é um tema ainda oblíquo na mente de muitos, e “a verdade é que há pessoas a morrer por causa disso”. A taxa de suicídios na comunidade trans é nove vezes superior; e é com base em factos como este que “I Am Cait” encontra o seu propósito.
“I Am Cait” é a peça final de uma campanha brilhante, mas isso não compromete a honestidade desta inspirada e motivada Caitlyn Jenner
O registo é completamente diferente daquilo a que estamos habituados a ver nestes reality shows, mas este programa não consegue despegar-se a cem por cento das raízes do seu género. Há momentos que parecem obedecer à habitual orquestra comercial dos reality shows. Que “I Am Cait” é a peça final de uma campanha brilhante é inegável, mas isso não compromete a honestidade desta inspirada e motivada Caitlyn Jenner – pelo menos no que respeita ao primeiro episódio.
Um desses momentos que parecem totalmente ensaiados – mas que não deixa corresponder à verdade – é protagonizado por Kanye West, que diz: “A tua filha é uma supermodelo, tu és uma celebridade, e, mesmo assim, a tua atitude foi algo do estilo: Fodam-se todos. É isto que eu sou”.
Depois do piloto, questionamo-nos sobre o que os próximos sete episódios poderão acrescentar à parte que interessa desta série. Fica a sensação de que o drama familiar será monopolizado para gerar uma espécie de antagonista que se aguente até ao fim. Mas se “I Am Cait” continuar a explorar casos de outras famílias, com a qualidade que já revelou, talvez valha a pena continuar a acompanhar a mudança de Cait.