“Big Little Lies” foi pensada para ser uma minissérie, com apenas sete episódios fiéis à história do livro escrito por Liane Moriarty. Juntou-se o super produtor e guionista, David E. Kelley; o realizador de filmes inacreditavelmente bonitos, Jean-Marc Vallée; e um elenco com mega estrelas, de Nicole Kidman a Reese Witherspoon, passando por Laura Dern. A produção da HBO conquistou os espectadores, a crítica foi unânime, tudo foi perfeito. Toda a gente queria mais e, depois de muito ponderar, a equipa maravilha reuniu-se novamente para uma segunda temporada. O nosso lado mais racional faz soar alarmes, diz que é um erro, porquê mexer em algo que terminou de forma tão eficiente? O nosso lado sentimental diz “que se lixe”, como é bom regressar a Monterey e logo com o genérico feito de imagens paradisíacas e o tema “Cold Little Heart”, de Michael Kiwanuka.
“What Have They Done?” é o primeiro dos sete novos capítulos deste ano e está disponível na HBO Portugal desde segunda-feira, 10 de junho. A NiT já assistiu a mais duas partes e encontrou uma dinâmica bem diferente da temporada de estreia.
O mistério foi-se. Quem morreu, quem matou quem e mais umas quantas perguntas que se foram juntando à equação nas primeiras partes ficaram resolvidas em 2017 e, por isso, Liane Moriarty e David E. Kelley tiveram de encontrar um novo rumo para a história. Um pacto de silêncio é o que une agora as personagens descritas como as “Monterey Five (As Cinco de Monterey”) — as mulheres que estavam naquela escadaria na noite em que Perry morreu e que se uniram para contar a mesma versão. Nós, espectadores, sabemos que elas escondem muitos detalhes e toda a gente à volta delas começa a desconfiar do mesmo.
A narrativa recomeça no início de um novo ano letivo. Jane (Shailene Woodley) está mais adaptada àquele mundo de ricalhaças que nada têm a ver com ela. Está serena, tem um emprego no oceanário local e continua a viver para o filho. Está conformada e tranquila porque não tem grandes aspirações além disso. Madeline (Reese Witherspoon) parece ser aquela que consegue fingir mais facilmente que tudo está bem — o ritmo frenético com que corre de um lado para o outro e com que fala ajudam a esquecer o que se passou ainda há tão pouco tempo mas as mentiras do próprio casamento depressa a apanham a tudo se começa a desmoronar mais depressa do que um castelo de areia. Renata explode para todos os lados — meu Deus, como Laura Dern é uma atriz inacreditável — e Bonnie (Zoe Kravitz) está catatónica. Celeste (Nicole Kidman) está de luto. Perry morreu mas continua muito presente, através da ânsia da mãe dele (já lá vamos) em descobrir a verdade, do comportamento violento dos filhos gémeos e da culpa de Celeste que, além de não conseguir, não tem grande vontade de se libertar do homem com quem era casada. As sessões com a terapeuta continuam a ser, tal como na primeira temporada, uma ótima ferramenta para entendermos as camadas mais complexas desta personagem (e de outras também).
Tudo o que têm de fazer é continuar nas respetivas vidas, ignorando o que se passou, mas nada é assim tão simples. Bonnie, que empurrou Perry causando a morte dele, é a que menos consegue disfarçar. Este cheirinho a “Donas de Casas Desesperadas” não me agrada nada — é que esta coisa de um grupo de amigas que esconde um homicídio que cometeu em conjunto já se viu. A confirmar-se pode manchar a reputação desta série até aqui perfeita. Ainda assim, temos de acreditar que “Big Little Lies” tem bem mais para nos dar.
Para já, o maior presente desta segunda temporada chama-se Meryl Streep. Ela é Mary Louise, a mãe de Perry, que se instalou em Monterey para ajudar Celeste com os gémeos mas que está ali para fazer, claro, bem mais do que isso. O seu maior objetivo é descobrir o que aconteceu ao filho. Pelo caminho mete-se na vida de toda a gente: na de Jane, que quer obrigar a submeter Ziggy a um teste de paternidade, ou na de Madeline. “Não gosto de pessoas pequenas, não me inspiram confiança” lança o tom para a personagem que toma conta de todas as cenas em que aparece. Com dentes postiços e o gesto recorrente de mexer no crucifixo que tem ao pescoço sempre que atira um julgamentozinho sobre uma das mulheres, Meryl Streep mostra porque é que é umas das melhores (bolas, é a melhor) atrizes da sua geração. Pega numa mulher detestável, cheia de clichés e dá-lhe pequenos toques que fazem toda a diferença. Já se percebeu quem é que vai ganhar todos os prémios deste ano na categoria de Atriz Convidada, é que nem adianta acrescentar na lista outros nomes, face a isto ninguém tem hipótese. Só a cena em que ela grita a meio do jantar, libertando assim toda a raiva que aparentemente está tão controlada, podiam perfeitamente garantir-lhe estatuetas até 2027.
Jean-Marc Vallée, que tinha realizado a totalidade da primeira temporada, deu a vez a Andrea Arnold (que dirigiu episódios de “Transparent” e filmes como “American Honey”). Contudo, manteve-se na edição dos episódios e a sua marca está por todo o lado. Além disso, se o primeiro ano de “Big Little Lies” já tinha mostrado uma capacidade extraordinária para a comédia apesar de ser um drama, desta vez o sarcasmo está mais presente e o sentido de humor incrivelmente bem apurado.
Até agora ainda não dá para prever se a segunda temporada será um estrondoso sucesso ou fiasco que nunca deveria ter acontecido mas, ao fim dos três primeiros episódios, há uma certeza: poderá não haver grandes revelações mas espreitar as respetivas vidas destas personagens tão bem construídas continua a ser tempo de televisão muito bem gasto.