Como já nos habituou, muitas das criações de Bordalo II são um convite à reflexão sobre vários problemas sociais. Depois de uma caixa de medicamentos contra a falta de noção, o artista plástico português criou, desta vez, algumas obras de protesto contra os abusos sexuais cometidos por alguns membros da Igreja Católica. Provocador, Bordalo II instalou em várias ruas de Lisboa um crucifixo revestido de brinquedos, sinalização com imagens da igreja ou um boneco numa cruz no lugar de Cristo.
À NiT, o artista de 35 anos diz que “a Igreja atravessa uma crise no que toca ao assunto dos abusos sexuais”. Por estar a trabalhar numa série de produções sobre questões da atualidade, fazia sentido abordar uma polémica que regressou ao País nas últimas semanas.
“É um tema relevante e para o qual quero chamar a atenção do público, como, aliás, todos os que abordo na série dos Provocative”. E acrescenta: “Daí ter feito estas peças agora, neste momento”.
A construção momentânea “Cruzes, Credo, Canhoto”, faz parte da Provocative Series e foi fotografada em igrejas portuguesas numa intervenção efémera, que já não está em exposição. “Quantos predadores sexuais e molestadores de menores haverá escondidos atrás de cortinas douradas? Aparentemente, nunca os suficientes para fazer a Igreja e os seus crentes tomar uma posição séria”, lê-se numa publicação do artista na sua página de Instagram.
A escolha da colocação das peças deveu-se sobretudo a questões logísticas. “Optámos por localizações próximas do espaço onde trabalho”. Não foi, porém, uma seleção inconsciente. “Claro que tinham de ser sítios alusivos ao tema também, para tudo fazer sentido”. Já o enquadramento foi pensado para que a mensagem fosse bem compreendida.
Demorou uma semana a criar as obras, e optou por utilizar sinais de trânsito, brinquedos e roupa de miúdos como os seus principais materiais. As composições foram expostas temporariamente na rua “porque é onde estão as pessoas”, além de “o mobiliário urbano ser uma excelente base para estas criações”.
Quanto à sua posição pessoal sobre o tema dos abusos sexuais na Igreja, Artur Bordalo defende que “é algo que tem de acabar imediatamente, tem de ser impedido e tem de se parar de esconder estes casos”. “Expô-los” diz, será a forma mais eficaz “para que aconteça cada vez menos, até deixar de acontecer, em vez de encobrir e proteger estes crimes”.
“À semelhança do que acredito ser o dever da sociedade, também nós artistas temos que usar a nossa voz para defendermos aquilo que está certo e aqueles que não se conseguem defender”. Bordalo refere ainda: “Temos que adotar uma atitude crítica, principalmente em temas tabu como este e ser parte ativa da mudança”.
O criador enfatiza, desta forma, a intervenção social que quer atingir com as suas obras. “Já falei sobre os direitos das mulheres, de racismo, de xenofobia, da guerra, touradas, etc.”.
Bordalo II frisa que “apesar do sucesso da carreira de um artista ser geralmente rumo a galerias, fundações, museus e coleções privadas, há um lado de intervenção social e atrevimento/provocação que não se deve perder”. E lembra à NiT: “Se há momentos propícios para chamar a atenção, é um desperdício esconder-me e não fazer parte do discurso crítico e de mudança coletiva em relação a temas que nos são relevantes. É nestas alturas que o público está mais aberto a ver o que temos a dizer sobre o que se está a passar também”.
“Para mim, é importante manter este canal de expressão ativo, na rua, ainda que esteja neste momento com uma mostra, num formato mais convencional de exposição, também aberta ao público”, conclui Bordalo II. Não espere, no entanto, encontrar os Provocatives numa sala de exposição. “Ainda não pensei bem nisso, talvez um dia, se fizer sentido, sim. Por agora, é uma série que vive na rua”.
Por enquanto, outra das suas mostras — que se chama “Evilution” — está em exibição no Edu Hub, na zona dos Olivais, em Lisboa. A exposição poderá ser visitada entre as 14 e as 20 horas, até ao dia 11 de dezembro, com entrada gratuita.
Carregue na galeria para ver algumas das obras que Bordalo II espalhou pelas ruas de Lisboa em protesto contra o encobrimento dos abusos na Igreja Católica.