Cinema

A atriz portuguesa que poucos conhecem — mas que está em destaque na Netflix

Hana Sofia Lopes tem 31 anos, fez novelas na SIC e agora está a construir uma carreira internacional no cinema, televisão e teatro.
Hana Sofia Lopes tem 31 anos.

Apesar de não ser muito conhecida no nosso País, Hana Sofia Lopes é uma atriz portuguesa em destaque na Netflix. Interpreta uma das personagens na segunda temporada de “Capitani”, que estreou a 8 de julho na plataforma de streaming. Trata-se de uma produção luxemburguesa.

Tal como tantos outros filhos de pais portugueses, Hana Sofia Lopes nasceu e cresceu no Luxemburgo. Nas férias de verão, passava semanas inteiras em Chaves, a terra dos pais. Aos 19 anos, decidiu mudar-se para a capital portuguesa para estudar na Escola Superior de Teatro e Cinema, na Amadora. Entre 2015 e 2016, fez duas novelas na SIC, “Mar Salgado” e “Coração D’Ouro”. Depois regressou ao Luxemburgo e iniciou uma verdadeira carreira internacional.

“Capitani” é só o mais recente exemplo. Trata-se de uma série policial que acompanha o inspetor homónimo. Na primeira temporada, desvendava o homicídio de uma jovem de 15 anos numa vila fictícia no norte do Luxemburgo. Desta vez, a ação desenrola-se no mundo da noite da cidade do Luxemburgo — “as drogas, os cabarés, esse universo da noite”, explica Hana Sofia Lopes à NiT.

“Interpreto uma menina que trabalha num dos cabarés que eles tentam investigar. Sou mandada pela pessoa que acaba por comandar os cabarés todos para tentar seduzir o Capitani — para chegar a um objetivo que não posso desvendar [risos]”, acrescenta a atriz de 31 anos. “O papel foi praticamente escrito para mim.”

Hana Sofia Lopes conhece o criador de “Capitani”, Thierry Faber, desde os tempos em que ambos trabalharam noutra série, “Comeback” (2012/2013), o primeiro projeto televisivo da atriz.

“Fui ao casting da segunda temporada e ele disse-me: gostava muito que participasses na série, mas papéis femininos por ocupar só existem pequeninos. Mas ele disse: ‘acho que vou pensar aqui numa coisa’. E o que ele fez foi juntar dois papéis num só, que ficou o meu, para ser uma personagem mais presente na série. E é ótimo quando alguém escreve um papel para ti. Na próxima temporada então… Vai mesmo ser tudo escrito para mim”, diz.

Para se preparar para interpretar uma personagem que trabalha num cabaré e como acompanhante de luxo, Hana Sofia Lopes quis mergulhar neste mundo desconhecido para si. “É um mundo sobre o qual não conheço os detalhes. Não sei como é que as pessoas fazem, não sei como é que se chega lá, não sei como é que uma pessoa se pode sentir à vontade com esse tipo de atividades. Então disse logo ao criador: gostava muito de poder falar com alguém que é mesmo acompanhante ou que trabalha nesse mundo da prostituição, nos cabarés, ou com uma stripper.”

Foi o que aconteceu. Através de uma organização que apoia trabalhadoras sexuais, e que contribuiu para ajudar Thierry Faber a escrever o guião, Hana Sofia Lopes entrou em contacto com mulheres que trabalham nesses estabelecimentos na cidade do Luxemburgo.

“Estas senhoras foram impecáveis, convidaram-me, tiveram logo essa abertura desde o início e tive desde as seis da tarde até à meia-noite com elas. Explicaram-me tudo. Havia lá uma senhora que trabalha no mundo da prostituição há 30 anos e que me contou os detalhes mais surreais. Fiquei mesmo ‘uau’, parece que ainda vai além da imaginação. É mesmo um mundo paralelo. Vivo a três quilómetros do centro da cidade. E há uma parte onde a prostituição e os cabarés estão mais presentes. É super perto, mas é um mundo completamente distante. Nunca tinha pensado: aqui mesmo ao lado de minha casa acontecem estas coisas. E foi super interessante falar com elas sobre a experiência. Explicaram-me muitas coisas práticas [risos]. Não que tivesse de pôr em prática na série, mas para mim era interessante saber, porque tudo isso acho que influencia a forma como a personagem pensa — até como elas se mexem, como falam. Como funciona a psicologia de uma pessoa que tem esta profissão. Descobri muitas coisas que não sabia.”

Foto de Paulo Lobo

Perguntamos aquilo que mais a surpreendeu. “A distância que conseguem pôr entre elas e a profissão. No ato, em todas as noites em que trabalham, acontecem coisas. Têm que se expor fisicamente. Isso é uma coisa que perguntava: como é que vocês conseguem? Psicologicamente, não sentem uma espécie de vergonha? Acho que no mundo da noite existe de tudo: mulheres que o fazem porque são forçadas; mas neste caso não tenho impressão que fosse esse o motivo.”

Hana Sofia Lopes acrescenta: “Isto é uma das coisas de que mais gosto na minha profissão. Com cada projeto descobres coisas novas. Nunca na minha vida tinha parado para pensar sobre este mundo”. “Capitani” tem sido um sucesso internacional na Netflix — esteve no top 10 das tendências em 24 países — mas curiosamente não teve grande expressão em Portugal. A atriz conta que tem recebido mensagens de fãs de todo o mundo, mas não muito do seu país de origem.

Neste momento, a portuguesa prepara outros projetos. Vai ser a protagonista da curta-metragem “Melusina”, que se foca numa lenda medieval do Luxemburgo. Segue-se a produção canadiana “Kanaval”; e “Sexual Healing”, um filme sobre Marvin Gaye onde irá contracenar com atores reputados como Clarke Peters, Vicky Krieps ou Jesse L. Martin.

“Com cada personagem e projeto vais acumulando sabedoria e conhecimento”, diz a atriz, que também assume ter como objetivo conseguir equilibrar o seu percurso entre cinema, televisão e teatro. Depois de ter estudado teatro no prestigiado conservatório de Paris, conseguiu o contrato para fazer as novelas da SIC. Em Portugal participou ainda nas séries da RTP “Os Filhos do Rock” e “Ministérios do Tempo”, além de ter feito uma peça no Teatro Nacional de São João. Mas acabou por optar por regressar ao Luxemburgo. 

“Claro que também podia ter ficado. Porque é uma posição interessante e é um trabalho regular. Quando trabalhas numa telenovela sabes que tens trabalho durante um ano, não estás constantemente à procura, não estás a fazer castings e traz-te uma certa tranquilidade. E também algum reconhecimento, porque as pessoas te veem na televisão. Só que qualquer coisa em mim me disse: se ficares por aqui vais continuar e passados 10 anos ainda estás a fazer isto. E como tenho essa sorte de ter nascido noutro país e de falar mais línguas, e por ter acesso a outros mercados, não quis ficar só por aí. Mas não quer dizer que não volte.”

Além de português, Hana Sofia Lopes fala alemão, francês, inglês e castelhano de forma fluente. A atriz aponta que a forma como as novelas são percecionadas no meio artístico também a levaram a querer procurar outro tipo de trabalhos naquela fase.

“No Luxemburgo não sabem o que é uma telenovela. Eles pensam numa soap opera, numa telenovela mexicana ou num ‘General Hospital’ dos EUA. Para eles, as novelas têm uma conotação foleira. Que não são, obviamente. Quer dizer, podem ser, mas também há a outra parte, que toca nas pessoas. Se uma pessoa vê uma cena sobre alcoolismo e violência doméstica, pode mudar alguma coisa na vida dessa pessoa, pode-te fazer refletir. Por isso não é uma coisa em vão. Sei disso, mas eles aqui não sabem, e cada vez que vinha cá quando estava a fazer a novela, tinha a sensação de que quase gozavam. Ou que pelo menos não me estavam a ver como uma atriz séria. O que é ridículo, porque estudei no conservatório de Paris, onde estudei os grandes clássicos do teatro. Pensavam logo que era mais superficial.”

Apesar de, pela sua natureza, as novelas não permitirem tanto tempo de preparação ou profundidade, Hana Sofia Lopes defende que é um formato desafiante e exigente. E conta que, apesar de tudo, ainda se preparou um pouco para interpretar a pianista Adriana Noronha em “Coração d’Ouro”.

“Soube que tinha o papel umas duas semanas antes de começar a gravar. Ou seja, não poderia aprender piano [risos]. Mesmo assim eles foram super fixes e organizaram umas sessões só para ter uma postura de pianista. Só que não é a mesma coisa. Numa telenovela não consegues ir a fundo. Acho que é super difícil fazeres telenovelas e tenho mega respeito pelos meus colegas, sobretudo os que fazem de protagonistas. As pessoas não têm noção, é super intensivo, no tempo em que estás a gravar vives para aquilo. Mas pensei: se calhar é melhor voltar para cá, fazer algum teatro, para perceberem que não sou só a menina da televisão. Sou também outra coisa, há mais camadas. E foi o que aconteceu.”

Fez uma peça, depois outra, e mais outra. “Depois aconteceu o milagre.” Hana Sofia Lopes refere-se à peça que conseguiu fazer no Teatro Nacional do Luxemburgo, encenada por uma antiga professora sua. 

“Esta oportunidade surgiu, aceitei e como estava a fazer esta peça, o teatro lembrou-se de me enviar uma audição porque iam fazer uma co-produção com um encenador francês muito conhecido. Fui a Paris — e como estudei lá sei o quão difícil é entrar no mundo do teatro em Paris, é praticamente impossível… Li a peça, e fiquei a chorar porque achei que era uma das mais lindas que já tinha lido na vida. Fiz a audição, fiquei com o papel, para meu grande espanto. Estava eu de férias em Cascais, na praia, e ligam-me a dizer: Afinal foste tu que ficaste com o papel. E eu: Não, não pode ser, estão a ligar para a pessoa errada [risos].” 

A partir dessa peça, criada em colaboração com Maïwenn, conquistou protagonismo e conseguiu mais oportunidades internacionais. Este percurso de Hana Sofia Lopes também coincidiu com a ascensão das self-tapes — castings gravados pelos próprios atores em casa, o que democratizou imenso o acesso —, realidade acelerada pela pandemia.

Quanto a um possível regresso a Portugal, admite ter interesse em voltar a participar numa novela por cá. “A última que fiz foi há seis anos. Já passou muito tempo, fiz tantos projetos tão diferentes desde então, em vários países, e por isso sinceramente agora nem me importava de voltar a fazer. Na altura foi o meu primeiro trabalho, seria interessante perceber como seria fazer isso agora. Uma pessoa com o tempo também ganha maturidade e as razões que me levaram a não querer fazer mais… com o tempo vais aprendendo quem és, o que queres, qual é o lugar das outras pessoas na tua vida. O mais difícil é conjugar as agendas. Digo há algum tempo que vou voltar mas vão aparecendo filmes noutros países, etc. Acredito no timing das coisas e quando for a altura certa, de certeza que os projetos certos também chegam.”

Em maio deste ano, aquando da visita de estado do grão-duque do Luxemburgo a Portugal, foi convidada para fazer parte da comitiva oficial. Muitos dos presentes lhe perguntaram o que raio estava a fazer no Luxemburgo se poderia viver numa cidade como Lisboa. Hana Sofia Lopes diz que essa visão tem a ver com o facto de o nosso País estar na moda.

“Quando fui estudar para Lisboa em 2009, toda a gente me dizia: mas vais para Portugal porquê? Porque não vais estudar para Paris ou Berlim? Era na altura da crise, em que Portugal estava numa posição complicada, e toda a gente dizia isso. 10 anos depois, toda a gente diz: ‘uau, tu viveste em Portugal, que lindo, que sorte, isso é maravilhoso’. Moral da história: segue o que sentes e não estejas a ouvir o que as pessoas te dizem para fazeres ou deixares de fazer.”

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