Poderíamos arriscar dizer que não há nada que não saibamos sobre Matthew McConaughey: ator de elite de explosão tardia; criador de frases icónicas e eterno improvisador. A verdade é que aos 50 anos, o texano achou que tinha algo mais para dar aos fãs. Sentou-se na sua secretária, abriu o computador e disse: “Alright, alright, alright”.
Daí nasceu “Greenlights”, o seu primeiro livro de memórias que comemora as cinco décadas com uma prosa escrita pelo próprio. Sem nostalgia, sentimentalismo ou conselhos de vida, refere o próprio.
“Estou aqui para partilhar histórias, visões e filosofias que podem ser objetivamente percebidas e se assim entender, subjetivamente adotadas, seja para transformar a vossa realidade ou mudar a forma como a veem. Este é um livro de estratégia baseado nas aventuras da minha vida. Aventuras que foram impactantes, esclarecedoras e engraçadas, por vezes porque era isso que deveriam ser, mas na maioria dos casos porque tentavam não o ser”, escreve, com uma pronúncia que só poderemos imaginar ser a do famoso Rust Cohle de “True Detective”, o detetive filósofo.
O livro, que foi lançado na sua versão original esta terça-feira, 20 de outubro, faz muitas revelações sobre a vida de McConaughey, o homem que se lançou na fama como modelo de mãos, antes de se tornar no rei das comédias românticas.
O segredo do sucesso? McConaughey encontra-o na sua tática habitual de interpretação — ele bem avisou que se tratava de um livro de estratégia — onde procura sempre a launchpad line ou frase de lançamento
“É por isso que eu adoro estas miúdas do liceu, meu. Eu envelheço, elas têm sempre a mesma idade”, atirou no papel de Wooderson em “Jovens, Loucos e Rebeldes”, de Richard Linklater. O mesmo filme que eternizou o seu famoso “Alright, alright, alright” e que o levou ao sucesso no lado light de Hollywood.
“As comédias românticas tornaram-se nos meus mais consistentes sucessos, o que fazia com que apenas recebesse esse tipo de ofertas. Pessoalmente, gostava de dar às pessoas leve e arejada escapadela romântica do stress das duas vidas, onde não tinham que pensar em mais nada. Apenas ver o rapaz a perseguir a rapariga, cair e voltar a levantar-se antes de ficar com ela. Recebi a passagem de testemunho do Hugh Grant e avancei com tudo”, conta. Até ao dia em que decidiu que queria outra coisa da sua vida — e rejeitou um papel que lhe daria 12 milhões de euros.
O resto é história e, neste caso, é inédita e contada pelo próprio. Uma vida com momentos de loucura, de reflexão e de alguma tristeza.
A violação
Naquela que é possivelmente uma das revelações mais pessoas do livro, McConaughey recorda a traumática experiência da sua primeira relação sexual. Tinha apenas 15 anos.
“Fui chantageado a fazer sexo pela primeira vez quando tinha 15 anos. Tinha a certeza que ia para o Inferno por ter sexo antes do casamento”, escreve o ator que recebeu uma educação cristã e é, ainda hoje, frequentador assíduo da igreja. “Hoje, espero bem que não seja esse o caso”, conclui.
Um episódios ainda mais chocante aconteceria três anos depois, quando McConaughey foi violado por outro homem.
“Fui abusado por um homem quando tinha 18 anos, enquanto estava deitado, inconsciente, na parte de trás de uma carrinha”, confessa, sem dar muitos mais pormenores.
Apesar de tudo, está em paz com o assunto. “Nunca me senti uma vítima e tenho até muitas provas de que o mundo parece estar a conspirar para me fazer feliz.”
Uma família de loucos
Nascido de uma gravidez não planeada, a mãe Kathleen nunca pensou estar grávida. Até aos cinco meses acreditou que o inchaço na barriga não era mais do que um pequeno tumor.
Jim e Kathleen tinham uma relação turbulenta. Casaram-se por três vezes e divorciaram-se em duas ocasiões. Em casa, como seria de esperar, a relação entre ambos era tudo menos normal ou saudável.
McConaughey recorda um dos episódios mais atribulados — e cómicos —, ocorrido num jantar em 1974. Kathleen decidiu provocar o pai e tratá-lo por ‘tipo gordo’. Jim perdeu a paciência e virou a mesa.
Na batalha que se seguiu, a mãe partiu o nariz ao marido com o telefone e agarrou numa faca. Jim, por sua vez, pegou na garrafa de ketchup e espremeu-a para cima de Kathleen. A disputa chegou ao fim quando ambos se cansaram.
“Alguns segundos depois, aproximaram-se e enrolaram-se num abraço animalesco. Caíram de joelhos, em cima do chão de linóleo salpicado de ketchup e fizeram amor. Era assim que os meus pais comunicavam”, recorda.
Anos mais tarde, enquanto McConaughey aproveitava o seu primeiro grande papel em “Jovens, Loucos e Rebeldes”, recebeu uma chamada da mãe: o pai tinha morrido.
“Não conseguia acreditar. Era o meu pai. Nada nem ninguém o conseguia matar. A exceção era, claro, a mãe. Ele sempre nos disse, a mim e aos meus irmãos: ‘Rapazes, quando eu morrer, vai ser a fazer amor com a vossa mãe'”, explica. Foi precisamente isso que aconteceu a Jim.
“Quando ele acordou nessa manhã, pelas 6h30, já excitado, fez amor com a mulher com quem se divorciou por duas vezes e casou por três (…) Teve um ataque cardíaco quando atingiu o clímax. Sim, ele acertou em cheio na aposta que fez.”
Apesar da relação pouco habitual, tudo parecia correr bem entre pais e filho. Pelo menos até à chegada da fama. O súbito interesse da imprensa sobre tudo o que acontecia na sua vida levou-o a ter uma séria conversa com Kelly, que aceitou manter todos os detalhes apenas entre a família.
Para sua surpresa, deparou-se mais tarde com a cara da mãe na televisão nacional. Kelly estava a fazer visitas guiadas ao seu quarto de adolescente.
“Ali estava a minha mãe, a falar para as câmaras, que a seguiam pela casa fora numa visita guiada. ‘E esta foi a cama onde perdeu a virgindade com a Melissa, acho que era esse o nome dela, não interessa, isso não durou muito tempo. E esta era a casa de banho dele, só duche, sem banheira, e sabem bem o que é que eu o apanhei a fazer aqui. Não há problema, vi-o nisso uma data de vezes’, dizia”.
McConaughey ficou furioso. A defesa de Kelly? Achava que o filho nunca veria as imagens. A discussão foi acesa e deixou marcas visíveis na relação nos anos que se seguiram.
“Ela queria um pedaço da minha fama, numa altura em que eu ainda procurava lidar com ela. Não estava seguro de que a queria partilhar com alguém, especialmente com a minha mãe. Quanto mais ela a queria, mais eu a afastava. Se o pai fosse vivo, teria adorado o meu sucesso, mas ao contrário da mãe, ele estaria sempre na fila da frente e não a tentar roubar-me o protagonismo”, recorda. A relação acabaria, eventualmente, por voltar ao normal.
Erva e um guião
Tal como a maioria dos atores, McConaughey teve que arranjar um trabalho fixo enquanto procurava um golpe de sorte em Hollywood. Trabalhava como empregado de mesa quando conheceu um tipo chamado Don Phillips e, entre uma bebida e outra no bar da zona, acabaram por se conhecer e serem expulsos do local.
Terminaram a noite a partilhar um charro e Phillips perguntou-lhe se tinha alguma experiência como ator. McConaughey não tinha muito material para mostrar, apenas um anúncio a uma cerveja e uma aparição num videoclipe. Acontece que Phillips era diretor de casting. Melhor: estava a trabalhar com Richard Linklater em “Jovens, Loucos e Rebeldes”.
“Há um pequeno papel num filme no qual estou a fazer o casting e tu deves ser a pessoa certa. Aparece nesta morada amanha às nove para levares o guião. Eu vou assinalar as tuas cenas”, disse Phillips.
Foi assim que McConaughey conquistou o papel que o levaria ao centro de Hollywood e que lhe viria permitir fazer uma carreira como ator. E, claro, que lhe deu a chance de improvisar e lançar a sua “alright, alright, alright”.
“28 anos depois, essas palavras continuam a perseguir-me para todo o lado. Repetem a frase, roubam-na, colocam-na em bonés e T-shirts. Há quem as tatue no braço e nas coxas. É uma honra, porque essas três palavras foram as primeiras que disse na minha primeira noite de trabalho, algo que eu achava que seria um hobby, mas que se tornou numa carreira”, conta.
Exílio no deserto, ecstasy na selva
O papel de jovem advogado num homicídio racista na adaptação do livro de John Grisham ao cinema, elevou-o a outro patamar de fama. Após a estreia de “A Time to Kill”, o ator revela que se sentiu perdido.
Católico devoto, decidiu fazer uma pausa e, sozinho, aventurar-se pelo deserto. Lembrou-se que já tinha lido sobre o local ideal para encontrar paz de espírito, o Mosteiro de Cristo no deserto de Abiquiu, no estado do Novo México. Pôs-se ao caminho — e o caminho não era fácil.
Teve que percorrer mais de 20 quilómetros a pé até chegar ao local remoto no meio do deserto. Foi recebido pelos monges que lhe deram uma pequena cabana onde poderia descansar.
“Despejei todos os meus sentimentos de culpa, os sítios mais lascivos para onde viajava a minha mente, a perversidade dos meus pensamentos. Partilhei os demónios da minha cabeça durante um passeio de três horas”, recorda da confissão que fez pelo deserto com um dos monges.
“Ele não me disse uma palavra. Nem uma. Ouviu-me pacientemente enquanto me acompanhou pelo deserto. Ao fim de quatro horas, estávamos novamente na capela. Eu estava em prantos e terminei a minha confissão (…) Ele, que não me tinha dito nada durante todo esse tempo, olhou-me nos olhos e, quase num sussurro, disse-me: ‘Eu também’. Por vezes não precisamos de conselhos. Precisamos apenas de saber que não somos os únicos.”
Esta não foi a única aventura louca de McConaughey. Mais tarde, deu por si no meio de um sonho erótico, onde deslizava de costas pelo Amazonas, enrolado em anacondas e cobras pitão, rodeado de crocodilos, piranhas e tubarões, enquanto “homens de tribos africanas” observavam nas margens.
Percebeu mais tarde que o Amazonas não ficavam em África, mas na América do Sul. E decidiu, nesse momento, lançar-se numa viagem de 21 dias pelo Peru, completamente sozinho.
Na mochila levava apenas um par de mudas de roupa, um diário, uma máquina fotográfica, um kit de primeiros-socorros, algum ecstasy e a sua fita preferida.
A meio da viagem, deu por si acordado na tenda, incapaz de dormir. A solução? Despir-se completamente. dar vários socos na própria cara e forçar o vómito “até que não restasse qualquer bílis no estômago”. “Acabei por adormecer de exaustão”, recorda. Na manhã seguinte, revela que se sentiu “vivo, livre e resplandecente”. E encontrou finalmente o Amazonas.
Dois dias de festa — e uma detenção
Fanático dos Texas Longhorns, a equipa de futebol americano da sua universidade, McConaughey naõ perde um jogo. Só que em 1999, a euforia de uma vitória poderia ter tido consequências bem mais complicadas.
Depois de baterem os Nebraska Cornhuskers, o ator resolveu festejar. A farra começou no sábado e só terminaria na segunda-feira — sem pausas para dormir. Às duas da madrugada, achou que a loucura já tinha durado tempo suficiente.
“Era hora de baixar as luzes, tirar a roupa, abrir a janela e deixar que o cheiro do jasmim do meu jardim entrasse em casa. Era hora de fumar erva e ouvir as belas melodias africanas de Henri Dikongué. Era hora de me sentar em frente à minha bateria e seguir o ritmo dos blues antes que chegassem a Memphis, de tocar na bateria afro-cubana de cerimónia e falar em dialetos. Era a hora de perder a cabeça, de voar pela bruma e cair num sonho. Era tempo de uma jam session”, recorda.
Quem não gostou lá muito do ritual de relaxamento foram os seus vizinhos do tranquilo bairro de Austin. Rapidamente a polícia estacionou à sua porta. Entraram, forçaram McConaughey a deitar-se no chão e alegmaram-no. Assim que encontraram o bongo, detiveram-no por fazer ruído, posse de marijuana e resistir à detenção.
Completamente despido, McConaughey terá recusado colocar qualquer peça de roupa. “Não vou vestir merda nenhuma. O meu rabo é a prova de que estava apenas a tratar da minha vida”, disse aos agentes.
Acabou ilibado pelo juiz e teve apenas de pagar uma multa irrisória. Só que os vizinhos não perdoaram e McConaughey foi mesmo obrigado a mudar-se — até porque o bairro tornou-se num local de romaria dos fãs.