Numa gala onde sobressaem sempre os vestidos mais vistosos, as maquilhagens mais elegantes e os cortes de cabelo mais arrojados, uma mulher ousou quebrar todas as convenções. Não é, aliás, a primeira vez que o faz. Na 93.ª edição dos Óscares, que teve lugar a 26 de abril, Frances McDormand fez isso e muito mais.
Desde logo, inscreveu o seu nome na lista das lendas de Hollywood. O Óscar de Melhor Atriz pela interpretação em “Nomadland” valeu-lhe a terceira estatueta, um feito só igualado por cinco atores que receberam estatuetas por interpretação em papéis principais e secundários: Walter Brennan, Daniel Day-Lewis, Ingrid Bergman, Jack Nicholson e Meryl Streep. Acima de todos estes, só mesmo Katharine Hepburn, com quatro.
Sem maquilhagem, sem grandes penteados e com um discreto vestido negro, McDormand foi a outsider da noite e fez questão de o mostrar em palco com uma sentida homenagem a um antigo colega. Em palco para receber a estatueta para Melhor Filme, terminou o discurso com um uivo de lobo. “Oferecemos este ao nosso lobo”, avisou antes do uivo, um gesto de carinho em honra de Michael Wolf Snyder, o editor de som de “Nomadland” que se suicidou em 2020.
De energia espontânea e visivelmente sem quaisquer preocupações de ser atirada para um segundo plano entre vestidos brilhantes e roupa de estilistas famosos, McDormand está habituada a encarar a noite de Óscares como mais uma noite qualquer. Essa e todas as outras noites.
Convém fazer uma ressalva: McDormand não tem nada contra roupas com assinaturas famosas. Em 2019 entregou o prémio a Olivia Colman com um par de Birkenstock amarelas, desenhadas por Valentino.
“Sempre acompanhei a moda e tinha um desejo secreto de mostrar o meu conhecimento e apreciação (…) Quando tive a possibilidade de emprestar o meu entusiasmo a uma colaboração, a única peça que poderia escolher seriam estas sandálias”, revelou. “Usei-as durante toda a minha vida adulta. Literalmente formaram-me, física e psicologicamente. Tudo o que queria era ter um par em amarelo ácido. E agora eles existem.”
Quando, em 2018 teve que subir ao palco para receber o Globo de Ouro pela prestação em “Três Cartazes à Beira da Estrada” — pelo qual viria a ganhar o segundo Óscar —, fez questão de apoiar o movimento Time’s Up, que procurava angariar fundos para as vítimas de abuso e assédio sexual, no olho do furacão do fenómeno MeToo. Só que duas décadas antes, McDormand já era uma voz ativa na luta pela igualdade de género.
Em 1997 já tinha surpreendido toda a gente com a vitória nos Óscares, graças a “Fargo”. Na altura, elogiou os produtores, deixando por outro lado uma crítica indireta à indústria no seu todo. “Nós, as mulheres nomeadas, tivemos a felicidade de escolher, não só ter a oportunidade, mas podermos escolher estas personagens femininas tão ricas e complexas. Quero congratular os produtores por permitirem aos realizadores que eles possam escolher, de forma autónoma, o seu elenco com base nas qualificações e não apenas no valor de mercado [das atrizes e dos atores].”
McDormand não tinha problema de esfregar a desigualdade da indústria no maior palco de todos, perante os magnatas de Hollywood, muitos anos antes do tema se tornar omnipresente. De lá para cá, continuou a fazer o que pregava — e um gesto aparentemente insignificante tornou-se num a opção simbólica e cheia de força. McDormand não usa maquilhagem.
Assim que a carreira explodiu após o sucesso de “Fargo”, McDormand deu por si infeliz. “Tomeu a decisão consciente [de não participar em eventos de promoção]. Começava a não gostar do trabalho de atriz porque ele também envolvia toda essa promoção, não só do que fazia, mas também de mim própria. Não estava interessada nisso”, revelou em 2013.
O seu agente publicitário revelou ao “The New York Times” que o seu trabalho era simples: dizer educadamente às pessoas que não. São raras as entrevistas dadas pela atriz de 63 anos.
“Como atriz, nunca me envolvi na máquina da imprensa e da publicidade porque sempre senti que estava nas margens da minha profissão. E quando o meu filho era mais novo, tornava-se demasiado intrusivo. Tentava perceber como lidar com o facto de alguém vir ter comigo no meio da rua e querer ficar com parte do meu tempo”, explicou. “Agora o que faço — porque é assim que eu vivo — é que quando alguém se aproxima de mim e pede um autografo, eu digo: ‘Não. Reformei-me dessa parte do negócio. Eu agora só atuo.”
O envelhecimento é um tema do qual não foge, ela que assume odiar maquilhagem, cirurgias estéticas, e que podendo escolher, opta sempre por roupa simples, prática e confortável.
“Estamos sob um alerta vermelho, no que toca à forma como nos vemos a nós próprios como espécie. Não existe qualquer desejo de sermos adultos”, revelou num perfil do “The New York Times”. “A idade adulta não é um objetivo. Não é vista como uma meta. Algo aconteceu na nossa cultura. Ninguém é suposto envelhecer para lá dos 45 anos (…) Toda a gente se veste como um adolescente. Toda a gente pinta o cabelo. Toda a gente está preocupada com uma pele macia.”
Apesar do ocaso da vida pública, McDormand regressou, inspirada pelas palavras de uma amiga que lhe dizia que as mulheres mais jovens precisavam de si, da sua inspiração. A atriz cedeu, embora admita que não é uma mulher de ferro e que, claro, o envelhecimento também a preocupa.
“Não é que eu não olhe para a minha cara e diga, ‘uau, olha para isto’, mas ao mesmo tempo, esta ruga é o Pedro, são 20 anos do meu filho”, explica, dando a entender que a ruga representa os sorrisos que faz sempre que o vê. “Isto é o mapa”, explica enquanto aponta para a cara. “É o trajeto.” As cirurgias estéticas, diz, “roubam-te isso”. “É como dizer que vais cortar e apagar 10 ou 15 anos [da tua vida].”