O passaporte iraniano do realizador Ali Abbasi impedia-o de entrar facilmente nos EUA. Tanto que foi necessário algum poder de lóbi por parte de inúmeros políticos — dos quais sempre rejeitou financiamento para a última e polémica obra, um filme sobre as origens de Donald Trump.
Tocar neste tema a um mês das eleições seria sempre controverso. Abbasi, contudo, reitera que sempre procurou encontrar o ser humano na figura mediática que está um pouco por todo o lado desde a década de 80. Ele fez filmes, séries, reality shows, livros, videoclipes, bandas-desenhadas e política. A sua vida já foi adaptada ao ecrã em séries como “The Comey Rule” e em filmes como “Donald Trump’s The Art of the Deal: The Movie”. No entanto, nunca nenhuma produção teve tanto potencial para mudar o rumo da vida do multimilionário como “The Apprentice: A História de Trump”, que chega ao cinema esta quinta-feira, 17 de outubro.
A obra irá explorar o poder e ambição de Trump quando tentava construir um império imobiliário em Nova Iorque nos anos 70 e 80, num ambiente de corrupção, rodeado pelo seu infame advogado, Roy Cohn. O título “The Apprentice” rouba o nome ao reality show que era apresentado por Donald e conta com argumento do jornalista e escritor Gabriel Sherman, autor de “The Loudest Voice in the Room”, biografia do fundador da “FOX News”, Roger Ailes, que foi adaptado para a televisão numa série protagonizada por Russell Crowe.
Os protagonistas do filme vão ser Sebastian Stan, que interpreta o atual candidato à presidência dos EUA, Jeremy Strong (Kendall Roy em “Succession”) e Maria Bakalova (que que interpretou a filha de Borat na sequela dedicada a esta personagem e que lhe valeu uma nomeação ao Óscar). Encarnam Roy Cohn, o advogado que serviu de mentor ao político, e Ivana Trump, respetivamente.
Em conversa com a NiT, Abbasi garante não ter medo da reação que o filme possa provocar ao chegar aos cinemas. “Podem-nos processar à vontade.”
É uma história engraçada. Eu tinha acabado de apresentar “Na Fronteira” em Cannes e depois ia levá-lo para os Estados Unidos, mas não podia entrar no país porque tinha o passaporte iraniano. Vários congressistas e senadores escreveram cartas a pedir que eu pudesse entrar. Foi quase como uma campanha política. Quando finalmente consegui, fui abordado num festival e um produtor disse-me que tinha em mãos um projeto sobre o Donald Trump. Achei engraçado porque tinha tido dificuldades em entrar nos EUA por causa dele, mas fiquei interessado. Depois de ler o guião, percebi que não ia ser uma sátira, mas sim algo que tentava perceber aquele homem, que é excêntrico e que tem muitas versões diferentes.
Ele é muito importante, tanto no filme como na vida do Donald. Acho que, de certa forma, o Donald tentou insurgir-se contra o pai e foi por isso que se tornou mais extravagante. O Fred Trump não era assim. Ele tinha dez mil casas em Brooklyn, mas não aparentava ter essa fortuna. É como se ele quisesse fazer curtas-metragens e o filho queria fazer blockbusters de Hollywood. É importante percebermos o Fred para percebermos o Donald.
Eu e o Sebastian falamos há muito tempo sobre este filme, acho que desde 2019. O que o Sebastian e o Jeremy têm em comum é que são atores que sabem interpretar personagens diferentes. Se olharmos para a carreira do Sebastian este ano, vemos que vai de um homem mais banal, para um filme da Marvel e depois para isto. Eles estão interessados em conhecer realmente uma personagem e tratá-los como seres humanos e reais — e também era isso que eu queria. O Jeremy entrou mais tarde no projeto: estávamos quase a entrar na fase de preparação e pensei nele. Disse-lhe que este era o melhor papel que eu alguma vez tinha criado e ele concordou e pensou logo nas possibilidades, mas também ficou stressado porque não sabia se ia ter tempo suficiente para se preparar, porque ele chega preparado a todos os trabalhos. Ele e todos os outros atores.
Disse noutra entrevista que o filme também fala sobre a corrupção nos EUA. Pode elaborar essa questão?
Há alguns aspetos do sistema americano que são únicos. O sistema legal pode ser usado como uma arma, pode comprar votos, influência, poder judicial e também pode ser usado para criar problemas nas vidas das pessoas. Acho que isso é um aspeto diferente do resto do mundo. Ao mesmo tempo, acho que é uma democracia. O Donald Trump vencer as eleições em 2016 é um bom exemplo do facto de ser uma democracia. Na minha opinião, o Trump é um independente. Ele é o único candidato independente que concorreu de forma bem-sucedida ao cargo de presidente nos últimos 80 ou 100 anos, mas nos EUA também há a noção de que as notícias e os políticos são apenas entretenimento. Basta olharmos para o último debate. Quando olhamos para a cobertura do debate Trump vs. Harris, é tudo sobre quem ganhou. Parece futebol. Mas, depois, ninguém fala sobre o que disseram. Só falam sobre aquelas frases-chave como “és desonesto”. Mas o que é que disseram sobre os impostos? Isso não é algo que aconteceu de um dia para o outro e não é nada que surgiu devido ao Trump. O Trump é um resultado deste sistema, da “CNN”, da “Times”, do programa da Oprah. Estas entidades odeiam-no, mas usavam-no para o clickbait até recentemente.
Devido ao clima político que existe atualmente nos Estados Unidos, teve alguma hesitação durante o seu trabalho como realizador no filme?
Achei importante não recebermos fundos dos partidos democrata ou republicano. Conceptualmente, resumiu-se ao facto de querermos levar Trump a sério como um ser humano. É essa a ideologia que eu apoio. Há muito para dizer sobre estas pessoas, do Trump ao Cohn. Muito raramente são levados a sério como seres humanos, mas eles também têm sentimentos, também choram e sentem tristeza. Foi isso que tentámos mostrar.
Algumas pessoas dizem que o filme é uma forma de tentar manchar a imagem do Trump, especialmente por estar a sair antes das eleições. Como é que reage a estes comentários?
Vou assumir o papel e personalidade do Trump e dizer que este é o melhor filme de sempre sobre um presidente dos Estados Unidos e que estão a ser muito injustos para nós [risos]. Há uma resposta simples: não temos dinheiro e não temos recursos, por isso, qualquer publicidade é bem-vinda. Podem-nos processar à vontade. Quero que o filme seja visto porque é realmente interessante, mas também acho que é importante os americanos verem-no porque é um espelho da realidade deles. Não me importo se um republicano ou um democrata gosta, ou não, do filme. Não tenho uma casa nos Estados Unidos e não tenho nada a perder.
“The Apprentice” tem uma estética que faz com que pareça quase um filme caseiro. Porquê essa opção?
Deixei-me inspirar pelo arquivo de notícias televisivas do tema na época, porque vai ao encontro do facto de estas pessoas estarem sempre presentes nos media, numa altura em que as pessoas eram formadas pelos meios de comunicação. Também quis usar imagens de arquivo da Torre do Trump e de Nova Iorque nos anos 70. A escolha da estética tinha de deixar-nos fazer isso sem haver uma alteração muito grande na qualidade das imagens e foi isso que aconteceu.
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