Construíram carreiras de sucesso, marcadas por produções aclamadas, uma série de prémios com os quais a maioria apenas sonha e, acima de tudo, pelo reconhecimento dos pares e do público. Tinham Hollywood aos pés, mas escondiam segredos que não esperavam ver revelados, confiantes na impunidade que o poder e o estatuto lhes garantiu durante anos. Provando a máxima popular de que tarde ou cedo a verdade é exposta, chegou o dia em que as máscaras caíram. E vieram as consequências.
Carmine Caridi, Harvey Weinstein, Bill Cosby, Roman Polanski e Adam Kimmel tinham a aclamação em comum. O tempo encarregou-se de acrescentar outra caraterística, não tão agradável, à vasta lista de pontos que os une: todos foram banidos dos Óscares pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. A 8 de abril, Will Smith, muito menos discreto na sua conduta imprópria, juntou-se ao grupo restrito.
Na noite de 28 de março, em que acabaria por conquistar a estatueta dourada mais ambicionada da indústria cinematográfica, pelo papel em “King Richard: Para Além do Jogo”, outro assunto se tornou inevitável. Minutos antes, o artista subiu ao palco e agrediu Chris Rock, naquele que foi considerado por muitos o momento mais chocante de todas as 94 edições dos Óscares.
O motivo? Apontando para Jada Pinkett Smith, o humorista brincou com o facto de a atriz estar sem cabelo e disse, como piada, que estava ansioso pela sequela de “G.I. Jane – Até ao Limite” — filme de 1997, dirigido por Ridley Scott, sobre uma mulher de cabeça rapada que se torna uma militar de elite.
Na origem do comportamento agressivo estará a razão pela qual Jada está careca. A atriz de 50 anos sofre desde o ano passado com alopecia areata, uma doença autoimune que afeta o couro cabeludo. As pessoas com esta condição podem perder grandes partes do cabelo ou, em casos extremos e raros, o pelo noutras zonas do corpo. Apesar de não provocar dor física, a enfermidade pode ter efeitos psicológicos consideráveis.
Certo é que o confronto, que muitos julgaram, inicialmente, tratar-se de uma encenação combinada entre os dois protagonistas, abriu uma verdadeira caixa de Pandora que o ator parece não conseguir fechar de maneira nenhuma. Além das múltiplas reações negativas, vários filmes do ator foram suspensos e chegou a questionar-se se este poderia ficar sem o Óscar recém-conquistado. Até hoje, contudo, nenhuma distinção foi retirada por motivos de conduta pessoal.
Ainda antes de qualquer decisão por parte da Academia, o eterno Príncipe de Bel-Air decidiu demitir-se da organização. A atitude não evitou que o coletivo resolvesse proibi-lo de participar em todos os seus eventos durante 10 anos. Nada o impede, porém, de continuar a ser nomeado ou vencer. Só não poderá receber, física ou virtualmente, os prémios. Através dos seus representantes, Smith disse aceitar e respeitar a decisão tomada.
Pirataria na origem da primeira expulsão
A primeira estrela a ser expulsa pelo organismo foi Carmine Caridi (“O Padrinho Parte II”), em 2004, por produzir e difundir cópias de cassetes VCR com filmes ainda por estrear. De acordo com o “The Independent”, após uma investigação do FBI, as autoridades norte-americanas alegaram que, durante pelo menos três anos, o ator teria fornecido, a um homem chamado Russel Sprague, 200 cópias de, no mínimo, 60 obras.
Caridi tornou-se alvo de investigações quando os responsáveis encontraram, na internet, vídeos piratas de DVDs que são enviados exclusivamente para os membros com os filmes dos Óscares. Uma vez que estes têm marca d’água, não é difícil descobrir quem os divulgou. Para conseguir a imunidade, o artista entregou o nome de Sprangue. A troca não o impediu de ser processado pela Columbia Pictures e Warner Bros, nem de ser expulso da Academia, mesmo inocentado.
Até 2019, ano em que morreu com 85 anos, participou ainda em quase duas mãos cheias de projetos, embora sem nenhum papel de grande destaque.
Crimes sexuais são a ofensa mais recorrente
A grande maioria — quatro — dos elementos expulsos, porém, esteve envolvida em crimes de teor sexual. Em 2017, foi a vez do produtor Harvey Weinstein ser banido pela entidade, cerca de um mês depois de uma reportagem de investigação do “New York Times” ter trazido a público vários crimes de assédio sexual de que foi acusado.
A decisão foi tomada, “não apenas para separar a Academia de alguém que não merece o respeito dos seus colegas”, mas para transmitir a mensagem de que “uma era de ignorância intencional e cumplicidade vergonhosa sobre o comportamento sexual predatório e o assédio no local de trabalho na indústria [cinematográfica] chegou ao fim”.
Só em 2020 Weinstein foi condenado a 23 anos de prisão pelos crimes de ato sexual criminoso em primeiro grau e de violação em terceiro grau.
Bill Cosby, que em 2004 teria drogado e agredido sexualmente a antiga basquetebolista Andrea Constand, foi expulso em 2018, um mês após ter sido declarado culpado pelo crime de agressão sexual. “Foi condenado a uma pena até 10 anos, mas desde então foi libertado da prisão, e a sua condenação por agressão sexual de 2018 foi anulada. Há muito que nega qualquer alegação de delito”, nota o “The Independent”.
No mesmo ano, foi também expulso Roman Polanski que, já depois de se ter declarado culpado de práticas sexuais com uma menor de 13 anos, em 1977, venceu o Óscar de Melhor Realizador com “O Pianista” (2002). Não o recebeu, contudo, pessoalmente, uma vez que seria detido ao entrar nos Estados Unidos.
A saída da instituição aconteceria apenas na sequência do movimento MeToo, iniciado com o caso de Weinstein. Polanski ainda tentou processar a Academia pela decisão, mas perdeu o caso.
O último castigado, antes de Smith, tinha sido Adam Kimmel (“Capote” e “Lars e o Verdadeiro Amor”). A descoberta, em 2021, de que era um predador sexual registado nos EUA esteve na origem da decisão. Em 2003, o cineasta tinha sido detido e declarado culpado de agressão sexual em terceiro grau de uma menor. A segunda detenção, que também envolveu uma menor, aconteceu em 2010. Kimmel foi condenado por ter falhado no seu registo enquanto predador sexual.