As lentes dos paparazzi estão por todo o lado. Cara Delevingne ganhou plena consciência disso em setembro do ano passado, quando saiu do seu jato no aeroporto das estrelas, Van Nuys, nos arredores de Los Angeles. Regressava de uns dias extenuantes no Burning Man, o famoso festival no deserto, e isso notava-se. Magra, com olheiras visíveis, cabelo emaranhado e apenas de meias, o seu aspeto preocupou familiares, amigos e fãs.
Só mais tarde, quando a atriz e modelo viu as imagens captadas pelos fotógrafos teve um momento de clarividência. “É triste porque achava que me estava a divertir, mas a certo ponto percebi: ‘Não tenho nada bom aspeto’. Por vezes, precisamos de ser chamados à realidade e, de certa forma, foi isso que fizeram essas fotos. Estou grata por aquilo ter acontecido”, revelou numa entrevista à “Vogue”, na qual será destaque de capa em abril.
A agora célebre chegada ao aeroporto não foi caso isolado. Nos meses que antecederam o caso, Delevingne foi apanhada no carro a fumar algo através de um cachimbo — o que voltou a levantar as suspeições de que a modelo estaria novamente perdida no consumo de drogas. Trocou de roupa dentro do veículo, exibindo várias nódoas negras, antes de sair e entrar numa sex shop.
Faltou a desfiles e não compareceu na cerimónia dos Emmys para apoiar as nomeações de série “Only Murders in the Building”. Em outubro, falava-se já de uma possível “intervenção” por parte da família.
A atriz de 30 anos já havia sido apanhada em situação semelhante em 2015, quando foi vista com um saco do que seria cocaína. Chegou mesmo a falar publicamente sobre o tema, apenas para garantir que estava completamente limpa.
“Era uma miúda”, contou ao “The New York Times”. “Continuo a ser uma miúda, mas tenho muita sorte. Toda a gente precisa de uma chapada de vez em quando, uma forma de nos lembrarmos que ninguém é invencível. Foi isso que significou para mim”, explicou.
“Quero ser bem clara: estou tão afastada das drogas quanto me é possível. O que aconteceu no passado, é passado, já não existe”, afirmou em 2015, antes de nova recaída.

Hoje, reconhece que as drogas a faziam sentir-se “invencível”. “Nesses momentos acabava por me colocar em perigo porque não queria saber da minha vida”, confessa agora à “Vogue”. “É algo assustador para quem te rodeia, para quem te ama.”
Delevingne acabaria por aceitar recorrer a uma clínica de reabilitação, onde deu entrada no final de 2022. “Estava a começar a afastar toda a gente à minha volta, o que me fez perceber que estava num sítio muito mau. Sempre achei que a solução só se procurava nesses momentos, mas hoje percebo que o trabalho tem que ser feito também quando estamos bem”, conta.
“Antigamente, era adepta das soluções instantâneas, participava em retiros de uma semana ou em pequenos cursos que ajudam a lidar com traumas — e isso fazia-me sentir bem por um minuto, mas nunca chegava a ser algo profundo.”
A modelo preocupa-se também com a forma como os acontecimentos da sua vida são contados e percecionados pelo público. “As pessoas querem que a minha história seja uma coisa especial, aquilo de ‘olha, ela era drogada e agora está sóbria e pronto’. Não é assim tão simples. Isso não acontece de um dia para o outro.”
Um passado atribulado
Delevingne tinha apenas 10 anos quando apareceu pela primeira vez nas páginas da “Vogue”. Então uma criança, foi avistada pelo fotógrafo Bruce Weber, que estava a fazer um editorial, e que pediu que ela também surgisse nas imagens. Disse que iria ser “maior do que a Kate Moss”.
Nascida numa família rica, isso não evitou que esbarrasse com traumas e dramas familiares, sobretudo por causa da mãe, que batalhou com o consumo de drogas durante a infância de Delevingne. “Toda a gente já passou por situações na sua família. A minha vida era muito stressante porque havia muito caos, nunca sabia se as pessoas estavam bem ou não”, revelou à “Harper’s Bazaar”.
Na nova entrevista, a modelo faz mais revelações sobre a sua atribulada infância. Recorda-se da sua primeira bebedeira e ressaca, tinha apenas sete anos. Foi num casamento de familiares onde começou a apanhar os copos esquecidos de champanhe e a bebê-los. “No dia seguinte acordei em casa da minha avó, deitada no meu quarto, toda ressacada e vestida de dama de honor”, conta. O hábito prolongou-se pela adolescência. “Tinha uma necessidade de ter um escape, de alterar a minha realidade. Estava sempre a questionar-me: ‘O que estou a fazer aqui? O que é que eu quero ser?”
A filha da socialite Pandora Delevingne e do promotor imobiliário Charles Delevingne admite que a maioria das pessoas tem uma perceção errada de si. “De certa forma, olham para a minha infância, para a minha família, e pensam que sou uma mimada, falam de nepotismo, de privilégio. Não me interpretem mal, fui uma privilegiada, mas a vida não era fácil, também por toda uma outra série de motivos.”

Sobre o problema da mãe com as drogas, admite que durante muitos anos, foi incapaz de se “colocar nos sapatos” de Pandora. “Precisava estar zangada com alguém e decidi que seria com ela. Mas ela não tinha culpa. A forma como o vício me retirou a mãe foi brutal, para mim e para ela.”
Parte desses problemas tinham também uma origem na sua saúde mental. Aos 10 anos já tomava comprimidos para as insónias e acabaria por ser diagnosticada com dispraxia, uma condição que afeta o movimento e a coordenação. “Esse foi o início dos meus problemas de saúde mental e, inadvertidamente, da forma como me comecei a magoar a mim própria.”
Experimentou vários tipos de terapias, mas não funcionaram e, aos 15 anos, viu-se num grave episódio depressivo que obrigou a recorrer a medicação. “A medicação salvou a minha vida. Não era propriamente um desequilíbrio químico, era mais uma resposta a um trauma. Não tinha ainda desvendado o buraco negro que existia dentro de mim.”
Foi com esse peso que viveu o resto da vida, à medida que se foi tornando numa figura famosa, tanto nas passereles como nos ecrãs. A pandemia, contudo, trouxe consigo um período atribulado. O fim da relação com a atriz Ashley Benson foi a gota de água. “Fiquei completamente sozinha. Sofri uma crise existencial. Tudo o que eu era dependia do meu trabalho e, quando isso também foi interrompido, senti que não tinha motivo para estar aqui. Que sem o trabalho, não valia nada, e isso foi assustador.”
Durante dois longos anos, sofreu em silêncio. A célebre aparição na Met Gala, em 2022, onde exibiu as marcas da pele inflamada, resultado da psoríase, foi um momento de revelação que só agora desvendou. “Soube antes da gala que a minha avó tinha morrido. Ainda estava a processar tudo porque já não a via desde o Natal do ano anterior. Andava a dar tudo o que tinha em prol do trabalho e todas as noites, quando voltava a casa, chorava sozinha.” Delevingne estava “exausta” quando chegou à célebre passadeira vermelha.
“As marcas na pele eram o sinal de todo o stress na minha vida, sinal de que já não conseguia aguentar aquilo. Sinal de que o meu corpo, um órgão sensível, estava no limite”, conta. “Foi na after party da gala que percebeu: ‘O que é que estou a fazer? Amanhã tenho de ir ao funeral da minha avó. Foi horrível’.”