Cinema

“As vidas dos russos também importam”. A última polémica de Lars von Trier

Depois de, em 2011, ter causado agitação ao afirmar que "compreendia" Hitler, o realizador volta a ser duramente criticado.
Mais comentários polémicos.

Lars Von Trier voltou a chocar o mundo. Desta vez, não por causa de um filme. Conhecido por ser uma das maiores estrela do cinema dinamarquês, von Trier dirigiu mais de 14 longas-metragens, quase todas perturbadoras e violentas. Mas foi agora devido a comentários feitos nas redes sociais que se tornou — pela segunda vez ao fim de 12 anos — motivo de polémica por motivos políticos.

“Russian lives matter also!” [“As vidas dos russos também importam!”], escreveu esta terça-feira, 22 de agosto, no Instagram, numa aparente referência ao slogan do movimento internacional “Black Lives Matter”. A publicação foi feita após a visita de Volodymyr Zelensky à Dinamarca, onde o presidente ucraniano e a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, inspecionaram os F-16 que seriam entregues à Ucrânia.

A publicação de Von Trier foi endereçada ao “Sr. Zelensky e ao Sr. Putin, e não menos importante à Sra. Frederiksen (que ontem, como alguém perdidamente apaixonado, posou na cabine de uma das máquinas de matar mais assustadoras do nosso tempo, sorrindo de orelha a orelha).”

Entretanto, Von Trier desativou os comentários da publicação — mas não evitou atrair a atenção da imprensa russa e ucraniana. Esta quinta-feira, 24 de agosto, o cineasta, de 67 anos, veio mesmo defender-se publicamente das críticas que teve à reação ao compromisso do seu país de fornecer caças F-16 à Ucrânia.

“Estava apenas a afirmar o óbvio: que todas as vidas neste mundo são importantes!”, escreveu. “Parece uma frase esquecida, de uma época em que o pacifismo era uma virtude”, acrescentou.

A imprensa dinamarquesa também questionou as declarações do realizador, que em 2011, causou agitação ao dizer que “compreendia” Hitler — pelo que mais tarde se desculpou.

 

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Numa entrevista ao diário dinamarquês “Politiken”, o professor universitário Jakob Baek Kristensen disse que a Rússia vai acolher a publicação de von Trier “de braços abertos”. “Ele apoia a ideia de que a Rússia não é um agressor sem coração e que é um conflito legítimo em que a Rússia fica igualmente infeliz cada vez que sofre perdas”, disse o investigador das redes sociais.

Sem referir o nome do cineasta, mas partilhando a sua mensagem, Oleksiy Danilov, secretário do Conselho de Segurança e de Defesa da Ucrânia, escreveu na rede social X (antigo Twitter) que “a guerra não é um filme onde os atores representam a vida e a morte”. “Por trás de cada terrorista russo vivo, existe um ucraniano morto. A escolha entre o carrasco e a vítima torna-se uma tragédia quando o artista escolhe o lado do carrasco.”

O responsável do governo da Ucrânia acrescentou que o país “não vive na abstração, mas numa realidade cruel em que os russos são assassinos”.

“Um conselho simples para o famoso realizador: imagine que é um míssil russo que voa diariamente sobre a sua cidade, que o seu pai ou a sua mãe foram mortos, que o seu neto foi levado para a Rússia e que um saqueador russo violou a sua esposa antes de incendiar a sua casa. Neste caso, a abstração do ‘humanismo’ hipócrita assume características completamente diferentes — de uma vida real, não ficcional”, concluiu.

Lançado pela série “O Reino” na década de 1990, o realizador é o mais famoso da Dinamarca. Está ligado a obras premiadas que abordam, sobretudo, o sexo e a violência social, como “Ondas de Paixão” (1996), “Dancer in the Dark” (2000), “Dogville” (2003), “Anticristo” (2009) e as duas partes de “Ninfomaníaca” (2013).

Conhecido pelo humor negro, o nativo de Copenhaga ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes em 2000, por “Dancer in the Dark” — festival com o qual não tem propriamente uma relação amistosa. Em 2011, numa conferência de imprensa no festival, fez piadas elogiosas a Hitler e aos nazis. A direção de Cannes não tolerou o seu comportamento e tornou-o persona non grata do festival. Só voltou em 2018.

Na exibição em Cannes, fora da competição por causa do tema controverso do filme, mais de 100 pessoas saíram da sala de cinema — incluindo alguns críticos. Também houve casos de espectadores que vomitaram ou sentiram náuseas durante a projeção.

“Nojento, pretensioso, de vomitar, torturador, patético”, escreveu um espetador no Twitter. Um repórter especializado, Roger Friedman, descreveu-o como um “filme vil que não devia ter sido feito”. “Ele mutila a Riley Keough, mutila crianças… e é esperado que estejamos todos lá vestidos de uma maneira formal a ver?”, disse outro espetador à “Vulture”.

A repórter da “Al Jazeera” também abandonou a sessão antes do final, dizendo que “ver crianças a serem alvejadas e assassinadas não é arte nem entretenimento”. Não é difícil encontrar comentários negativos ao filme nas redes sociais.

A pior cena, que foi mais criticada, será mesmo aquela em que o serial killer assassina duas crianças num piquenique com tiros na cabeça.

Lars Von Trier não tem qualquer problema com o facto de o filme ser polémico, como disse em entrevista ao “The Irish Times”. “É importante que um filme seja divisivo. Estou desapontado que só tenha havido 100 pessoas a vomitar. Deviam ter sido 200.” O dinamarquês acrescentou que gosta que os seus filmes sejam como pedras no sapato dos espetadores.

O jornal britânico “The Guardian” falou com Von Trier em maio, na altura do festival de Cannes. O jornalista descreveu-o como alguém “a tremer”, “debilitado”, “com uma depressão” e uma dependência alcoólica — o próprio realizador admitiu usar a bebida como forma de controlar a ansiedade.

Lars Von Trier também foi acusado de assédio sexual na vaga do movimento #MeToo. As acusações vieram da parte da cantora Björk, que protagonizou o seu filme “Dancer in the Dark”.

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