Um dos filmes mais esperados do ano está prestes a chegar aos cinemas. Falamos de “Elvis”, sobre a vida e carreira de Elvis Presley, que estreia nas salas portuguesas esta quinta-feira, 23 de junho. Realizado por Baz Luhrmann, o cineasta não tem utilizado com frequência o termo “filme biográfico” — uma vez que talvez não seja o relato mais fiel possível daquele que ficou conhecido como o rei do rock n’ roll.
Quando Baz Luhrmann começou a procurar o seu Elvis Presley, revelou-se uma tarefa hercúlea. Afinal, que outro ícone da cultura pop foi mais imitado e interpretado ao longo das décadas? Nos EUA, há milhares e milhares de pessoas que fizeram da sua vida imitar Elvis, desde as capelas de Las Vegas às ruas turísticas de Los Angeles.
Para um filme como este, foram muitos os jovens atores de renome a candidatar-se ao papel. Harry Styles, Ansel Elgort ou Miles Teller foram alguns dos que fizeram um casting. Mas Luhrmann escolheria outro ator, menos conhecido, mas que também tinha experiência e alguns pontos de ligação com Elvis Presley.
Falemos, então, de Austin Butler. Nascido em 1991 em Anaheim, na Califórnia, começou a sua carreira ainda durante a infância. Participou em episódios de “Hannah Montana”, “Ned’s”, “Zoey 101”, “Ruby & The Rockits”, “The Carrie Diaries” ou “As Crónicas de Shannara”, entre outros projetos de cariz sobretudo juvenil, vários ligados à Disney e ao Nickelodeon.
Austin Butler era um rapaz muito tímido — e em várias entrevistas recentes ainda é caracterizado como tal. Porém, a representação foi algo que o agradou desde cedo, e de uma perspetiva bastante madura. Apesar de fazer sobretudo séries adolescentes durante largos anos, nos tempos livres deleitava-se a ver filmes de cineastas como Martin Scorsese ou Quentin Tarantino. Aos 12 anos, por exemplo, imprimiu o guião de “Pulp Fiction” para o ler regularmente à mãe. Os seus atores favoritos eram James Dean e Marlon Brando.
Foi em 2018 que se destacou a sério no meio. Austin Butler concretizou o sonho de fazer uma peça na Broadway e trabalhou com Denzel Washington em “The Iceman Cometh”. Sabia que dificilmente se tornaria amigo deste ícone do cinema, então focou-se em fazer o melhor trabalho possível. Decorou irrepreensivelmente o texto e aparecia sempre mais cedo do que Washington no teatro. O ator experiente gostou do empenho, dedicação e talento do colega mais novo — tanto que acabou por ser decisivo para que Butler fosse escolhido para ser Elvis Presley no cinema.
Antes de fazer o casting para esse papel, interpretou ainda pequenas personagens nos filmes “Os Mortos Não Morrem”, de Jim Jarmusch; e “Era Uma Vez em… Hollywood”, do seu ídolo Quentin Tarantino. Baz Luhrmann não fazia ideia de quem era Austin Butler antes do casting de “Elvis”. Para provar que conseguia cantar, o ator — com experiência em música — gravou um vídeo a interpretar “Love Me Tender”.
“Quando vi o vídeo, o meu coração afundou-se. Não estava vivo. Parecia que era um museu de cera. Estava a tentar fazer estes maneirismos, e não parecia algo espontâneo”, explicou Austin Butler ao “The New York Times”. Apagou o vídeo e foi fazendo mais tentativas nos dias seguintes.
“Depois tive um pesadelo horrível. Sonhei que a minha mãe estava viva, mas estava a morrer de novo. E, quando acordei, senti-me de coração completamente destroçado. O meu luto foi intenso. E de repente deu-se o clique que o Elvis, que também perdeu a mãe quando tinha 23 anos, pode ter tido momentos semelhantes a este. Até pode ter acordado do mesmo sonho”, acrescentou o ator.
O passo seguinte foi, ainda de robe, sentar-se ao piano e gravar uma versão de “Unchained Melody”, canção que também tinha estado a praticar. “Mas em vez de a cantar para um parceiro romântico, cantei-a para a minha mãe.”
O vídeo chegou a Baz Luhrmann, que ficou impressionado. Poucos dias depois, Austin Butler — que vive em Los Angeles — foi chamado para uma audição na casa do realizador em Nova Iorque. “Desde o momento em que entrou, tinha alma, era espiritual e bondoso”, descreveu Luhrmann à mesma publicação. Depois de mais uma série de interpretações, desta vez à frente do cineasta, e da leitura de algumas cenas, o casting estava fechado.
“Ele tinha um sotaque do sul tão perfeito”, disse o realizador, aludindo ao facto de Elvis Presley ser natural do Mississipi, no sudeste dos EUA. “Lembro-me de perguntar a uma das minhas pessoas: de onde é que ele é no Texas? E disseram-me: Não, não, ele é de Anaheim.”
Depois, Baz Luhrmann recebeu um telefonema de Denzel Washington. “Eu nunca o tinha conhecido e ele disse: ‘Olha, sei que estás a ver este jovem Austin Butler, e queria só dizer que estive no palco com ele, e nunca vi um ator com uma ética de trabalho como a dele’”, contou o realizador ao “The New York Times”.
Washington teve este gesto, mas nem avisou Butler de que faria o telefonema. E continuou a apoiar o jovem ator nos meandros da indústria, apelando à sua agência para que trabalhasse com ele. “Fiquei tão grato por aquilo”, disse Butler à revista “GQ”. “Ele não me ligou antes, nem depois. Foi só esta coisa generosa que ele fez.”
O filme acompanha a vida de Elvis Presley ao longo dos anos — numa perspetiva muito baseada na relação com o seu agente, o misterioso e controlador Tom Parker (Tom Hanks). Quando as gravações começaram na Austrália e foram interrompidas pela pandemia — Tom Hanks foi até uma das primeiras figuras públicas de renome mundial a contraírem Covid-19 — a produção equacionou levar Austin Butler até casa, em Los Angeles.
O ator preferiu ficar — e usar o tempo livre para aprofundar ainda mais a personagem. Austin Butler ouviu a discografia inteira de Elvis Presley por ordem cronológica, e leu, ouviu e viu tudo aquilo que conseguiu encontrar sobre o músico. Forrou as paredes do seu quarto de hotel com frases, fotografias e marcos na vida de Elvis Presley.
Antes disso, já tinha começado as longas aulas com um coach vocal para aproximar a sua voz da do músico retratado. E tinha outra formadora para aprender a mover-se como Elvis, com os seus movimentos de anca e joelhos. No filme, ouvimos sobretudo a voz real de Austin Butler — só nas cenas em que o protagonista está mais velho é que a voz que ouvimos é uma mistura da de Butler com gravações do próprio Elvis Presley, para a tornar mais próxima da realidade.
“Havia alturas em que estava com medo. Será que consigo fazer isto? Será que vai ser um desastre? Vou ser descoberto como fraude? Mas comecei a ficar confortável com o medo, até ao ponto em que disse ‘Eu vejo-te, medo, e não me vais parar’”, explicou ao “The New York Times”. Butler chegou mesmo a ter um momento de pânico no primeiro dia de gravações, mas conseguiu ultrapassar isso — ainda que a pressão de fazer justiça ao ícone da música, para a sua família e fãs espalhados pelo mundo, tivesse sempre permanecido.
O filme só estreia agora nos cinemas, mas as antestreias e exibições especiais que foram feitas ao longo das últimas semanas — a produção estreou no festival de Cannes em maio, por exemplo — já deram a entender que a interpretação de Austin Butler será um dos pontos mais fortes do filme.
“Se o Austin Butler não ganha um Óscar, vou comer o meu pé”, disse Lisa Marie Presley, a filha de Elvis, depois de ver o filme pela primeira vez. A sua mãe, Priscilla Presley, escreveu simplesmente “WOW!!!” na sua página no Facebook. Segundo o “The New York Times”, vários profissionais da indústria de Hollywood ficaram admirados após terem visto “Elvis”, comparando o carisma de Austin Butler ao de Brad Pitt. Além de Denzel Washington, Tom Hanks e Leonardo DiCaprio têm dado conselhos a Butler e ajudado no que for preciso.
“O momento de ‘estás pronto para voar?’ está a acontecer com o Austin, e sei disso porque fomos juntos à Met Gala”, disse ainda Baz Luhrmann. “Assim que chegámos à passadeira vermelha, havia gemidos dos fãs. Não eram gritos, eram gemidos. Só ouvi aquele som uma vez antes. Era com um jovem ator chamado Leo”, explicou o cineasta, referindo-se a Leonardo DiCaprio quando o dirigiu em “Romeu + Julieta”, em 1996.
Independentemente do sucesso de “Elvis” nas bilheteiras, a carreira de Austin Butler parece estar lançada. Recentemente, foi confirmado na muito aguardada sequela de “Dune” — vai interpretar o vilão Feyd-Rautha Harkonnen, para o qual teve de aprender intensivamente como lutar com facas. Será também um dos protagonistas da série da Apple TV+ “Masters of the Air”, de Tom Hanks e Steven Spielberg. Quanto a Elvis Presley, há vários relatos de que demorou bastante tempo para que perdesse os maneirismos e sotaque do músico. Mas Butler não parece muito preocupado com isso, tendo em conta o que disse à “GQ”.
“Agora é confortável para mim. Quando chego ao carro e penso ‘O que vou ouvir?’, normalmente acabo por pôr Elvis. Nunca amei tanto alguém que nunca tenha conhecido como o Elvis Presley.”