“Estamos a trabalhar em fazer rewind ao seu filme.” É com esta mensagem enigmática que o site da Blockbuster tem recebido os visitantes. Levantam-se duas questões: o que estará a empresa a tramar; e o que faz alguém no site da Blockbuster em 2023?
A especulação rapidamente se alastrou pela Internet, com muitos a comentarem que a mensagem poderá significar um eventual regresso da empresa que, há duas décadas, dominava o mercado do aluguer de filmes. Temos longínquos.
Porquê o entusiasmo? Memórias dos anos 90 em que existia uma loja de painel azul e amarelo em cada canto e que se traduzia em longos serões de fim de semana a ver filmes ao lado de um balde de pipocas.
A Blockbuster é hoje parte da Dish Network, marca comprada pelo canal em 2011 por mais de 200 milhões de euros. Em 2013, todas as lojas foram encerradas — à exceção da resistente loja de Bend, no estado do Oregon, que deu inclusivamente azo à produção “The Last Blockbuster”, que estreou em 2020.
Contactada por inúmeros meios de comunicação, a Dish Network tem optado pelo silêncio. Não confirma nem desmente qualquer estratégia que possa reavivar a marca criada nos anos 80 e que atingiu o seu pico no final dos anos 90.
No final do século, a empresa detinha mais de nove mil lojas e empregava mais de 84 mil funcionários. Clientes? Eram mais de 65 milhões, com a natural repercussão nos lucros. A Blockbuster era uma empresa avaliada em mais de três mil milhões de euros e recebia.
A ideia milionária nasceu na cabeça de David Cook, um informático que trabalhava habitualmente com a indústria petrolífera. Um amigo pediu-lhe ajuda para avaliar o potencial de um negócio ligado aos videoclubes e rapidamente percebeu que ele era enorme.
A primeira loja abriu as portas a 19 de outubro de 1985 e teve que lidar com filas gigantescas. O próprio negócio dos videoclubes estava ainda no início. Mais: relativamente à concorrência, a Blockbuster tinha um catálogo muito maior, com cada loja a guardar milhares de cassetes VHS.
Verdadeiramente inovador foi o sistema informático que geria todos os alugueres. Dessa forma, era possível contabilizar cada cassete e, por conseguinte, cada cêntimo que poderiam ganhar. E o grande lucro não estava no aluguer, mas sim nas multas por atraso na entrega dos filmes. Revelam as contas que, apenas num ano, a empresa chegou a ganhar 800 milhões só neste tipo de coimas aplicada aos sócios que, por um ou outro motivo, se esqueciam de devolver a cassete.
Tudo se moveu a uma velocidade estonteante. Em apenas um ano, Cook mandou construir um centro de distribuição que custou mais de cinco milhões de euros. Isso permitiu criar mais lojas, mais rapidamente, bem como alargar o catálogo de filmes disponíveis. Mais: com um centro logístico, podia distribuir melhor os filmes pelas regiões, consoante havia uma maior predileção por filmes de ação, dramas ou terror.
1987 foi um ano decisivo para a empresa. Cook abriu as portas da empresa a investidores e, após a injeção de 18 milhões de euros, foi o milionário Wayne Huizenga quem ficou no controlo. O fundador original foi rapidamente ostracizado e quando viu rejeitada a ideia de alterar o esquema de cores da marca para um padrão azul e dourado criado pela sua mulher, Cook bateu com a porta.
Seguiu-se um plano de expansão agressivo. Ao fim de um ano, a Blockbuster já contava com mais de quatro centenas de lojas.
O plano era impiedoso. Além de abrir espaços de raiz, começou a devorar toda a concorrência, cujas lojas eram compradas e transformadas com as cores da empresa. Nesse período, a Blockbuster chegou a inaugurar uma loja por dia.
Os anos 90 trouxeram um novo panorama. As lojas começaram também a alugar discos e videojogos, mas a empresa tinha que lutar para se manter atual, apesar de ter pouca ou nenhuma concorrência. A grande ameaça nascia na televisão por cabo, que prometia oferecer um catálogo amplo de filmes, de forma mais confortável, sem que os clientes tivessem que visitar as lojas.
Pelos planos do dono passou a compra de uma empresa de televisão por cabo, mas não se concretizou. E em 1994, Huizenga decidiu mesmo vender a Blockbuster por oito mil milhões de euros à gigante dos media Viacom.
Foi então que começou a grande crise da Blockbuster. Os novos donos mantiveram o foco nas lojas tradicionais de venda ao público. Ao mesmo tempo, a concorrência ia dando os seus pequenos passos rumo à revolução.
Um senhor chamado Reed Hastings criou um serviço alternativo, a Netflix, que também alugava filmes em DVD, mas que eram enviados pelo correio para os clientes. Uma ideia que, segundo o próprio, nasceu depois de ter sido obrigado a pagar uma multa de 40 euros por se ter atrasado a entregar um filme à Blockbuster.

Histórias à parte, a verdade é que a Netflix chegou a ser oferecida à Blockbuster, que achou por bem recusar a compra da concorrente por 50 milhões. Um erro que se viria a revelar potencialmente fatal.
Contudo, a ideia de que a Blockbuster desapareceu por causa de uma recusa total dos seus proprietários em avançar para as novas tecnologias não é totalmente verdadeira. Apesar de ter perdido metade do seu valor em apenas dois anos, a empresa lançou-se numa parceria com a Enron para criar um serviço de video on demand que replicasse o serviço da televisão por cabo.
O projeto parecia estar a correr bem mas a relutância em fazer o investimento decisivo começou a colocar problemas. A Enron haveria também de sofrer com problemas financeiros que acabariam com a sua falência em 2004. Três anos antes, a Blockbuster parecia querer fincar o pé nos seus serviços de sempre.
Ainda assim, a Blockbuster foi tentando novas abordagens. Procurou, como a Netflix, introduzir um sistema de subscrição, mas percebeu que teria que manter as multas por atrasos nas entregas — era daí, afinal, que vinha grande parte do rendimento da empresa.
A rival Netflix, por sua vez, simplificava tudo. No site fazia-se uma escolha dos filmes e em três dias eles chegavam a casa, onde poderiam ser vistos vezes sem conta. Não havia quaisquer multas por atrasos na entrega. Na hora de devolver, havia envelopes pré-pagos que bastava colocar nos correios.
A Blockbuster também tentou replicar o modelo, mas já foi tarde. Só ao fim de cinco anos procuraram entrar no negócio do envio de DVD pelo correio. Mas as consecutivas tentativas de inverter o rumo dos acontecimentos não surtiram efeito.
Em 2009, a Netflix já anunciava lucros de mais de cem milhões. Pelo contrário, a Blockbuster anunciava perdas de mais de 500 milhões. A falência era inevitável. Chegou sem misericórdia em setembro de 2010, quando ainda existiam mais de cinco mil lojas em todo o mundo.