Cinema

Com as novas regras de diversidade, estes filmes podiam não ter vencido os Óscares

Foi anunciado em 2020, mas as normas entram em vigor em 2024. A indústria vai ter de se adaptar, seja no ecrã ou nos bastidores.
As regras mudam em 2024.

Ao longo da última década, houve uma clara maior consciencialização dos problemas do racismo, da discriminação sexual ou do preconceito contra minorias na indústria americana do entretenimento. Com o aparecimento de cada vez mais críticas, seja nas redes sociais ou nas ruas, várias organizações estabelecidas mudaram as regras ou esforçaram-se para serem mais diversas.

Depois de vários anos a serem categorizados como #OscarsSoWhite, os Óscares foram uma das tais instituições que anunciaram alterações. Em setembro do ano passado, a Academia de Hollywood anunciou regras de diversidade que vão entrar em vigor em 2024, quando acontecer a 96.ª cerimónia. Ainda assim, até lá, os filmes candidatos vão ter de preencher formulários para se saber à partida se estariam ou não em cumprimento.

Antes de mais, as regras só se aplicam ao prémio de Melhor Filme — que é o mais importante dos Óscares (ainda que na gala deste ano não tenha sido o último a ser atribuído). Além disso, há um conjunto alargado de critérios de diversidade, divididos por quatro secções — e os filmes para serem elegíveis ao prémio só têm de cumprir critérios de duas das secções.

Ou seja, filmes que só incluam atores caucasianos e que tenham uma narrativa que não esteja de todo relacionada com qualquer minoria étnica, com a comunidade LGBTQ+, com pessoas com deficiências cognitivas e motoras, ou com temas femininos, vão poder continuar a vencer o Óscar de Melhor Filme. Desde que cumpram outros critérios — e haja uma diversidade nas equipas de produção, nos bastidores.

Para compreender melhor todos os detalhes, o mais simples é ir até ao site oficial dos Óscares consultar o regulamento. A primeira secção tem a ver com a tal diversidade dos atores. Para se contar com esta secção, é necessário cumprir apenas um dos seguintes critérios: pelo menos um dos atores principais ou dos atores secundários importantes deve ser de uma minoria étnica; pelo menos 30 por cento de todos os papéis secundários ou menores devem ser de dois grupos desfavorecidos, seja uma minoria étnica, uma minoria sexual, um ator com alguma deficiência ou uma mulher; o tema principal do filme deve estar relacionado com questões raciais, com a desigualdade da mulher, com a comunidade LGBTQ+ ou com pessoas com deficiências. Basta cumprir um destes três critérios para um filme garantir que cumpre esta primeira secção.

A segunda secção tem a ver com a equipa de projeto e de liderança criativa, com os cargos de topo. Para se completar esta secção, é necessário cumprir um destes três critérios: pelo menos duas das principais posições na equipa (diretor de casting, diretor de fotografia, compositor, responsável pelo guarda-roupa, realizador, editor, responsável pelos cabelos, responsável pela maquilhagem, produtor, diretor de arte, designer de produção, responsável pelo som, supervisor de efeitos especiais, argumentista) devem ser de um dos tais quatro grupos desfavorecidos já mencionados. Além disso, pelo menos uma destas duas posições deve ser de uma minoria étnica.

O segundo critério possível de cumprir dentro desta segunda secção tem a ver com outros cargos técnicos relevantes dentro da equipa — a lógica é a mesma. Pelo menos seis profissionais (excluindo os assistentes de produção) devem pertencer a uma minoria étnica. O terceiro critério possível define que pelo menos 30 por cento de toda a equipa faz parte de um dos quatro grupos: mulheres, profissionais com alguma deficiência, minoria étnica ou sexual.

A terceira secção tem a ver com acesso à indústria e à cedência de oportunidades. Para se completar esta secção, é necessário cumprir dois critérios. A empresa que financia a produção tem de pagar estágios a mulheres, minorias étnicas e sexuais, ou pessoas com deficiências. Os grandes estúdios são obrigados a incluir estágios com pessoas destes perfis na maioria dos departamentos do filme. Os estúdios mais pequenos têm de ter pelo menos dois estagiários pertencentes a estes grupos num dos seguintes departamentos: produção/desenvolvimento, produção física, pós-produção, música, efeitos especiais, aquisições, gestão, distribuição, ou marketing e relações públicas. Além disso, para um filme poder cumprir os critérios da terceira secção, tem de promover formações ou dar oportunidades de emprego a pessoas que pertençam a um dos quatro grupos.

A quarta e última secção das novas regras dos Óscares para a eleição do Melhor Filme está relacionada exclusivamente com a promoção e distribuição de um filme. Para uma produção cinematográfica cumprir esta quarta secção, o estúdio ou produtora terá de incluir vários profissionais séniores dos quatro grupos (com obrigação de ter pessoas de minorias étnicas) nas equipas de marketing, publicidade e/ou distribuição.

Ou seja, se um filme quiser ter a hipótese de conquistar a estatueta dourada de Melhor Filme, vai ter de ser diverso — seja com maior representatividade no ecrã ou na equipa de produção.  Contudo, se filmes que estejam nomeados para Melhor Documentário, Melhor Filme de Animação ou Melhor Filme Internacional forem bons o suficiente para estarem nomeados para Melhor Filme, estas regras podem não se aplicar nesse caso. Posto isto tudo, é natural que surjam algumas controvérsias em relação à etnia de alguns profissionais.

Por exemplo, no início do ano passado, na altura da cerimónia de 2020 — cujo grande vencedor foi o filme sul-coreano “Parasitas”Antonio Banderas estava nomeado para Melhor Ator pelo papel que fez em “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar.

O ator espanhol foi categorizado por vários meios de comunicação americanos como sendo uma “pessoa de cor” — ou seja, de uma minoria étnica. Isso originou um debate aceso nas redes sociais e na comunicação social internacional — vários meios espanhóis, como relata a “NPR”, apontaram o dedo à América, acusando o país de ter uma obsessão com a raça.

Questionado sobre o tema, Banderas respondeu: “Eu não sei o que sou. Quando vou aos EUA, considero-me latino, porque são as pessoas com as quais mais me identifico.” Contou ainda quando, num documento oficial, teve de preencher a sua etnia e escolheu “branco”. Foi-lhe dito que estava errado, porque ele era hispânico.

“Eu disse que hispânico não é propriamente uma raça”, mas o ator acabou por concordar em colocar a cruz nessa categoria. “Eu estou feliz por ser hispânico, espanhol, latino, e se eu sou uma pessoa de cor, então sou uma pessoa de cor”, comentou, bem-humorado. Casos como o de Antonio Banderas poderão tornar-se mais comuns quando todos os atores tiverem de ser categorizados de acordo com a sua etnia num formulário dos Óscares.

Os Óscares definem estas como as minorias étnicas que são consideradas: Asiático, Hispânico/Latino, Negro/Afro-americano, Indígena/Nativo-americano/Nativo do Alaska, natural do Médio Oriente/Norte de África, Nativo do Havai ou de outra ilha do Pacífico, sendo que inclui também a opção “Outra raça ou etnia com pouca representação”.

Tendo em conta as novas regras, muitos dos filmes vencedores ou nomeados ao Óscar de Melhor Filme — que se tornaram icónicos ao longo dos anos — provavelmente não poderiam concorrer ao prémio nestes moldes. Se é difícil avaliar se cumprem os critérios de diversidade nas equipas de produção, é simples perceber que muitos deles não cumprem as regras no ecrã, nas escolhas do elenco. Mas isso não quer dizer que, no geral, estejam em incumprimento.

Os filmes que listamos abaixo (muitos dos quais vencedores de Melhor Filme) provavelmente não cumpririam a primeira secção das regras de diversidade dos Óscares, correspondentes à representação dos atores.

“O Irlandês”

“Joker”

“Ford v Ferrari”

“1917”

“Era Uma Vez em… Hollywood”

“Dunkirk”

“Hell or High Water”

“Spotlight”

“A Queda de Wall Street”

“Sniper Americano”

“O Jogo da Imitação”

“Whiplash”

“Argo”

“O Discurso do Rei”

“The Departed”

“O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei”

“Uma Mente Brilhante”

“Beleza Americana”

“Shakespeare in Love”

“Titanic”

“Braveheart”

“A Lista de Schindler”

“Rain Man”

“Amadeus”

“Kramer vs Kramer”

“O Padrinho” (e “O Padrinho II”)

“Patton”

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT