Se Pedro Almodóvar ajudou Penélope Cruz a tornar-se numa das mais reconhecidas atrizes em todo o mundo, é também verdade que a espanhola levou muitos dos filmes do realizador a um público mais vasto. São precisos mais do que os dedos de uma mão para contar os trabalhos que fizeram juntos.
A relação simbiótica entre Almodóvar e Cruz tem dado vários frutos. Com “Tudo Sobre a Minha Mãe” o realizador conseguiu, em 1999, a sua segunda nomeação e a primeira vitória nos Óscares, como Melhor Filme de Língua Estrangeira. Do elenco fazia parte Cruz, que fez também a sua estreia nos Óscares com a primeira nomeação em 2007, depois de ter sido novamente escolhida pelo realizador para o elenco de “Volver”.
Agora, 15 anos depois, Penélope Cruz volta a repetir a nomeação na categoria principal de Melhor Atriz e novamente num filme de Almodóvar, “Mães Paralelas”. O filme foi um dos destaques das nomeações aos Óscares, reveladas esta terça-feira, 8 de fevereiro, onde entrou na categoria de Melhor Atriz e de Melhor Tema Musical.
Curiosamente, seria ao lado de Woody Allen e do seu “Vicky Cristina Barcelona” que Cruz conseguiria a sua primeira e única estatueta. Em “Dor e Glória”, ajudou novamente Almodóvar a infiltrar-se na categoria Melhor Filme Estrangeiro nos Óscares de 2019. Ao todo, colaboraram em sete filmes, uma lista que inclui também “Abraços Desfeitos”, “Carne Trémula” e “Os Amantes Passageiros”.
“Ele mudou a forma como vejo o mundo, muito antes de o conhecer”, revelou a atriz ao “The Guardian” em 2009. Ela tem 47 anos, ele tem 72, mas conhecem-se há perto de 30. Uma relação de amizade que começou com uma obsessão.
Cruz era viciada nos filmes do realizador espanhol. Tinha-os todos gravados em cassetes VHS, mas por vezes arriscava idas ao cinema. “Fui até à cidade para ver ‘Ata-me!’ e esse dia mudou muitas coisas na minha vida”, revela do episódio quando tinha apenas 14 anos.
“Em termos de decisão, foi nesse dia que decidi ser atriz. Parecia ser uma viagem até à Lua, algo impossível para quem vinha de onde eu vim. Não havia ninguém ligado às artes na minha família”, conta. Talvez por isso tenha decidido aplicar-se e empenhar todo o seu esforço na tentativa de conquistar o cinema e o seu ídolo.
“Mesmo quando era pequena, identificava-me com ele”, recorda. “Era a pessoa que me interessava. Porque é que ele vê o mundo desta forma? Porque é que compreende as mulheres desta forma? Queria saber quem era esta pessoa que se assumia politicamente de forma tão corajosa. Quando eu estava a crescer, havia um imenso medo de mudança em Espanha e ele era o completo oposto.”
Teve outra paixão na sua adolescência e juventude, o ballet clássico. Foi Almodóvar quem impediu o nascimento de mais uma bailarina com os seus filmes. E assim que decidiu que afinal queria ser atriz, Cruz decidiu também que teria que conhecer o realizador — e levou a tarefa muito a sério.
“Dei por mim a fazer imensos passeios no bairro dele. Ia aos cinemas onde ele costumava ir, aos bares que frequentava. E dizia sempre aos meus amigos: ‘Hoje vamos ver o Pedro’. E aconteceu”, conta à “Deadline”.
“Era uma tremenda influência para mim. Filme após filme, empurrava-me na direção da interpretação. Os filmes dele revolucionaram a minha vida e senti que tinha que tentar [ser atriz]”, conta. “Foi por isso que arranjei um agente, entrei para a escola de teatro e comecei a ir a castings.”
Acabaria por conseguir estrear-se no cinema com “Jamón Jamón” e “Belle Epoque”, depois de entrar em três pequenas séries — e de entrar, na sua estreia absoluta, num videoclipe da banda espanhola Mecano. Foi precisamente em “Jamón Jamón” (1992), onde Cruz interpreta a filha de uma prostituta — e com Javier Bardem, hoje seu companheiro, no elenco — que Almodóvar a viu pela primeira vez.
“Ela tinha uma voz de adolescente, por vezes completamente fora de tom, mas que era única”, revela o realizador ao “The Guardian”. “Ela tinha uma paixão que exalava por cada poro, um atrevimento que realmente encaixava nos meus filmes.”
Cruz tinha apenas 18 anos e ainda vivia em casa dos pais, quando o telefone tocou. Do outro lado estava Pedro Almodóvar. “Pensei que era uma piada”, recorda a atriz. “Estava em casa a secar o cabelo e alguém me avisa que o Pedro estava em linha. Passara toda a minha infância a sonhar falar com ele, conhecê-lo. Pensei que era uma brincadeira.” Não era.
Acabariam por se encontrar pessoalmente no apartamento. Cruz fez uma audição para o seu filme seguinte, mas não era o momento certo. Almodóvar estava a trabalhar em “Kika” e explicou-lhe que era demasiado nova para o papel. “Ela foi sempre demasiado nova para as minhas personagens”, revelou, antes de confessar que um dia iria escrever uma personagem “que lhe serviria que nem uma luva”.
O encontro ficaria adiado para cinco anos depois, no set de gravações de “Carne Trémula”, onde voltou também a encontrar Javier Bardem no elenco. “Foi um daqueles momentos em que o sonho perfeito se torna realidade. Pensas que é demasiado bom para ser verdade”, recorda Cruz. “Ele foi a grande razão para ter tentado [ser atriz]. Foi por ele que arrisquei tudo.”
Ainda hoje, os sonhos de Cruz assentam nas palavras de Almodóvar. Também ambiciona ser realizadora, um sonho que revelou ao amigo num bar em Madrid, há muitos anos. “Ele disse-me: ‘Deves fazê-lo. Se dizes isso agora e ainda tens para aí 16 anos, definitivamente deves fazê-lo’. E um dia sei que irei tomar essa decisão”, explica a atriz à “Variety”.
Imediatamente a seguir a “Carne Trémula”, Cruz foi uma das protagonistas do atualmente aclamado, mas então em estreia absoluta, realizador Alejandro Amenábar. “Abre los Ojos” seria o seu passaporte para Hollywood, quando a máquina americana decidiu fazer um remake da produção. Cruz foi chamada para voltar a interpretar a sua personagem, desta vez ao lado da mega-estrela Tom Cruise. Nesse mesmo ano de 2001, também havia brilhado ao lado de Johnny Depp em “Blow“.
Quem não gostou muito do que via era Pedro Almodóvar. “Sofri assim que a vi em coisas que não eram tão boas quanto poderiam ser”, recorda o realizador. “Ela não teve muita sorte no início. Entrou muito depressa em Hollywood e todos queriam trabalhar com ela porque é muito bonita — foi mais por isso. Tornou-se num ícone de estilo e ninguém queria saber se era ou não uma boa atriz.” Grande parte da fama adveio também da tão falada relação amorosa com Tom Cruise.
“É isso de que não gosto em Hollywood. Nunca ponderam dar algo diferente do habitual a um ator. Têm que estar sempre muito seguros naquilo que fazem”, explica. Nada disso acontece quando Cruz fica às ordens de Almodóvar.
“Há algo que funciona realmente bem na nossa relação, que combina a nossa amizade e o lado profissional”, conta. “Funcionámos como amantes, mas como não partilhamos os prazeres do sexo, também não temos as complicações que daí advêm”, conta o realizador, assumidamente homossexual. “Trabalhamos mesmo bem, como um casal que não dorme junto.”
É aí que também Cruz encontra o segredo do sucesso deste papel de musa assumida. “Acabamos sempre por manter uma pequena distância. Nada é planeado, mas comportamo-nos de forma diferente [da habitual no dia a dia]”, conta. “Talvez seja uma forma de protegermos a relação e o trabalho. Perguntei-lhe há uns meses, se percebia que fazíamos isso, que mudamos a nossa interação no set. Ele disse: ‘Sim, é verdade. Mas tem funcionado, por isso não vamos mudar nada.’”