“Dune” não é só o título de um dos filmes mais aguardados do ano. É uma verdadeira instituição no mundo da ficção-científica — uma daquelas histórias que encheram as medidas dos fãs durante décadas e que, quando transpostas para o ecrã, raramente correspondem às elevadíssimas expectativas.
O novo filme de Dennis Villeneuve que chega aos cinemas esta quinta-feira, 21 de outubro, é a mais recente adaptação da obra de ficção-científica. Com Thimothée Chalamet, Oscar Isaac, Zendaya, Josh Brolin ou Javier Bardem no elenco, o realizador irá tentar fazer justiça a uma história que começou a ser desenhada há mais de 60 anos.
O fabuloso universo de “Dune” saiu da mente de Frank Herbert, que aos 19 anos começava a carreira no jornalismo, antes de passar pelos SeaBees da Marinha, a divisão encarregue das construções temporárias de guerra. Alistou-se como fotógrafo, até ser mandado para casa ao fim de seis meses. Nunca combateu — e também nunca chegou a tirar um curso superior.
Interessava-se pela escrita e chegou a escrever peças para a “Esquire”. Os pequenos contos de ficção chegariam apenas na década de 50 — e a primeira grande obra em 1956, chamada “The Dragon in the Sea”. Nela imaginava um mundo em declínio onde a escassez dos combustíveis fósseis abriu caminho a um conflito internacional. Um visão que o acompanharia em futuros trabalhos.
Frank Herbert não podia viver apenas da ficção, e além de escrever discursos para um candidato ao senado, também trabalhava como jornalista. Em 1959 viajou até Florence, no estado norte-americano do Oregon, para cobrir um projeto ecológico em curso.
As famosas dunas de areia dessa região costeira iam ser alvo de uma intervenção: ia ser plantada a relva típica dos areais europeus para tentar evitar a destruição das dunas. A viagem deu origem a uma história, “They Stopped the Moving Sands” — ou “Eles Pararam as Areias Movediças”. Nunca foi publicada.
Nem tudo se perdeu com a não publicação. A viagem tinha servido outro propósito e criou uma imagem na mente de Herbert: um mundo deserto, dependente de bens escassos. As dunas de Oregon seriam o cenário do seu planeta imaginário de Arrakis, o único local onde existe a especiaria que dá super-poderes e pela qual todos estão dispostos a morrer.
“Os autores de ficção-científica tiram partido de uma visão a longo prazo”, revelou Herbert a um jornal do Oregon. “Estamos a escrever a história de um futuro possível.” O autor norte-americano acabaria por tornar-se um ambientalista e crítico feroz do uso de combustíveis fósseis.
A viagem ao Oregon lançou-o assim numa pesquisa desenfreada. Durante perto de seis anos, estudou, desenvolveu, criou e escreveu a história de “Dune”, que começou a ser publicada em pequenas partes na revista “Analog”.
Foi durante esse período que Herbert terá embarcado noutro tipo de viagens que o inspiraram a desenhar a tal especiaria de “Dune”— a melange, o bem mais valioso do universo. A sua toma dá maior longevidade, sentidos mais apurados e a capacidade de ver o futuro. E, tal como uma droga, quem a ingere paga um preço: torna-se um vício e dá ressacas.
A linha que separa a ficção e a realidade, são frequentemente ténues e sempre se especulou que a melange de Herbert seria algo semelhante ao LSD — um facto sublinhado por Alejandro Jodorowsky, o realizador que durante mais de uma década trabalhou numa adaptação ao cinema que nunca se concretizou.
Na verdade, anos mais tarde, seria curiosamente um micólogo a revelar, numa sua obra, a paixão e a inspiração de Herbert para criar “Dune”. Lançado em 2005, Paul Stamets conta no seu “Mycelium Running” os seus encontros com o autor.
“Quando o conheci no início dos anos 80, ele gostava de apanhar cogumelos na sua casa perto de Port Townsend”, escreve sobre o homem que diz ter descoberto uma forma de amplificar o surgimento de cogumelos anos antes da técnica se tornar usual. “A sua descoberta viria a ser confirmada pela indústria dos cogumelos.”
Herbert percebeu que ao mergulhar cantarelos mais velhos num balde de água com sal, quando os despejasse sobre uma base de plantas — espalhando, dessa forma, os esporos —, potenciava o crescimento de outros cantarelos em árvores novas. Algo que até então ninguém acreditava ser possível.
Os encontros de ambos não serviam apenas para falar sobre cogumelos. “O Frank acabaria por me explicar muitas das premissa de ‘Dune’ — a especiaria mágica (os esporos), os olhos dos Freman (o azul dos cogumelos psicadélicos Psilocybe), o misticismo das guerreiras espirituais, a Bene Gesserits (influenciada por histórias de Maria Sabina e o culto sagrado dos cogumelos no México) — e como ela nasceu da sua perceção do ciclo de vida dos fungos. E, claro, da sua imaginação estimulada pelas suas experiências no uso de cogumelos mágicos.”
Frank Herbert acabaria por completar a obra, embora quase todas as editoras tivessem rejeitado publicá-la. Apenas a Chilton Book Company — conhecida por publicar manuais de reparação de máquinas — disse que sim ao livro que viria a transformar a ficção-científica. O escritor morreu vítima de uma embolia pulmonar em 1985, apenas um ano depois da primeira adaptação ao cinema de “Dune” por David Lynch.