Harry Melling tinha 10 anos quando conseguiu ficar com o papel do primo mimado, gorducho e mesquinho de Harry Potter, Dudley. Era a maior tormenta para o famoso feiticeiro no mundo dos muggles, na casa dos tios onde cresceu excomungado, a viver numa despensa debaixo das escadas.
Durante cinco filmes, Melling interpretou esta personagem secundária que, mesmo sendo profundamente irritante, se tornou um ícone da saga no cinema. Melling tinha tradição familiar na área da representação. O avô materno era Patrick Troughton, ator com mais de 200 papéis no currículo, que teve como grande destaque ter sido a segunda encarnação do protagonista de “Doctor Who”.
A sua última participação na história de J. K. Rowling foi em “Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 1” (2010), depois de um hiato de três anos. Foi tempo suficiente para que crescesse, começasse a escolher melhor o que comia e os quilos começassem a desaparecer — ao ponto de ter de ser maquilhado com próteses para assumir o papel.
Ao longo dos anos, o ator habituou-se às perguntas sobre aquele tempo. “Por vezes esqueces, porque o papel já está feito, mas na verdade não está. Ainda está presente para muita gente”, contou em 2015 sobre a atenção dos fãs que continuou a receber, em declarações à “Red Carpet News”. A pergunta que mais lhe fazem não é sequer uma pergunta, como notou o próprio: é um taxativo “mudaste tanto”.
Melling tinha já construído uma carreira à conta de “Harry Potter” quando se inscreveu numa escola de expressão dramática em Londres, a cidade onde vivia. Aprendeu, treinou, e durante uns poucos anos aventurou-se no teatro. Foi um tempo em que subia ao palco e na audiência talvez houvesse quem pensasse “conheço aquela cara de algum lado”. Mas não era fácil perceber de onde. Foi uma bênção quando chegou a altura de voltar ao ecrã, como o próprio realçou à revista “People”.
“Acho que tive muita sorte em ser-me permitido afastar-me do Dudley”, admitia o próprio numa entrevista em 2020 à “Entertainment Weekly”. “Quando começas como ator em criança há certos estigmas e nunca quis nada disso. Só queria continuar a fazer o meu trabalho. Ir estudar teatro foi uma maneira de, ainda que não fosse algo consciente, conseguir fazer essa ponte.”
Nos anos a seguir a “Harry Potter”, o ator andou por séries discretas como “Just William” e “Garrow’s Law”, entre outras, e participou num conjunto de curtas-metragens. Em 2016 surgia finalmente numa produção maior, “A Cidade Perdida de Z” (2016), até começar a ser requisitado para projetos da Netflix, onde se tem destacado nos últimos anos.
Primeiro, foi contratado pelos irmãos Joel e Ethan Coen para protagonizar uma das histórias rocambolescas contadas em “A Balada de Buster Scruggs” (2018). Harry Melling interpretava um rapaz sem pernas nem braços, que viaja com o agente numa caravana pela América profunda para recitar textos e juntos fazerem dinheiro. Acaba por ter um desfecho comicamente negro.
Após participar nalguns episódios de “A Guerra dos Mundos” e “Mundos Paralelos”, voltou a ser chamado para uma produção original da Netflix ao interpretar o vilão obcecado com os imortais de “A Velha Guarda” (2020), grupo liderado por Charlize Theron, onde teve uma nova oportunidade para se destacar.
Seguiu-se, no mesmo ano, uma participação noutro filme impactante da plataforma de streaming, “Sempre o Diabo”. E, ainda em 2020, brilhou definitivamente numa das séries daquele ano, “Gambito de Dama”. Ele, que nunca tinha jogado xadrez na vida, é o primeiro grande rival da jovem prodígio interpretada por Anya Taylor-Joy.
Podemos vê-lo primeiro como o tipo convencido e com pinta que é surpreendido no tabuleiro e, anos depois, mais crescido, como o rapaz que, entre a atração e o carinho, tenta ajudar Beth Harmon a vencer o campeão mundial russo.
O papel chegou como uma confirmação do talento do ator. Neste caso, nem sequer precisou de penar durante os castings. Foi o próprio criador de “Gambito de Dama”, Scott Frank, que o abordou. “Conheci-o via Skype e ele contou-me esta história maravilhosa de uma rapariga a chegar à vida adulta e das personagens que ela conhece no caminho. Era um ‘sim’ claro”, recordou o ator na mesma entrevista à “Entertainment Weekly”. “Fiquei logo viciado na história. Disse que sim sem sequer ter lido o guião.” Scott Frank admitiu que estava de olho nele desde “A Balada de Buster Scruggs”.
Agora, Harry Melling interpreta outra personagem importante noutro projeto da Netflix que tem tido impacto. O ator de 33 anos interpreta um jovem Edgar Allan Poe no filme “Os Olhos de Allan Poe”, que estreou na sexta-feira, 6 de janeiro, e já se encontra no top 10 das tendências cinematográficas da plataforma em Portugal — neste momento ocupa mesmo a primeira posição.
O filme realizado e escrito por Scott Cooper passa-se no inverno de 1830, quando um jovem cadete de uma academia militar do estado de Nova Iorque é encontrado morto. A instituição contrata um detetive reformado local (Christian Bale) para investigar o caso, que se torna mais sinistro à medida que a narrativa se desenvolve. Melling dá vida ao célebre escritor americano Edgar Allan Poe, que na altura era um jovem cadete naquela mesma academia — e ele vai unir-se com o detetive para juntos desvendarem a verdade.
Carregue na galeria para conhecer outras novidades da Netflix (e não só) — e mantenha-se atento ao percurso de Harry Melling, que decididamente ainda terá muitos frutos para dar.