Das capelas de Las Vegas às ruas turísticas de Los Angeles, Elvis Presley é uma das figuras mais imitadas e retratadas dos EUA e da sociedade ocidental nas últimas décadas. Dar-lhe vida num filme biográfico seria sempre um desafio — e foi isso a que o veterano Baz Luhrmann se propôs com “Elvis”, que estreou nos cinemas portugueses a 23 de junho. A NiT já assistiu ao filme.
Comecemos pelo lado menos positivo. Após ter visto as duas horas e 39 minutos de “Elvis”, não fiquei com a sensação de conhecer minimamente o íntimo deste ídolo musical que, como se diz nos EUA, é larger than life. Isso não será culpa do ator protagonista, Austin Butler, que, apesar de não ser parecido fisicamente, faz uma ótima interpretação do rei do rock.
Talvez tenha a ver com a dificuldade que existe em desconstruir e desmistificar alguém tão imerso na cultura pop como Elvis Presley — mais do que uma pessoa, tornou-se uma figura no imaginário de todos nós. Inevitavelmente, essa aura carrega mistério e funciona como uma carapaça que esconde a pessoa real que existiu por baixo dela.
O que posso dizer é que, após ter visto “Elvis”, fiquei a conhecer a sua história. Antes de mais, é importante sublinhar que este não é um filme biográfico convencional. Baz Luhrmann usou toda a sua estética estilizada e energia estonteante para criar um filme vibrante que não tem nada de quadrado. Mais do que racional, é um filme de sensações, que apela aos nossos sentidos.
Com mais ou menos revisionismo, retrata como Elvis cresceu num meio pobre no sul dos EUA, muito influenciado pelos vizinhos negros — através dos quais talvez tenha despertado para a sua paixão pela música. Um momento que é repetido recorrentemente ao longo do filme é quando o pequeno Elvis Presley assiste à atuação diabólica (no bom sentido) de Arthur Crudup. E como as energias espirituais do gospel se entranharam nele e o moldaram.
Desde que nasceu que foi algo atormentado pela morte do irmão gémeo no parto — a relação que tem com a mãe parece ser completamente influenciada por isso. O pai, ex-presidiário, também acaba por ter um percurso atribulado na relação com o filho. Aos 19 anos, Elvis é descoberto pela Sun Records e lança o seu primeiro disco, tornando-se um sucesso instantâneo no sul dos EUA.
É nesse momento que é descoberto por aquele que se tornará seu agente — e que é a grande segunda figura do filme. Falamos do coronel Tom Parker (que na verdade não era militar nem se chamava assim), um homem que fez vida nos circos e nas feiras, com artistas de variedades e músicos, até se cruzar com este novo fenómeno. Narrador do filme e interpretado por um Tom Hanks recheado de próteses faciais, Parker tornou-se agente de Elvis Presley logo no início e acompanhou-o ao longo de toda a sua carreira.
É muito interessante perceber como Elvis chocou com os seus movimentos de dança inusitados e sensuais, maquilhagem e figurinos coloridos — nuns EUA profundamente conservadores, bafientos, racistas e homofóbicos, indignados com este rapaz que misturava a country com o rhythm & blues da comunidade afro-americana. Acima de tudo, o problema é que Elvis Presley causava um enorme furor junto do público feminino, que tinha reações incontroláveis, quase orgásmicas, durante a sua performance.
À medida que foi crescendo e enriquecendo, ao lado de Tom Parker, o choque entre ambos tornou-se mais evidente. Tanto que, eventualmente, o “sistema” quis domesticar Elvis. Quando o músico se recusou, a solução passou por enviá-lo para cumprir serviço militar na Europa, afastando-se da polémica e dos problemas legais provocados por um senador furioso.
Foi lá que conheceu a sua futura mulher, Priscilla, com quem casou quando voltaram para os EUA. No seu regresso, tornou-se uma estrela de cinema — embora nunca tenha feito um filme clássico, como o próprio lamenta — e gravou um especial de Natal irreverente no final dos anos 60. Baz Luhrmann preocupou-se também em situar constantemente Elvis Presley no espaço e no tempo — como quando o músico fica devastado com o homicídio de Martin Luther King (tão perto da sua propriedade, Graceland) ou de Robert F. Kennedy.
Eventualmente, Elvis Presley fica indefinidamente preso a uma residência de espetáculos num novo hotel de Las Vegas — muito por culpa das dívidas de Tom Parker, a quem o negócio dava imenso jeito. É nesta fase que o conflito entre os dois se torna inevitável e aberto — e que Elvis vai percebendo, da pior forma, como tem sido explorado pelo agente, que é tão misterioso quanto sedutor. O final, como sabemos, é triste. Afundado em comprimidos, Elvis Presley passa os últimos anos de vida num registo progressivamente decadente. A culpa? Muitos dirão que é de Tom Parker, diz o próprio enquanto narra a história. Essa ideia fica certamente no ar.
Baz Luhrmann retrata bem a vida de Elvis, nesta que é uma interpretação profundamente marcante para o percurso de Austin Butler (sobretudo quando está em palco). O filme é divertido, empolgante, mas também trágico quando chega a hora de o ser. Merece ser visto — sobretudo porque todos devemos ficar com uma imagem mais nítida da figura que foi Elvis Presley.
Leia também o artigo da NiT sobre como Austin Butler se preparou meticulosamente para o papel — e como este poderá ser um passo decisivo para construir uma verdadeira carreira de estrela.