Cinema

Esquema de manipulação de críticas ensombra avaliações do Rotten Tomatoes

Investigação revelou pagamentos em troca de notas positivas. Tudo para influenciar a cada vez mais importante avaliação do agregador.

O exercício repete-se quase sempre antes de se escolher o próximo filme ou série a ver: pegar no telemóvel e espreitar a nota no IMDB ou no Rotten Tomatoes. Se o primeiro depende das votações dos próprios utilizadores, o segundo anuncia-se como um agregador, isto é, depende de um algoritmo que recolhe as diferentes críticas e escalas dos especialistas, combina tudo e faz as contas para atribuir uma nota de zero a 100.

Se o filme (ou série) ficar abaixo dos 60 por cento, recebe o selo de Rotten. Caso fique acima dessa pontuação, é considerado Fresh. “Os estúdios não inventaram o Rotten Tomatoes e a maioria deles não gosta da plataforma”, revela à “Vulture” o realizador Paul Schrader. “Mas o sistema está viciado. As audiências estão mais ignorantes. As pessoas normais não estão para ler as críticas como antigamente. O Rotten Tomatoes é algo que os estúdios podem manipular — e é isso que fazem.”

A investigação da “Vulture”, publicada esta quarta-feira, 6 de setembro, conclui isso mesmo.  A reportagem revela como uma agência de comunicação conseguiu manipular uma avaliação no Rotten Tomatoes, através de pagamentos feitos a alguns críticos.

“O site foi concebido nos primórdios da Internet. Agora, tem o poder de ditar o sucesso ou insucesso — e afeta como os filmes são percecionados, lançados, publicitados e, possivelmente, até a decisão de produção. O Tomatometer é, talvez, a métrica mais importante na indústria do entretenimento. Mas também é errática, redutora e facilmente manipulável”, conclui a revista.

O agregador de críticas tem sido regularmente alvo de críticas por parte de nomes de relevo em Hollywood. Brett Rattner acusou o site de “destruir a indústria”. Martin Scorsese escreveu, em 2017, toda uma crónica dedicada a arrasar o Rotten Tomatoes. “Avaliam um filme como avaliarias um cavalo nas corridas, um restaurante no Zagat ou um eletrodoméstico na Consumer Reports (…) Até o nome (tomates podres) é insultuoso. Os bons filmes feitos por cineastas de verdade não são feitos para serem descodificados, consumidos e instantaneamente compreendidos.”

No centro desta investigação da “Vulture” está o caso de “Ofélia”, o filme de 2018 que tinha Daisy Ridley como protagonista. Segundo a revista, a agência Bunker 15 terá tentado reverter a nota de 46 por cento, provocada pela primeira onda de críticas após a estreia no circuito dos festivais.

Assim, a agência começou a tentar manobrar a fórmula que calculava a nota final. Terá feito contacto com alguns críticos menos conhecidos para atribuírem notas positivas ou alterassem as que já haviam publicado. Cada um receberia perto de 50€ pelo cumprimento do pedido.

Em poucas semanas, as críticas positivas aumentaram e a nota escalou para um 62 por cento, suficiente para conquistar o desejado selo de Fresh. “No mês seguinte, a IFC Filmes anunciou que tinha comprado os direitos do filme para distribuição”, nota a “Vulture” como potencial consequência da mudança de nota.

A agência, confrontada com a acusação, negou ter pago para ter notas positivas. “Temos milhares de autores na nossa lista de distribuição. Alguns deles criaram um sistema específico no qual os cineastas podem patrocinar ou pagar para que eles façam uma crítica”, revelou Daniel Harlow, fundador da Bunker 15. Já o Rotten Tomatoes frisou que “leva muito a sério a integridade das notas” e que “não tolera qualquer tentativa de manipulação”.

Sob escrutínio está também a fórmula de cálculo do Rotten Tomatoes, que tem sido questionada por muitos. “As notas são calculadas através da classificação de cada crítica como sendo positiva ou negativa, sendo que depois os números das positivas são divididas pelo total. A fórmula é essa. E a crítica de um grande jornal vale tanto como a de um tipo com uma dúzia de subscritores”, nota a revista.

Segundo Schrader, a classificação de uma crítica como positiva ou negativa é altamente subjetiva. “Já li críticas aos meus filmes onde o autor afirma que não consigo levar algo avante, mas que se torna interessante precisamente pelo facto de não conseguir fa zê-lo. Para mim, isso é uma boa crítica, mas no Rotten Tomatoes consideram isso negativo.”

Sem essa distinção, ou se quer a possibilidade de distinguir se a crítica é muito positiva ou muito negativa, repetem-se os casos de notas perfeitas, os tão desejados 100 por cento. Mesmo que a maioria das críticas positivas sejam apenas ligeiramente elogiosas. “Antigamente, se um filme independente recebia três estrelas, era como se fosse o beijo da morte. Agora, com o Rotten Tomatoes, se só receberes notas de três estrelas, é fantástico.”

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