Chama-se “Three Identical Strangers” e estreou em 2018 nos Estados Unidos da América, onde a história até já era conhecida. Mas só chegou a Portugal, através da Netflix, nos últimos dias do mês de março. A plataforma de streaming não fez qualquer tipo de anúncio, por isso o mais provável é que quase ninguém tenha dado por ele.
Este documentário realizado por Tim Wardle, de uma hora e 36 minutos de duração, relata uma história real, e completamente inacreditável, que começa em 1980. Bobby Shafran era um rapaz de 19 anos que acabara de chegar pela primeira vez à sua universidade no estado de Nova Iorque.
Apesar de estar entusiasmado com a mudança, começou logo a estranhar os comportamentos bizarros de várias pessoas, outros alunos da faculdade, que o cumprimentavam como se o conhecessem — alguns até de forma íntima.
Chamavam-lhe Eddy, e Bobby estava completamente surpreendido com o que estava a acontecer. Quando chegou ao seu quarto no dormitório de estudantes, apareceu outro rapaz, que olhou para ele completamente embasbacado. Perguntou-lhe se ele era filho adotivo e se tinha nascido a 12 de julho de 1961. Ambas as respostas estavam certas.
A seguir, este rapaz mudou a vida de Bobby. Revelou-lhe que ele tinha, de certeza, um irmão gémeo perdido. Chamava-se Eddy Garland e já tinha entrado naquela faculdade há um ano — era um dos melhores amigos deste rapaz. Rapidamente Bobby e Eddy entraram em contacto através de uma cabine telefónica, e naquela mesma noite Bobby viajou de carro, durante mais de 100 quilómetros, até à casa de Eddy, onde se conheceram.
Eram, de facto, gémeos idênticos. Tirando alguma diferença de peso, eram completamente iguais — até usavam o cabelo da mesma forma. As fotografias tiradas naquela noite, que aparecem no documentário, são surreais. Deslumbrados com o que tinham acabado de descobrir, os irmãos que nunca se tinham conhecido nem sabiam da existência um do outro aceitaram-se e abraçaram-se como se fossem os melhores amigos desde sempre.
A história chegou aos jornais locais. Passado algum tempo, outro jovem de 19 anos que era filho adotado e tinha nascido a 12 de julho de 1961 — e também residente do estado de Nova Iorque —, chamado David Kellman, viu dois rapazes iguais a si na capa de um jornal.
Conseguiu o contacto telefónico da casa de um deles e apressou-se a fazer a chamada. Do outro lado, numa chamada atendida por uma das mães adotivas, uma enorme surpresa. “Estão a aparecer mais”, disse ela para dentro da sua casa.
Rapidamente, David Kellman juntou-se a Eddy Garland e a Bobby Shafran e o trio formou-se. Estavam deslumbrados uns pelos outros, a descobrirem as respetivas personalidades e até a perceberem que tinham uma série de coisas em comum. Todos tinham sido lutadores de luta livre durante a adolescência, por exemplo, todos fumavam a mesma marca de tabaco, e todos tinham o mesmo gosto por mulheres, entre outras semelhanças.
A história tornou-se nacional e os trigémeos começaram a correr todos os programas de televisão e a tornarem-se quase pequenas celebridades, sobretudo em Nova Iorque. Até apareceram num filme com Madonna. Mudaram-se todos para um apartamento conjunto e começaram a sair à noite regularmente, tornando-se figuras da noite de Nova Iorque nos anos 80. E depois chegaram mesmo a abrir um restaurante juntos, chamado “Triplets”, e a vender merchandise com as suas três caras.
Enquanto tudo isto acontecia, os pais adotivos começavam a preocupar-se e a tentar obter respostas. Nenhum deles sabia que as crianças que tinham adotado tinham irmãos. E todos os miúdos tinham sido adotados através da mesma agência, a Louise Wise, que era uma das maiores de Nova Iorque, gerida por uma elite muito ligada à comunidade judaica.
Com o tempo, e depois de alguns processos judiciais e tentativas de investigação, a história por trás destes trigémeos começou a ficar muito mais obscura e conspiratória. Sem revelarmos grandes detalhes, para não estragarmos a experiência de quem for ver o documentário, tudo aquilo que aconteceu (tirando a parte da descoberta de que havia trigémeos) foi propositado.
Ou seja, foram intencionalmente separados pela agência pouco tempo depois de nascerem, foram colocados em famílias escolhidas a dedo — de diferentes classes sociais e personalidades —, e os seus comportamentos foram estudados ao longo dos anos. Foram usados como cobaias numa investigação sinistra — e, pior, não foram os únicos. Outros gémeos adotados, que não sabiam que eram gémeos, faziam parte da mesma investigação e também descobriram esta história em comum.
As consequências das várias descobertas nas vidas dos gémeos foram avassaladoras para os irmãos, mesmo já em idade completamente adulta, casados e com filhos. O documentário tem entrevistas com dois dos gémeos, alguns membros das famílias adotivas e jornalistas que acompanharam o caso ao longo dos anos, entre outros intervenientes (alguns deles ligados à conspiração).
Cruza imagens de arquivo com gravações atuais feitas para o documentário e tem um ritmo eletrificante — que só contribui para empolgar os espectadores enquanto assistem a esta história incrível e fascinante. Que ao mesmo tempo também se torna profundamente triste. Trata-se de uma produção original da CNN Films, que estreou no festival de Sundance, e que toda a gente devia ver.