Lembra-se daquela vez em que Bill Murray decidiu recitar poesia para um grupo de trabalhadores da construção civil? Ou aquele dia em que invadiu uma despedida de solteiro? Não admira: o ator que comemora esta segunda-feira, 21 de setembro, o seu 70.º aniversário é, muito provavelmente, um dos tipos mais cool de Hollywood.
A ligeireza cómica com que quebra o estatuto de super-estrela e se dá com os meros mortais é enternecedora. A fama, essa nasceu nos anos 80, quando os papéis de protagonista de inúmeros filmes de comédia o tornaram numa das caras mais pretendidas do cinema e da televisão.
Foi ao lado de nomes como Steve Martin, Dan Akroyd, John Belushi, Eddie Murphy e Chevy Chase, que compôs uma espécie de elite da comédia norte-americana. Este grupo talentoso estava no pico da sua carreira: tinham dinheiro, mulheres e tudo o que poderiam querer. Alguns sucumbiram às tentações, outros — como Murray —, resistiram ao teste do envelhecimento de Hollywood e mantiveram o estatuto.
John Bellushi seguiu o caminho oposto. Quem fazia parte do seu círculo mais íntimo ficou pouco surpreendido quando o ator de “The Blues Brothers” morreu aos 33 anos, vítima de uma overdose.
Bill Murray não era nem nunca foi um mero rapaz bem-disposto e talentoso. É conhecido, desde há muitos anos, pelo seu temperamento difícil, sobretudo atrás das câmaras. De acordo com diversos relatos, num espetáculo ao vivo do “The National Lampoon Show” em Nova Iorque, Murray perdeu a cabeça e atacou um artista nos bastidores.
Farto de ouvir o artista folk Martin Mull falar durante a exibição, o ator esperou por ele atrás do palco e assim que o viu, atirou-se a ele. “Eu mato-o. Eu mato-o”, dizia enquanto lhe agarrava o pescoço. Só John Belushi o conseguiu segurar, revela Nick de Semlyen, autor de um livro que reúne algumas das melhores histórias dos reis da comédia da década de 80.
Noutra ocasião, na cidade canadiana de Toronto, o resultado terá sido bem mais grave. Murray terá agarrado um membro da plateia que estava visivelmente bêbado e a importunar quem estava em palco. “Arrastou-o para um beco e bateu-lhe até lhe partir um braço”, revela Semlyen.
“Ele é destemido e fisicamente muito forte, se alguém quiser lutar com ele, ele não tem problemas. Não é nada tímido no momento de sacar dos punhos”, recorda o comediante Dave Thomas, uma das testemunhas que contribuiu para o livro.
Além de gostar de resolver problemas com os punhos, o ator que teve o seu maior êxito em “Os Caça-Fantasmas” parece ter uma relação de amor-ódio com a fama. Quando não a usa para maravilhar estranhos com aparições surpreendentes, perde facilmente a paciência à mínima perturbação. Foi o que aconteceu em 2016, quando terá arrancado um par de telemóveis das mãos de fãs que o seguiam, para depois os atirar do topo de um edifício. A polícia nunca recebeu qualquer queixa, até porque Murray terá compensado financeiramente as vítimas.
Quando em 1984 interpretou o hoje famoso Peter Venkman — ao lado de Dan Akroyd, Harold Ramis e Rick Moranis — em “Os Caça-Fantasmas”, tornou-se num dos nomes mais cobiçados da indústria. Perante todo o assédio, Murray acabrunhou-se. Chegou mesmo a rejeitar aparecer na capa da “Time”, mas a história com o carimbo do ator estava por revelar.
Para escapar às centenas de chamadas com propostas para novos papéis, o ator — que sempre recusou contratar um agente para lhe gerir a carreira — criou um voicemail através de um número de valor acrescentado, tudo para obrigar os interessados a gastarem dezenas e centenas de dólares. “Sou suficientemente famoso. Ser mais famoso do que isto não vai trazer mais nada a não ser problemas”, terá dito, segundo relato de Semlyen.
Por cada momento enternecedor do bom velho Murray, há um lado que poucos conhecem, mas que vai sendo revelado através de relatos de co-protagonistas e familiares. Um que, por vezes, não pinta um retrato tão simpático e abonatório do tipo mais cool do cinema.
As bombas que o levaram à prisão
Em 1970, a sua carreira bem-sucedida era apenas uma miragem. Há precisamente 50 anos, no dia do seu 20.º aniversário, regressava de avião para Denver, onde estudava. O sentido de humor, esse era já muito apurado — embora nem sempre oportuno.
Na fila de embarque, gracejou com outro passageiro que dentro das suas malas iriam duas bombas. Rapidamente foi chamada a polícia, que vasculhou toda a sua bagagem. Não havia qualquer indício da presença de explosivos, como se previa, mas lá dentro estavam quase cinco quilos de marijuana, recorda Robert Schnakenberg no livro “The Big Bad Book of Bill Murray”.
O ator ainda tentou esconder os sacos, sem sucesso. Acabou por ser detido, ainda antes de engolir um cheque de um dos seus clientes. À época, essa quantidade de marijuana valeria perto de 20 mil euros. A apreensão teve direito a uma enorme atenção da imprensa — chegou a ser capa do “Chicago Tribune” — e obrigou Murray a desistir da faculdade, antes que fosse expulso, como certamente seria assim que descortinassem o seu cadastro.
Murray Vs Chase
Ao ver Bill Murray e Chevy Chase contracenarem na famosa comédia de 1980, “Caddyshack”, ninguém diria que dois anos antes, por muito pouco que ambos não se destruíam entre socos e cabeçadas.
Berço dos maiores talentos da comédia, o Saturday Night Live era o local onde a elite do riso convivia e trabalhava. Subitamente, Chevy Chase abandonou o programa. Para trás ficou um elenco enraivecido pela escolha do ator que, em 1978, voltaria para uma aparição como apresentador convidado. Atrás das câmaras, não se vislumbravam quaisquer sorrisos.
Murray e Chase eram dois dos mais famosos comediantes do momento e, além da natural rivalidade, Bill também estava ressentido pela saída do SNL. “Estávamos furiosos por ele nos ter abandonado. De certa forma, acabei por ser eleito como uma espécie de anjo vingador, tive que falar por todos nós”, recordou o próprio anos mais tarde. Assim que se cruzaram nos bastidores, uma conversa descambou numa violenta discussão, na qual Murray terá mesmo dado um soco a Chase, segundo relatos de quem esteve presente.
“Foi uma enorme discussão. Eles eram dois tipos grandes e estavam mesmo furiosos. Davam chapadas, gritavam um com o outro, atiravam insultos terríveis. O melhor, e o que mais me fez rir, foi um do Bill. No calor da fúria, apontou o dedo ao Chevy e gritou: ‘És um talento mediano’”, revela o realizador John Landis no livro de Semlyen.
Sobre o confronto, Murray foi menos ácido do que seria de esperar. “Foi uma luta à Hollywood, um luta do tipo não-me-toques-na-cara. O Chevy é um gajo grande e eu também não sou um tipo pequeno. Estávamos separados pelo meu irmão Brian, que me dá pelo peito. Foi um não-evento. É recordado pelo simbolismo.”
Um ano mais tarde, ambos fizeram as pazes de uma forma bizarra — mas que não surpreende ninguém. Quando se reencontraram numa festa, Chase viu Murray ao longe e lançou-se na sua direção.
“Pousou a bebida e marchou na direção de Murray com um olhar furioso. Murray ficou tenso. Assim que chegou ao seu lado, Chase ajoelhou-se e começou a desapertar-lhe a braguilha, como que a pôr-se a jeito para fazer sexo oral. O Murray riu-se da piada juvenil e acabaram ambos às gargalhadas”, recorda o autor.
Uma noite na Suécia
É, provavelmente, a história que Bill Murray escreveria sobre Bill Murray. De viagem na Suécia para participar numa competição de golfe de beneficiência, o ator bebeu mais do que devia. Ele e os restantes companheiros de competição.
No final da noite, na hora de regressar ao hotel, ninguém quis levar o carro de volta, sob risco de perderem a carta devido à tolerância zero praticada pela polícia sueca. “Eu posso conduzir um carrinho de golfe”, atirou Murray, que recordou o sucedido em 2018. “Trouxe cerca de nove pessoas bêbadas todas penduradas no carrinho. Pelo caminho ainda parei para eles irem buscar mais bebidas.”
Inevitavelmente, acabou por ser mandado parar por um agente, ao qual deixou um apelo: “Sou a única pessoa neste carro capaz de manter uma conversa. Acha mesmo que sou a pessoa que deve ser multada?”
Do outro lado, um não menos cómico polícia contrapôs e perguntou-lhe quanto é que ele ganhava por mês. “Isso não é lá muito bem-educado. Para quê?”, respondeu. “Para que possamos dar valor à multa consoante os seus rendimentos”. “Que raio de país socialista é este?”, notou Murray ao recordar o episódio em 2018.
Depois de diversas peripécias na esquadra, onde esteve várias horas, abandonou o país. Em casa, continuou a receber umas longas cartas em sueco, que com a ajuda de um amigo conseguiu perceber que era da polícia de Estocolmo. Queriam saber afinal quanto é que ele ganhava para que pudessem definir finalmente o valor da multa. “Agora não posso voltar à Suécia”, explicou.
Socos, drogas e um divórcio
Murray e Jennifer Butler casaram em 1997, depois de um suposto caso extra-conjugal que terá conduzido ao divórcio da sua primeira mulher. Quase uma década depois, nova bomba explodiu na imprensa.
A 12 de maio, Jennifer apresentou um pedido de divórcio no tribunal, no qual alegava que sofreu agressões físicas às mãos de Bill Murray que era, segundo a própria, viciado em álcool e drogas.
No processo, a hoje ex-mulher alegou que o ator “deixava recorrentemente o estado e o país” sem a avisar, a ela ou aos quatro filhos. Nessas ocasiões, revela que ele lhe terá sido infiel. Noutro episódio, quando o casal já estava separado, Murray terá alegadamente agredido a ex-mulher na face, antes de dizer: “Tens sorte que não te matei”.
O processo de divórcio, que exigia o novo estatuto legal com base em relatos de “adultério, crueldade física, consumo de drogas e separação há mais de um ano”, revelava também que Murray deixava “mensagens de voz ameaçadoras no telefone de Jennifer”, sendo que muitas delas “foram ouvidas pelas crianças menores”.
O divórcio foi consumado um mês depois, através de um acordo extrajudicial entre Butler e Murray. O ator nunca falou sobre o assunto.
A lenda da cabeçada
Em 2000, o seu nome foi atirado para o elenco de “Os Anjos de Charlie”. À frente do projeto estava o realizador Joseph McGinty Nichol, mais conhecido pelo nome artístico de McG. Quase uma década depois da estreia da produção, aproveitou uma entrevista para lançar uma acusação sobre Murray.
Questionado sobre a épica discussão — que ficou gravada e correu a Internet — entre si e o protagonista de “Terminator Salvation”, McG abriu o jogo: “Estou a reintroduzir a pancadaria nos sets de filmagem (risos) Acho que nunca fiz um filme no qual não houvesse qualquer tipo de luta física. Quer dizer, eu já levei uma cabeçada de uma estrela. Direitinha na cabeça. Um centímetro ao lado e o meu nariz tinha sido obliterado”. Depois de uma pequena hesitação, acabou por revelar a identidade do suposto agressor: “Provavelmente não devia, mas foi o Bill Murray”.
Não foi o único caso dos bastidores que acendeu diversos rumores. A relação de Murray com a protagonista Lucy Liu também não foi a mais pacífica. Alguns relatos revelam mesmo que a atriz terá mesmo trocado alguns socos com o colega, isto depois de Murray alegadamente ter dito que Liu “não sabia interpretar”.
Como seria de esperar, todas estas histórias acabaram no bloco dos jornalistas, em forma de questões, sempre à espera do próximo encontro com Murray. “É tudo treta”, revelou sobre a alegada cabeçada a McG. “Não sei quem é que inventou isso. [O McG] tem uma imaginação muito fértil. Ele merece é morrer. Não devia levar apenas uma cabeçada, devia ser espetado por uma lança”.
Relativamente ao confronto com Liu, esquivou-se a revelações, embora não tenha desmentido nada do que diz que terá acontecido: “Eu vou ignorar-te completamente se fores pouco profissional enquanto trabalhas comigo. Quando a nossa relação é profissional e não estás a fazer o que devias, esquece.”