Com apenas 23 anos, a lisboeta Daniela Melchior está prestes a tornar-se uma estrela de Hollywood. A atriz portuguesa vai interpretar um dos papéis no próximo “Esquadrão Suicida” e tem estado a gravar o filme em Atlanta, nos EUA.
Começou as filmagens a 23 de setembro. Neste momento está numa pausa para a época de Natal — a rodagem recomeça em janeiro e termina em fevereiro. No entanto, como é um filme que exige muita pós-produção, a data de estreia só está marcada para 6 de agosto de 2021.
Não se sabe nada sobre a história do novo filme, nem acerca das personagens. Daniela Melchior também não pode adiantar quaisquer detalhes — no entanto, explicou à NiT que o conceito de uma equipa de super vilões mantém-se, embora “a linguagem seja totalmente diferente”.
Há um grande secretismo em torno do novo “Esquadrão Suicida”, depois do hype que teve o original, em 2016 — o filme com Will Smith e Jared Leto recebeu críticas negativas, mas gerou uma receita substancial nas bilheteiras.
Duas das atrizes da primeira produção, Margot Robbie e Viola Davis, estão de volta aos seus papéis numa sequela que tem ainda mais estrelas: Idris Elba, John Cena e Joel Kinnaman são algumas delas.
Daniela Melchior é outro dos nomes do elenco — ainda não está confirmado, mas a imprensa internacional adiantou que irá fazer de Ratcatcher, uma das várias vilãs do complexo universo de Batman. Até aqui, a atriz portuguesa só tinha participado em cinco novelas da TVI, entre as quais “Ouro Verde”, “A Herdeira” e “Valor da Vida”; e num par de filmes nacionais, “O Caderno Negro” e “Parque Mayer”, que foi essencial para a nova fase do seu percurso.
À NiT, Daniela Melchior explica como conseguiu o papel mais importante da sua vida, que tem o potencial para lhe fazer conquistar uma carreira internacional, mas também conta como é trabalhar com o realizador James Gunn e participar numa enorme produção de Hollywood.
Sei que conseguiu o papel para o próximo “Esquadrão Suicida” através de um agente americano com quem está a trabalhar. Mas como é que tudo aconteceu?
Eu não procurei nada disto, a culpa não foi minha [risos]. Eu estava a acabar a última novela que fiz na TVI e tinha feito o “Parque Mayer” e a minha agente disse-me que recebeu um email desse tal manager com quem passei a trabalhar a dizer que tinha visto o trailer do “Parque Mayer” e que, mesmo sem legendas e em português, não percebendo nada, viu qualquer coisa em mim que o fazia querer ver mais cenas do filme. Ele disse que queria trabalhar comigo e saber se era possível fazer parte da minha equipa. Nós pesquisámos sobre ele, para perceber se era confiável, tivemos algumas conversas via Skype para perceber qual era a visão dele, quais eram as expetativas dele para mim enquanto atriz, que papéis é que ele me via a fazer. E sem compromisso comecei a trabalhar com ele, a fazer self tapes…
Para outros projetos?
Sim, para a Netflix, mais para séries. A terceira self tape que fiz foi para o “Esquadrão Suicida” e passado uma semana recebi um email a dizer que me queriam ver pessoalmente e que queriam que eu fizesse lá o casting. Eu fui e fiquei [risos].
Voou para lá, portanto. Como foi depois para ser escolhida para o papel?
Pelo que o realizador me disse eles tinham feito castings a 300 e tal atrizes que já viviam lá. Mas ainda não era… porque o James [Gunn] tinha uma ideia para a personagem e queria uma rapariga que fosse exatamente aquilo que ele estava a pensar e ponto. E pelos vistos ele achou que todas essas raparigas não se enquadravam, estava com quatro ou cinco favoritas — elas também voaram para Atlanta na mesma altura — e foi um dia em que eles fizeram esse casting a essas últimas escolhas.
O casting consistia numa cena?
Foram três. Era uma curta, que eu já tinha feito na self-tape, uma longa, que era praticamente só eu a falar — mais emocional também — e depois adicionaram outra em que eu falava mas que também tinha muita fisicalidade. Era mais para ver se eu fizesse essa personagem o que é que eu conseguia fazer enquanto atriz. Entretanto já temos falado sobre esse processo porque pelos vistos não é normal fazerem tantas audições a tantas pessoas para um papel e ele disse que assim que comecei a fazer a primeira cena ele pensou: era isto, era isto que eu estava a imaginar [risos]. Depois, por causa da dimensão deste filme, teve de haver outras reuniões com produtores, porque não é só o realizador a escolher, e ainda foram uns dias de espera até ter uma resposta.
Tem aproveitado para passear nos EUA quando consegue.
Estava muito nervosa desde que recebeu o email a pedir para voar para Atlanta? Com todo aquele processo de viajar para lá, chegar lá, fazer as cenas à frente da equipa.
Estava porque não sabia até que ponto é que tinha de ter um bom sotaque inglês, não sabia de que é que estavam à procura em concreto porque… eu não sei como é que os atores fazem, mas normalmente quando faço um casting, tento perceber mesmo em concreto de que é que estão à procura. Não só fazer a cena como eles querem, mas também eu, Daniela, tento adaptar-me. Se for uma rapariga mais girly, vou vestida mais girly. A minha postura, mesmo quando estou à espera para fazer o casting, é mais feminina. Se eu percebo que é uma personagem mais descontraída, perco essa postura toda que teria se fosse uma personagem mais cuidada.
Neste caso fez alguma adaptação?
Não tinha ideia do que era, só tinha mesmo as cenas que me tinham enviado. E não era uma personagem que eu pudesse ir procurar ao Google, porque nunca ninguém a fez. Então tentei fazer aquilo que tinha feito na self tape, porque pelos vistos eles tinham gostado. Mas enquanto estava à espera para fazer o casting e conhecer as pessoas, fui eu e pronto. Se for isto, é isto, se não, não é [risos]. No dia antes da audição tive uma reunião com o realizador e o produtor executivo. Eles já andavam a fazer o casting há imensos meses, portanto queriam-nos facilitar a vida e queriam que nós lhe facilitássemos a vida, tendo a melhor prestação possível no dia do casting — então explicaram-nos o que queriam. Depois foi só chegar, ter o texto muito bem decorado e estar muito concentrada e disponível para fazer a cena de qualquer maneira que eles pedissem.
Conheceu as outras candidatas ao papel?
Não, soube de nomes, tive noção de que tinham muito mais experiência no mercado internacional. Nós enquanto atores temos sempre curiosidade: quem é a pessoa, deixa ver se tem mais hipóteses ou não. Vi também que tinham muito mais seguidores no Instagram e eu não sabia o que é que pesava, não tinha noção do mercado lá fora.
São pessoas parecidas consigo fisicamente?
Não, eram raparigas muito bonitas, mas não eram nada parecidas. Éramos todas diferentes. E como eu não sabia do que andavam à procura… qualquer uma de nós podia ser.
Já tinha visto o primeiro “Esquadrão Suicida”?
Sim, depois revi, porque não sabia se ia precisar de ter visto com mais atenção para fazer o casting. Porque às vezes eles podem fazer perguntas, gostam de perceber até que ponto é que estamos preparados. Agora comecei a fazer o filme e percebi que o conceito é o mesmo mas que a linguagem não tem nada a ver com o primeiro.
Gostou do primeiro?
Gostei. Não adorei, não é o meu filme favorito, há coisas de que não gostei, mas gostei do conceito e é isso que tem em comum com este, portanto.
É a principal coisa em comum?
Sim, é o conceito do esquadrão, das pessoas que são contratadas, os super vilões, mas de resto é tudo diferente, mesmo.
Este pode ser o primeiro passo para lançar uma carreira internacional.
Como têm sido as gravações?
Têm sido muito cansativas, é mesmo muito puxado, porque é um filme de ação, mas gosto tanto do que faço que não me custa assim tanto. Nem o considero trabalho. Os meus colegas de elenco são todos maravilhosos, muito queridos, são boas pessoas e nota-se mesmo que merecem estar onde estão. O James Gunn foi buscar a equipa da Marvel de “Os Guardiões da Galáxia”, fez questão de ter neste filme as pessoas com quem mais gostou de trabalhar. Portanto o ambiente é ótimo.
Há um grande preciosismo? Ou seja, muitas horas a fazer a mesma cena, coisas do género?
Nós fazemos muitos shots para cada cena, muitas posições de câmara diferentes, mas não é assim tão difícil. É cansativo mas não é algo que nos deixe aborrecidos ou frustrados ou chateados. Porque o James tem isto tão bem organizado e planeado. Ele não faz um plano sem saber que o vai usar. Às vezes perguntam-lhe: “E não queres fazer desta maneira?” E ele: “Não”. Ele não perde tempo à procura, porque já sabe muito bem o que quer.
Suponho que a sua vida em Atlanta seja passada sobretudo em filmagens, mas gosta da cidade? Adaptou-se bem lá?
Sim, estive até agora numa área que se chama Ponce City Market, que tem muitos restaurantes, muitas coisas, é uma zona turística e bastante agradável. Preferi ficar na cidade do que mais perto do estúdio mas sem nada à volta. Porque queria visitar tudo o que pudesse. E gostei muito. Sinto muito que, apesar de ser nos EUA, é muito parecido a Portugal, a nível de ser uma cidade calma. Não é LA, não é Nova Iorque.
Como é que tem sido trabalhar com estrelas tão grandes, que já conhecia de ver no cinema ou na televisão? Teve aquela coisa de ficar “starstruck”, deslumbrada, ou nem por isso porque faz parte do trabalho?
Eu senti isso durante segundos, quando cheguei pela primeira vez aos estúdios, quando estávamos quase todos. Acho que só a Viola Davis é que não apareceu, porque estava a trabalhar noutro sítio. Mas quando comecei a ver o meu nome numa plaquinha, no meu lugar com o argumento, ao lado do Idris Elba, Margot Robbie, Michael Rourke… quando percebi que o meu nome estava no meio desses nomes todos e eles começaram a chegar e a apresentar-se, super entusiasmados. Vê-los pessoalmente é outra coisa, cai a ficha, percebo: OK, não estou ao nível deles, mas estou com eles. É ótimo. Mas não estava deslumbrada, estava mais admirada mesmo.
Como foi trabalhar com eles?
São super disponíveis, atenciosos, muito curiosos acerca de Portugal. Fazem imensas perguntas, mesmo que não tenham estado cá ainda conhecem sempre alguém que já cá esteve e que lhes disse maravilhas sobre Portugal. Tenho um colega que por acaso anda a pensar comprar casa cá. O que sinto é que eles são tão bons profissionais, que a maior parte veio de fora e começaram em projetos mais pequenos e agora são estrelas desta dimensão, porque mereceram e trabalharam. E vejo isso todos os dias, quer à frente ou atrás das câmaras.
Há assim alguma história engraçada de bastidores que queira contar?
Um episódio que está sempre a repetir-se, que nos deixa sempre sem palavras, é o facto de o John Cena em personagem… o James às vezes diz-nos, depois de fazermos uma cena, para fazermos mais uma vez “just for fun”. “Façam o que quiserem.” Eu estou na minha, na personagem, não arrisco assim tanto porque não tenho assim tanta margem para isso, e o John Cena é a pessoa que improvisa dois minutos sem parar. Ele não prepara nada em casa. Faz sempre coisas que têm sentido, que têm piada e mal esses momentos acontecem eu só penso: por favor cortem porque já não me consigo aguentar sem rir [risos]. É bastante engraçado.
Em relação a outras pessoas, como é, por exemplo, a Margot Robbie?
Tive algumas cenas com ela e ainda vou ter bastantes. Mas consegui ainda privar algumas vezes com ela e estar em casa dela. E ela é tão querida quanto parece, é mesmo muito querida. Sinto como se já a conhecesse há muito tempo, é mesmo incrível. Merece estar onde está e é mesmo muito boa atriz. Prepara-se muito bem, cada vez que começamos a gravar ela sabe exatamente de onde a personagem vem e para onde vai.
Daniela Melchior deverá interpretar Ratcatcher.
A Viola Davis também é assim?
Das duas vezes que estive a filmar com ela, ela veio de estar a acabar uma série da Netflix e aterrou ali no “Esquadrão Suicida” com uma cena em que era só praticamente ela a falar. Eu só pensava: meu Deus, se alguma vez eu tiver uma cena assim… E o vocabulário era bastante específico porque é ela que nos dá a missão — era a descrição da missão. E quando a conheci quis respeitar muito o espaço dela porque ela tinha mesmo muito texto para ensaiar até ao momento de gravar, mas é uma pessoa muito acessível com toda a gente, muito querida também.
E o Idris Elba?
Já me deu muitos conselhos relativamente ao mercado europeu, porque ele continua muito presente em Londres, que é onde ele vive.
Esta é uma produção gigante, um autêntico blockbuster. Obviamente que já tinha noção disso, mas qual é que foi o momento em que teve mesmo essa sensação?
Foi quando entrei num dos sets, recriaram um elevado número de ambientes num estúdio… Em vez de irmos aos locais, eles recriaram vários locais, todos no set. E ao ver o número de sets diferentes é que eu percebi a dimensão. Coisas mesmo gigantes. E o próprio James Gunn disse-nos que este filme é o que tem maior orçamento de sets de sempre da Warner Bros. Eles nunca investiram tanto até este “Esquadrão Suicida”. E foi aí que me caiu a ficha. Mesmo dentro de Hollywood, isto é a nata das natas.
Depois de “Esquadrão Suicida”, o objetivo é continuar a trabalhar lá fora?
Se puder… até este filme acontecer eu nunca tinha posto em hipótese, era mesmo uma hipótese muito distante enquanto atriz. Eu nem queria porque nem colocava em hipótese. Há muitos atores que dizem que sempre tiveram esse sonho e de facto passam muitos anos a tentar ir para fora, sem ter garantias de nada. Comigo foi um bocadinho diferente, primeiro as coisas surgiram e depois é que eu reagi: ok, está bem. Depois deste filme acontecer, claro que ponho a hipótese de trabalhar lá fora e construir uma carreira lá. E para mim já não é um sonho e passa a ser um objetivo.
Tem continuado a fazer castings, a gravar self tapes?
Neste momento não porque o meu foco é mesmo ter a melhor prestação possível no filme, porque vai ser o meu cartão de visita e a minha apresentação ao mercado. E não quero correr o risco de sentir que podia ter dado o meu melhor se não tivesse que estar focada noutras coisas. Mas mal acabe o filme quero fazer, sim.
Se bem que vai existir sempre um tempo de espera longo entre acabar as gravações e estrear o filme.
Sim, até ter esse cartão de visita. O que acontece muitas vezes nos EUA é que só o facto de termos ido a casting e de termos trabalhado com alguém, se alguém estiver interessado em trabalhar comigo pode ligar para o James Gunn e perguntar: como é trabalhar com ela? Por acaso não tens material nenhum? Às vezes eles até se encontram pessoalmente para mostrar coisas para não enviarem a ninguém, mesmo antes de o filme sair.
E sente a responsabilidade tendo em conta a importância deste filme? Ou é mais pessoal, por ser um cartão visita?
Sinto uma responsabilidade enquanto atriz de dar o meu melhor. E sempre que vou filmar estou tão concentrada na cena e em dar o meu melhor que não penso “isto vai ser o meu primeiro filme, que me vai apresentar para outros, e quanto tempo é que posso estar à espera para o meu próximo filme”. Não penso em nada disso, sinceramente, só quando estou a falar sobre isso como agora [risos].
Faltam muitas cenas até fevereiro?
Estamos a três quartos do filme, já estamos quase a acabar.