Seria talvez a mais remota das preocupações na mente de Benedict Cumberbatch, mas a verdade é que o ator poderá, nos próximos meses, ver-se envolvido num custoso processo judicial. De acordo com o “The Daily Telegraph”, um dos governantes da ilha de Barbados — que no final de 2021 decidiu cortar os laços à monarquia britânica e se assumiu definitivamente como uma república — assumiu estar a preparar um pedido de reparação histórica que terá como alvo a família Cumberbatch.
O processo, que cita David Comissiong, estará “numa fase inicial” e irá reunir uma comissão nacional que tem como foco principal essas mesmas reparações. Chamam-lhes “reparações históricas” e o seu debate tem sofrido uma evolução nos últimos anos.
São, no fundo, compensações, pagamentos ou mesmo apenas pedidos de desculpas, feitos por indivíduos, organizações ou governos, como forma de reconhecimento e reparação de erros passados. Fala-se, naturalmente, de abusos dos direitos humanos, da escravatura e da colonização ou de outras formas de exploração.
E onde é que Benedict Cumberbatch entra nesta história? Para descobrir, é preciso viajar até ao século XVII, aos tempos de Joshua Cumberbatch, um longínquo antepassado do ator que aproveitou a expansão do império britânico para ocidente e se fixou em Barbados, ilha então parte das Índias Britânicas Ocidentais.
Segundo os responsáveis de Barbados, Abraham Cumberbatch terá adquirido a plantação de Cleland em 1728, na região norte da ilha. Durante um século, foi local de trabalho de mais de 250 escravos. Uma exploração que só terminou com a abolição da escravatura em 1834.
A abolição trouxe, no entanto, uma compensação. A Lei de Compensação da Escravatura de 1839 declarou que os antigos donos deveriam receber uma compensação pelo cumprimento da abolição, dinheiro que se juntou à enorme riqueza acumulada pela família Cumberbatch, graças ao trabalho escravo de um século nas duas quintas detidas pelos britânicos, Cleland e Lammings.
A família Cumberbatch é também conhecida pela sua proximidade à monarquia e pelas suas individualidades históricas. Robert William Cumberbatch chegou a ser cônsul britânico na Turquia e na Rússia, função que o bisavô do ator também assumiu. O avô, Henry Carlton Cumberbatch, combateu nas duas guerras mundiais e era figura proeminente da sociedade britânica. Mais: o próprio Benedict Cumberbatch é um primo muito afastado do Rei Richard III, que reinou no século XV.
Estes pedidos de reparações históricas têm sido tema recorrente, sobretudo nas comunidades caribenhas que viveram, durante séculos, sob domínio britânico. A pressão tem-se feito sentir com as constantes petições, uma delas, mais recente, dirige-se também a um dos membros do parlamento britânico.
Richard Drax, membro do Partido Conservador, tem recebido vários pedidos para que devolva a plantação de cana de açúcar em Barbados que pertencia à sua família e que acabaria por herdar. Tal como na maioria destas plantações, foram palco de trabalho escravo durante séculos. Em caso de recusa, fala-se já na instauração de um pedido de compensação.
Apesar de em várias ocasiões, Benedict Cumberbatch ter demonstrado arrependimento pelos atos da família, acabaria por se envolver em algumas polémicas. Em 2015, veio a público pedir novamente desculpa pelo uso do termo “atores de cor”, para se referir aos seus colegas negros. “Estou desolado por ter ofendido alguém ao usar esta terminologia datada. Peço as mais sinceras desculpas. Não me vou tentar desculpar pelo facto de ter sido um idiota. Sei que o mal já está feito”, referiu à época.
Um ano antes, discutia-se igualmente a obrigação ou não de Cumberbatch — e outros na sua posição — terem que se penitenciar publicamente pelos atos hediondos dos seus antepassados. Por essa altura, o ator brilhava em “12 Anos Escravo”, história que conta a história de um homem negro livre que se vê novamente tornado escravo. Cumberbatch assume o papel de um dos esclavagistas.
Anos antes, em 2006, o ator britânico participava noutro filme de época, “Amazing Grace”, que recordava a época da abolição da escravatura nos territórios britânicos. Cumberbatch chegou mesmo a indicar que terá aceitado esse papel como forma de se penitenciar pelos atos familiares.