Cinema
A história esquecida das mulheres que puseram o homem no espaço
O filme que conta estes episódios, “Elementos Secretos”, estreou nos cinemas portugueses na quinta-feira, 2 de fevereiro, e está nomeado para vários Óscares.
Os tempos da Guerra Fria — onde os EUA e os países ocidentais se opunham à União Soviética —, são muitas vezes contados como uma luta entre o bem e o mal, ou entre dois blocos compactos que só tinham problemas com os adversários. Nada podia ser mais enganador, especialmente quando nos lembramos dos Estados Unidos como o maior defensor da “liberdade”.
Debaixo desta narrativa conhecida, aconteciam graves problemas de segregação racial nos EUA — e que são retratados através de uma história específica no filme “Elementos Secretos”, que estreou esta quinta-feira, 2 de fevereiro, nos cinemas portugueses. Realizado por Theodore Melfi e com Taraji P. Henson, Octavia Spencer, Janelle Monáe, Kevin Costner e Kirsten Dunst no elenco, o filme está nomeado para vários Óscares, incluindo o de Melhor Filme e Melhor Argumento Adaptado — a história foi escrita no livro com o mesmo nome, de Margot Lee Shetterly.
O episódio pouco conhecido tratado no filme é o das matemáticas afro-americanas que trabalhavam na NASA e que foram essenciais para o programa do espaço nos EUA. Estas mulheres eram “computadores” antes de estes existirem, ou seja, faziam cálculos importantes para desenvolver os foguetões e as respetivas trajetórias.
A questão racial é importante aqui: os EUA viviam uma época de segregação, onde havia salas de trabalho separadas para brancos e negros, assim como casas de banho, lugares no autocarro ou máquinas de café, por exemplo. Esta realidade é bastante visível no filme, já que Katherine Johnson, a personagem de Taraji P. Henson, tinha de se deslocar quase um quilómetro para ir à casa de banho quando foi transferida para o sítio onde todos os engenheiros (brancos) estavam empenhados em pôr os astronautas no espaço.
Foi esta matemática brilhante — que saltou vários anos na escola pela inteligência que demonstrava — que conseguiu calcular os dados para que o astronauta John Glenn voasse em órbita à volta da Terra, e que regressasse a salvo. Isto foi essencial para que os EUA apanhassem a União Soviética na corrida pelo espaço, já que os russos foram os primeiros a pôr um homem fora do planeta.
“Vai buscar a rapariga para ver os números”, disse John Glenn referindo-se Katherine Johnson, pouco tempo antes de descolar na missão espacial. “Se ela disser que estão bem, estou pronto para ir.”
Katherine Johnson começou a trabalhar na organização antepassada da NASA nos anos 40 e por lá ficou até 1986. Em 2015, Barack Obama deu-lhe a Medalha Presidencial da Liberdade — Katherine Johnson tem hoje 98 anos.
Além de os negros serem discriminados, as mulheres eram duplamente vítimas, já que os seus feitos não eram valorizados e dificilmente tinham graus académicos. Mary Jackson (Janelle Monáe) foi outra cientista extraordinária — tornou-se a primeira engenheira afro-americana da NASA. Morreu em 2005.
Já Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) foi a primeira afro-americana gerente de grupo na agência espacial norte-americana. Na altura apareciam os primeiros computadores, da IBM, e dedicou-se a estudá-los, primeiro para não perder o emprego, depois para ensinar as colegas, e até se tornar uma programadora especialista. Morreu em 2008.
Numa entrevista com o “Deadline”, as atrizes admitiram que não conheciam a história destas mulheres antes do filme, mas que quiseram muito contá-la ao mundo.
“Não conhecia a história até ter o guião. Eu estava irritada, zangada, mas isto tornou-se um projeto de paixão. Eu tinha de fazer este filme”, disse Taraji P. Henson.
“Elementos Secretos” é a história esquecida das mulheres afro-americanas que deram o impulso ao programa espacial norte-americano para que este vencesse a União Sovietica e pudesse mandar um astronauta hastear a bandeira dos EUA na Lua em 1968.