Aos 29 anos, Joana Ribeiro é uma das jovens atrizes portuguesas que têm tido diversas oportunidades de trabalhar lá fora. Mas só a 17 de fevereiro chegou aos cinemas “O Homem que Matou Dom Quixote”, o primeiro filme internacional em que participou.
Dirigido por Terry Gilliam, tem uma narrativa que começa na atualidade, quando um realizador da área da publicidade conhece um mendigo que pensa que ele é Sancho Pança. Este homem acaba por ser sugado para uma fantasia sobre uma viagem no tempo e vai deixar de conseguir distinguir a realidade dos sonhos. É uma história inspirada nos livros icónicos de Miguel de Cervantes — mas bastante reinventada.
“O Homem Que Matou Dom Quixote” parecia um projeto amaldiçoado. Esta versão chegou a estar suspensa depois de um processo em tribunal que opôs o produtor português Paulo Branco — que iria ser o responsável local pelo projeto — a Terry Gilliam. Mas a história começou muito antes.
O filme começou a ser gravado em 2000, com um guião diferente e outros atores. Na altura, Johnny Depp era um dos protagonistas. Uma série de desastres e contratempos impediram o projeto de seguir em frente. O esforço heróico e épico de Terry Gilliam, bem como o seu desespero, ficaram registados no documentário “Lost in La Mancha”, que saiu em 2002.
Depois, foram criadas múltiplas versões do projeto, com outros atores e produtores, que não chegaram a avançar. Ewan McGregor, Robert Duvall, John Hurt, Gérard Depardieu, Jack O’Connell e Michael Palin foram alguns dos nomes associados. Todos estes anos depois, o filme foi gravado com Jonathan Pryce, Adam Driver, Stellan Skarsgård, Óscar Jaenada ou Olga Kurylenko, entre outros. Parte da rodagem aconteceu no Convento de Cristo, em Tomar.
Depois de termos entrevistado Terry Gilliam, a NiT falou com Joana Ribeiro sobre o filme. A atriz portuguesa vai ter outros projetos internacionais este ano: participa na série da Showtime e CBS “The Man Who Fell to Earth” e na nova temporada da produção alemã “Das Boot”.
Para quem conhece o imaginário de Dom Quixote, mas não sabe o que esperar deste filme, como descreveria a sua personagem?
A melhor descrição que posso dar não é minha. É de uma das pessoas que participaram na produção do filme, uma das minhas professoras de flamenco, que um dia me disse que a minha personagem era uma mistura de duas: começa com 16 anos e toda a vida pela frente. Mais tarde, torna-se uma jovem adulta com alguns sonhos destruídos. Primeiro é a Dulcineia, do Cervantes, com sonhos e o objeto da admiração de Dom Quixote. E transforma-se numa Carmen de Bizet, com força, paixão e resiliência. Achei muito engraçada essa caracterização.
Foi por aí que preparou o papel?
Já tinha preparado. Sem ter ouvido esta definição, já estava trabalhado dessa forma porque está bastante bem definido no guião o que cada uma é. E nas conversas com o Terry Gilliam, lembro-me de ele falar de uma “jovem Penélope Cruz“, que era o ele queria para a personagem. Vi o “Jamón, Jamón”, com a Penélope, que tem muito esse lado inocente, mas sensual ao mesmo tempo. Mais tarde, às vezes, a vida faz de nós pessoas amarguradas. A Angelica passou por um processo difícil, mas sem nunca perder a força que tinha e sem nunca se vitimizar.
O Terry Gilliam disse-nos que alguém lhe falou de si e, quando a conheceu, percebeu que podia ser a pessoa certa para o papel. Como foi para si?
Foi um processo interessante. Lembro-me de ouvir falar do filme e que ia acontecer. Sabia quem era o Terry Gilliam, claro, e pensei “uau, incrível”. Depois soube que estavam à procura de uma atriz portuguesa ou espanhola e que iam fazer castings. Conheci o Terry, gostei imenso dele, demo-nos super bem. Fiz o casting, dois meses depois soube que tinha ficado com o papel — foi um momento marcante na minha vida. Vi o “Lost in la Mancha”, o documentário sobre como o filme nunca tinha sido feito. Se pudesse fazer as coisas de forma diferente, nunca teria visto esse filme depois de ter ficado com o papel [risos], porque mais tarde o filme foi adiado indefinitivamente. Houve ali um período em que não sabia se ia avançar ou não. Isso deixou-me bastante… De repente, consegues uma coisa incrível e passados dois meses poderá não acontecer. Pensei: já foi espetacular conhecer o Terry e ter chegado até aqui. O que acontecer, acontecerá. Uns meses mais tarde, recebi um email do Terry a dizer que o filme ia ser gravado e continuava a querer que eu fosse a Angelica. Foi um momento de grande felicidade.
Além da complexidade da personagem e do texto — da tal definição que descreveu há pouco —, como se preparou para o papel?
Tive que aprender flamenco, que não é nada fácil [risos]. Mas é uma dança linda e maravilhosa. E pedi ajuda a uma das atrizes espanholas por causa do sotaque — porque o meu é mais americano do que propriamente europeu.
Na altura, diria que este papel foi determinante para o seu percurso profissional?
Sim, foi, até mesmo pessoalmente foi determinante. Fez-me perceber muitas coisas sobre mim, porque tinha 25 anos. Trabalhava há cinco anos, foi o meu segundo filme e a primeira vez que estive fora de casa durante tanto tempo, numa produção desta dimensão. Ajudou-me a perceber o que quero desta profissão e indústria. Aprendi a não me levar tanto a sério e a deixar-me tomar, às vezes, pelo improviso.
Como foi trabalhar com o Jonathan Pryce e o Adam Driver?
Foi incrível. Não só trabalhar com eles mas também vê-los a contracenar um com o outro. Foi espetacular, porque são duas forças muito diferentes e vê-los a adaptarem-se um ao outro foi quase como assistir a uma dança. O Jonathan Pryce vem do teatro inglês, e o Adam Driver vem de um ensino mais americano. São dois atores muito diferentes, ambos brilhantes, e foi muito interessante poder assistir ao que estavam a fazer, poder conversar com eles, conhecê-los. Foram sempre super simpáticos comigo e receberam-me muito bem. Foi uma experiência espetacular.
Qual foi o maior desafio?
Foi lidar com as expetativas, não tanto as minhas, mas as das outras pessoas. Sinto que, enquanto ninguém sabia que o filme ia acontecer, estava ótima e a divertir-me imenso. A partir do momento que se soube que ia fazer o filme, as pessoas começaram a falar sobre isso e lidar com essa expetativa foi mais complicado. Mas, lá está, foi superado.
Obviamente, desde então tem feito vários trabalhos internacionais. É aí que está focada?
Não acho que seja uma coisa na qual te possas focar conscientemente. É algo que acontece. Vou lidando à medida que as coisas acontecem. Surge um projeto e vejo se faz sentido ou não. Já disse que não a projetos internacionais porque não me faziam sentido, em prol de projetos portugueses. Não fiz a escolha “agora quero ser atriz lá fora”. Quero ser atriz. E, para mim, ser atriz é trabalhar em Portugal ou lá fora, que de alguma forma me façam melhorar.
O filme só estreou agora em Portugal. Para si também é o fim de um ciclo?
Sim, é agridoce. Fazer um filme é um processo com várias fases: quando sabes que ficas com a personagem, a preparação, a rodagem. Depois, quando estreia, deixa de ser nosso e passa a ser do público. E com este, como foi um processo tão longo e com vários atritos, estar a acontecer isto neste momento é… Por um lado, estava habituada à companhia que este filme me fez nos últimos anos. Por outro, também já estou com vontade de… Vejam, vá, estreia [risos]. Para mim, é importante que estreie agora em Portugal para que os meus amigos e família o possam ver.