Aos 65 anos, Joaquim de Almeida não dá sinais de abrandamento. A sua carreira internacional continua pujante e a 23 de fevereiro chegou aos cinemas portugueses mais um filme norte-americano com a sua participação.
Realizado e escrito por Nick Johnson e Will Merrick, “Missing – Desaparecida” é um thriller que acompanha uma jovem (Storm Reid) que tenta procurar online por pistas da sua mãe desaparecida. Esta é uma produção gravada em plena pandemia, com uma narrativa apropriada, em que se limitou ao máximo o contacto entre atores. As filmagens decorreram tanto nos EUA como na Colômbia, nomeadamente em Cartagena de las Indias.
Joaquim de Almeida vai também participar no próximo “Velocidade Furiosa”, que estreia a 18 de maio nas salas. Entra no próximo filme de Roman Polanski, “The Palace”. E ainda está no remake de “Road House”, realizado por Doug Liman. A NiT falou sobre vários destes projetos com o ator português de renome. Leia a entrevista.
O que é que lhe agradou quando foi convidado para participar neste filme que estreia agora nos cinemas?
Quando me convidaram fiquei surpreso, porque me disseram que gostavam de fazer um “anti-casting”. “Nos Estados Unidos estamos habituados a ver-te como o mau da fita, e achamos que era uma boa ideia as pessoas virem ao cinema e, de repente, descobrirem que és o bom”. Ao mesmo tempo, era um desafio. Porque a maneira de atuar neste filme é completamente diferente, estamos sempre a gravar só com a câmara, é como se estivéssemos a falar para o telefone. Portanto estava um bocadinho receoso… Não sou muito bom com computadores e telefones [risos]. Mas deu perfeitamente, gostei muito de trabalhar com eles. São dois realizadores novíssimos, com 20 e tal anos, cheios de energia. E criaram um filme com toda esta tecnologia que ficou frenético, com muito speed. A pessoa não pode sequer ir à casa de banho se não perde o fio à meada. A partir de certo momento, as coisas sucedem-se a uma velocidade estonteante. Fiquei muito surpreendido quando vi o filme.
Os receios que tinha inicialmente cabaram por se dissipar.
Primeiro ensaiei com a Storm Reid em Los Angeles. Li as coisas com ela, algumas enquanto ela filmava a parte dela no quarto. E depois, quando estava em Cartagena de las Indias ensaiávamos por WhatsApp, para ter noção de como é que ela reagia. Quando ia para outra cena, lá lhe telefonava outra vez e fazíamos o mesmo. Ela é muito expressiva, gostei muito de trabalhar com ela. A música também ajudou imenso, cria todo aquele suspense e agitação… Mas não sei se é um filme para toda a gente. Eu, que não percebo nada de tecnologia, comecei a perceber melhor os meus filhos. Uma amiga que viu o filme também disse “já percebo muito melhor a minha filha de 20 anos”. Mas também nos faz pensar… Porque a tecnologia é para o bem e para o mal, dá para os dois lados. Os hackers é o que mais para aí há, a facilidade com que ela consegue as passwords… A realidade é que hoje temos um Big Brother aqui em cima [aponta para a câmara do computador] e ela consegue descobrir e acaba por ver a mãe a ser raptada.
E quanto ao seu papel?
A personagem do Javi é simpática. Tive um certo gozo em fazê-la. Já tinha filmado três vezes em Cartagena de las Indias. À parte do calor, que é difícil, adoro aquela terra. E por isso é que também dissemos: não há make-up, não há cá nada. Até vi uma pessoa que fez um comentário algures a dizer “mas porque é que o Javi não tem sobrancelhas?” Porque o Joaquim de Almeida quase não tem sobrancelhas e desta vez não as pintou [risos]. Gostei porque dava muito mais naturalidade, assumia-se o vento, o suor… E aquela personagem é um faz-tudo, um homem que faz biscates. A última coisa de que ele estava à espera era de ser um investigador.
Teve de fazer alguma preparação específica para este papel?
Não, da personagem percebia bem. Ele não falava muito bem inglês, mas começa a sentir uma empatia por ela, porque ele tem um filho, tem problemas com ele… É uma das relações que funcionam bem no filme, a June e o Javi. Acabam por se dar bem, por terem uma relação mais ou menos de filha e pai — o pai que ela nunca teve, o filho que ele agora não tem.
Estava a dizer que quando o convidaram para o papel fizeram uma espécie de anti-casting, no sentido de que era um homem bom e não um mau da fita como tantas outras vezes interpretou nos EUA. Houve maus da fita em específico que levaram os criadores do filme a convidá-lo para este papel?
Eles são muito novos, mas são cinéfilos, então viram muita coisa. Tenho filmes como o “Desperado” ou o “Perigo Imediato”, que estão sempre a passar na televisão. E inclusive agora tenho uma série chamada “Ganglands” na Netflix em que volto a fazer uma personagem a que estou mais habituado. Agora, ao fim de 150 filmes e séries de televisão, já me chamam de ator veterano. Começo já a ser o mais velho no plateau. Por acaso fiz agora um filme com o Roman Polanski que, aí, tenho de dizer, senti-me bastante novo. Era dos mais novos [risos], finalmente. Mas no “Missing” foi uma lufada de ar fresco trabalhar com gente tão nova e muitos bons profissionais.
Imaginava-se, quando começou a sua carreira no estrangeiro, a estar tão ativo em filmes e séries internacionais com esta idade?
Sei lá, um gajo vai trabalhando, continua… Agora tenho três filmes para saírem, uma série e um filme que acabam de sair. Para já tenho outras coisas para fazer e quando menos se espera telefonam-me a oferecer qualquer coisa. Tenho algumas ofertas, estou a ler e a ver o que vou fazer. Se me imaginava? Talvez não. Por exemplo, achei que com a Covid estávamos tramados, que ia parar tudo. Mas mal a Covid começou a desaparecer, o trabalho apareceu e com muito mais velocidade. Estes últimos dois anos foram de muito trabalho. Mas agradeço continuar a trabalhar. Vou fazer 66 anos, não sei, pelo menos mais 10 anos espero que sim.
O Joaquim também vai entrar no próximo “Velocidade Furiosa”. Este regresso também é marcante par si?
Não estava nada à espera, porque eles mataram-me no primeiro em que apareci. Isto são tudo flashbacks e umas cenas que não são, mas puseram-me os pontinhos na cara toda para depois me porem mais novo, igual ao que era. Trabalho com o Jason Momoa, que será uma grande surpresa, pois somos da mesma família [risos]. No trailer o Momoa diz “destruíste a minha família” e aparece a minha cara, apareceu logo alguém a dizer “Não me digam que o Joaquim de Almeida agora é pai do Jason Momoa”… O que é que se pode fazer? [risos] Não faço ideia de como é o filme, apareço mesmo no princípio, não vão tarde se não não me apanham. Acho que vai ser o último, dá-me ideia disso, e foram buscar todos os outros atores que fizeram a saga.
E este filme tem a particularidade de ter tido cenas gravadas em Portugal e de também ter outra atriz portuguesa, a Daniela Melchior. Isso também é importante para o Joaquim?
E trabalhei com a Daniela Melchior a seguir, outra vez, no “Road House”. Se calhar estou a acabar e ela a começar, tem menos 41 anos do que eu.
É uma passagem de testemunho?
Esperemos que sim. Agora ela é que tem de saber como se aguentar. Porque começar começamos, o difícil é continuar e aguentar lá em cima a trabalhar durante tantos anos. Porque há imensos atores que tiveram uma carreira e depois perguntamos “mas onde é que eles andam?” Desaparecem. Porque as pessoas também se chateiam e isto é uma profissão em que não é fácil ter família. Eu que o diga, porque estive sempre muito longe dos meus filhos.
É curioso que tenha trabalhado com a Daniela e também, por exemplo, com a Alba Baptista em “Warrior Nun”, duas jovens atrizes portuguesas que estão a construir carreiras internacionais de sucesso. Existem hoje melhores condições para que um ator português consiga fazer um percurso internacional?
Muito melhores. Não é preciso viver nos Estados Unidos. Os castings fazem-se por Zoom, é tudo mais facilitado, têm agentes cá e agentes lá. Na minha altura era completamente diferente. Não tínhamos telemóveis, tínhamos de telefonar para um número para ver se tínhamos recados, para saber onde iríamos fazer as audições… Andávamos na rua de um lado para o outro para fazermos audições. Era preciso ter-se uma licença de trabalho na América, o que não era fácil de obter. Tive que lá estar muitos anos, depois acabei por ter a carta verde e também me tornei norte-americano. Agora não é preciso nada disso. Pode-se viver perfeitamente no país onde se quer. O meu filho também quer ser ator, já fez umas coisinhas, está agora na série do Padre Amaro, mas já lhe disse: “Lourenço, se calhar estás melhor aqui do que em Nova Iorque”. Ele quis ir estudar para lá, achei muito bem. Não estava contentíssimo que ele quisesse ser ator, mas pronto, ele insistiu e ajudei-o. Vamos ver. Ele vai fazer umas coisinhas, mas tem de fazer mais. Ele tem medo de chatear as pessoas, mas não pode, no cinema temos de chatear. Se não, não nos dão emprego.
Não ficou contentíssimo que o seu filho se tornasse ator devido às desvantagens da profissão?
Ele foi tirar economia e política, depois foi para Teatro… Mas isto porquê? Os atores que andaram comigo na escola e que tiveram sucesso são menos que os dedos da minha mão. Por isso não é uma coisa assim tão fácil. É uma profissão em que temos de lidar muito com a rejeição. Muitos atores que hoje são muito conhecidos ouviram a palavra “não” inúmeras vezes. “És muito novo” ou “não és bom o suficiente”. Por exemplo, aquelas duas atrizes de que falámos estão muito bem lançadas — e há outros — a questão é como é que se aguenta lá em cima. Temos de ter cuidado com as coisas que escolhemos e continuar. Um dos atores com quem mais aprendi foi o Michael Caine. Nem sempre fez filmes incríveis, mas ele estava sempre bem. E o importante é fazermos o nosso trabalho independentemente de o filme ser bom ou mau, até porque no início não podemos propriamente escolher. Depois há aqueles em que é impossível [risos], são tão maus… Por acaso tive sorte que tive muito poucos desses.
Que filmes é que hoje em dia não faria?
Não me apetece dizer, porque depois as pessoas… [risos]. Mas um em França, um ou dois em Espanha, aqui em Portugal gostei mais ou menos de tudo o que fiz, nos Estados Unidos também há um ou dois…
Olhando para a frente, como disse que gostaria de continuar a trabalhar pelo menos durante mais 10 anos, que papel é que não teve ainda a oportunidade de interpretar, mas gostaria muito de fazer?
Há milhares de papéis que não tive oportunidade de fazer! Gosto sempre que me surpreendam com um guião novo, com uma personagem nova. Agora gostava de ter bons desafios. Neste do Polanski é uma comédia onde sou um cirurgião plástico. Nos outros serei mau da fita, é o que se pode. Mas agora até escrevi com um amigo um projeto… Porque me perguntam sempre isso, que papel é que eu gostava de fazer. E é um papel que imaginei para mim, do tempo da Segunda Guerra Mundial, um tipo que fala várias línguas, faz-se passar por outro, é ator. Vamos ver. Estamos agora a trabalhar para conseguir dinheiro para produzir o filme.