Era apenas Zoë para os colegas, Zoë Moon para os professores. A mudança de apelido foi uma das estratégias da mãe para tentar dar à filha uma infância e adolescência o mais normais possível. Algo quase impossível.
A mãe, Lisa Bonet, era uma das caras conhecidas da televisão norte-americana. O pai era uma das maiores estrelas rock do mundo, Lenny Kravitz. Nada na sua vida era igual à dos colegas, mas isso não a impediu de sofrer dos mesmos males de tantas outras jovens adolescentes.
“Passei um mau bocado entre os 16 e os 18. Comecei a sofrer com transtornos alimentares na escola”, recorda numa entrevista sobre a anorexia e bulimia que a afetou durante anos. “Creio que fez parte do facto de ser mulher, mas também de estar rodeada pela fama. Ou melhor, talvez não tenha sido a fama, mas creio que viver nesse mundo me trouxe mais pressão.”
Não era essa a intenção dos pais. “A minha mãe tentou dar-me a oportunidade de ser uma miúda normal”, conta sobre a infância. Não foi criada por amas e manteve sempre uma relação próxima com os pais, mesmo depois do divórcio. O que ninguém conseguiu evitar foi a sua própria ascensão à fama.
Kravitz é uma espécie de faz tudo: compõe música, é atriz e ocasionalmente assume o papel de modelo em campanhas de diversas marcas. Esta quinta-feira, 3 de março, estreia aquele que poderá ser o seu maior papel: é Catwoman no novo e tão aguardado filme do Cavaleiro das Trevas, “The Batman”, interpretado por Robert Pattinson.
Sucedeu então a Michelle Pfeiffer, Halle Berry e Anne Hathaway no papel. À imagem da sua rebeldia, acabou por transportar para a personagem a bissexualidade latente na banda-desenhada, mas que nunca havia sido traduzida no cinema.

Menos fácil foi o papel que teve que assumir em 2013, em “The Road Within”, onde interpretava Marie, uma jovem de 20 anos que sofria de anorexia. Era um papel demasiado próximo da sua vida real. “Os meus pais ficaram com muito medo que voltasse a entrar por esses caminhos”, recorda. Interpretar a personagem obrigou-a a perder algum peso. Um choque para a mãe que, quando a viu, não conseguiu conter as lágrimas.
“Foi complicado. Conseguia ver as minhas costelas. Estava só a tentar perder mais peso para o filme, mas não conseguia ver-me ao espelho. Já está, pronto, pára. Foi assustador.” A recuperação não foi fácil. A menstruação tornou-se incerta, o sistema imunitário estava debilitado e até a tiróide foi afetada.
Hoje, olha para o papel como algo que a ajudou a ultrapassar as suas próprias fragilidades. “Obrigou-me a confrontar os meus demónios, a compreender e aceitar as inseguranças que tenho e ajudou-me a perceber que é muito fácil voltar deixar-me cair nesse buraco.”
A par da carreira no cinema e na televisão, Kravitz apostou também no genes musicais passados pelo pai. Começou a compor aos 16 e aos 21 formava a sua primeira banda, os Elevator Fight, apesar de referir sempre que tudo não passava de um hobby.
Os concertos escasseavam, mas em 2014, imediatamente no rescaldo do complicado papel em “The Road Within”, refugiou-se na música com a criação dos Lolawolf — nome inspirado nos seus dois meios irmãos e filhos de Jason Momoa, Lola e Nakoa-Wolf — , numa dupla com Jimmy Giannopoulos. Lançou dois discos: um em 2014, outro em 2020 e um single com a sua amiga Miley Cyrus.
Para quem trata a música como um hobby, as mais recentes notícias parecem contrariá-la. Kravitz estará precisamente a trabalhar em novos temas, a solo, com a ajuda de Jack Antonoff, compositor e produtor ligado a outras artistas como Taylor Swift, Lorde ou Lana del Rey. “Escrevi os novos temas ao longo de muito tempo, a capturar subconscientemente tudo o que me foi parecendo interessante”, explica à “AnOther Magazine”. “É muito pessoal, fala sobre amor e perda. Casei-me, divorciei-me. As separações são sempre tristes, mas têm coisas belas também.”
A relação de que fala é, sobretudo, a que manteve com o ator Karl Glusman, com quem casou em 2019. Separaram-se pouco mais de um ano depois e o divórcio foi oficializado no verão de 2021. As suas relações incluem outros nomes famosos como Penn Badgley, Michael Fassbender e, mais recentemente, Channing Tatum.
Em 2020, foi-lhe dada uma das maiores oportunidades da carreira. Seria a protagonista de um remake do filme “Alta Fidelidade”, inspirado num livro de Nick Hornby. A produção original, que estreou em 2000, tinha John Cusack como protagonista — e, curiosamente, a sua mãe Lisa Bonet, interpretava um papel secundário. A nova “Alta Fidelidade” apostava numa recriação quase cena por cena do original, mas com um twist. O protagonista mudava de sexo e Zoë Kravitz seria Robyn Brooks, a dona de uma loja de discos que luta para sobreviver, agora num mundo onde reinam as plataformas de streaming. As mudanças do filme para a série refletiram a mood atual. Rob é bissexual e os seus assistentes reinventam-se. Cherise é uma mulher negra e Simon é um dos seus crushes — um homossexual que acaba de sair do armário. Apesar das boas críticas, a série acabaria por não ser renovada para uma nova temporada.
O que ninguém pode negar é que não só Kravitz era perfeita para o papel, como conseguiu tornar a sua personagem num símbolo do mais cool que existe na televisão. E não é só na televisão: a atriz tornou-se num ícone rebelde, graças às suas mais de vinte tatuagens — a própria assume que tem “uma espécie de vício” —, piercings e estilo descontraído. Sem deixar de se esmerar nas sessões fotográficas de grandes marcas como Calvin Klein, Balenciaga, Vera Wang ou Swarovski, para as quais já fez várias campanhas.
A poeira de “The Batman” ainda não assentou e Zoë Kravitz já está a preparar outra aventura: quer estrear-se como realizadora. O seu primeiro filme chama-se “Pussy Island” e está a ser preparado desde 2017. “Tive imenso tempo livre depois das gravações de ‘Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los’ e estava a sentir uma enorme frustração e raiva contra os homens, sobretudo na minha indústria. Senti que faltava uma conversa que era necessário ter”, conta.
“A minha imaginação arrancou e comecei a escrever algo com base nesses sentimentos. Depois veio a história do Harvey Weinstein e o mundo mudou. A narrativa evoluiu com o mundo.” Trata-se de um thriller sobre uma jovem empregada de bar que se apaixona por um guru da tecnologia que, segundo se sabe, será interpretado pelo seu namorado, Channing Tatum. “Tem uma faceta de thriller, mas é uma comédia, um drama e tem um bom coração.”