Cinema

Manuel Pureza: “Fazer cinema ou televisão em Portugal é operar pequenos milagres”

O realizador regressa com um filme sobre a negação da chegada à idade adulta. "Os Infanticidas" estreou a 13 de março.
É baseado na peça de teatro homónima.

Em 2018, Manuel Pureza deu por si sentado na plateia do Teatro da Comuna, em Lisboa, a refletir sobre a perda da juventude. Tinha acabado de assistir à peça “Os Infanticidas”, de Luís Lobão, e sentiu que “faltavam adjetivos” para descrever “a forma inovadora” como cada cena abordava o tema da amizade e a realidade sobre a inevitabilidade de crescer.

O realizador de 41 anos saiu da sala de espetáculos convicto de que aquela narrativa tinha de ser adaptada ao cinema. A ideia “ficou a marinar” durante dois anos e, quando veio a pandemia, decidiu agarrar na história original e trabalhar num filme homónimo, que estreou nos cinemas nacionais esta quinta-feira, 13 de março.

Para Pureza, esta longa-metragem foi “um exercício de liberdade tão grande que é difícil de rotular”, explica à NiT. “Não é uma mera adaptação de um espetáculo teatral, mas uma tentativa de fazer um caleidoscópio sobre esta coisa que é sermos amigos. Às vezes, perdemos amizades porque aparecem outras coisas na nossa vida.”

“Os Infanticidas” conta a história de dois amigos que prometem não crescer. Caso o façam, comprometem-se a acabar com a própria vida. Entre o dia da promessa e o dia em que a idade adulta chega, as angústias e os medos, as esperanças e os sonhos, fazem com que não seja fácil chegar aos trinta.

Composto pelo elenco da peça original, João Vicente, Anna Leppänen, Luís Lobão e Joana Campelo, marca o regresso de Manuel Pureza ao cinema após a comédia “Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó”, de 2023. É, por isso, a primeira longa-metragem do cineasta fora do universo televisivo, formato no qual trabalha há vários anos. 

“Com este projeto, não quis fazer um thriller, uma comédia ou um drama. Quis que fosse um exercício de liberdade artística, deixando-me levar pelas cores, sons e imagens. Há essa liberdade para ser um bocado experimental”, afirma o realizador.

Desde o início, soube que “só fazia sentido trabalhar com esta equipa. “Os Infanticidas” é precisamente o resultado de uma pesquisa entre os cinco. “Falámos sobre a imagem e a lógica que queríamos”, diz. “É um filme comandado pela palavra. Podia ser só escutado, mas ganha-se muito em vê-lo. Não é um filme de diálogos, mas está assente na palavra.”

Manuel Pureza junto uma pequena equipa e concluiu a produção em cerca de 17 dias, em parte devido às imposições colocadas pela pandemia, mas também devido às dificuldades financeiras. “É o problema de tudo o que fazemos cá. Não há apoio para aprofundar certas coisas ou trabalhar a fotografia de maneira cuidada. Fazer cinema ou televisão em Portugal é operar pequenos milagres.”

A meio da rodagem, o realizador ainda sofreu um acidente de mota, mas nem por isso deixou de gravar. “O exercício com os atores correu muito bem, mas estávamos limitados”, continua. “O ‘Anora’ foi feito com seis milhões e é curtíssimo. Nós, com produções que são 20 vezes maiores, temos um milhão.”

Este filme chega aos cinemas numa altura em que Manuel Pureza se prepara para trabalhar numa nova série televisiva para a RTP, com a mesma equipa da série “Pôr do Sol”, com estreia prevista para o verão. Vai navegando por vários estilos e, afirma, quer continuar a “explorar o maior número de géneros possível”.

“Se a história for boa e se tiver impacto na minha vida, fico convencido”, explica, recordando que começou a carreira com uma curta de terror, em 2012, chamada “A Bruxa de Arroios”. “Enquanto realizador e espetador, não há nada que me assuste experimentar.” 

Manuel Pureza destaca ainda a dificuldade de penetrar o público nacional. “As pessoas nascem e já dizem que o cinema português é mau, muitas vezes nem viral o filme”, observa. “Ao contrário do que se diz, é variado, está vivo e tem interesse, quer falemos de um Manoel Oliveira ou de um realizador emergente.”

Com “Os Infanticidas”, esclarece, “não há a tentativa de entrar no Panteão do cinema nacional”. “Não é o Messias que o vai salvar”, sublinha, mas também não tentou que fosse mais acessível. “Não vai ter um quarto da aceitação [de ‘Pôr do Sol’], mas não foi pensado para ser compreendido de maneira fácil. É como ler um capítulo de ‘Os Maias'”. 

Ainda assim, a produção puxa pelo nosso lado mais inocente, a mesma versão que o realizador encontra quando está a olhar para os três filhos e sente vontade de brincar, como se ainda tivesse a idade deles. “Só o facto de ter de elaborar o sentimento desta forma é triste.”

“Quer se queira ou não, crescer é comprometer-se. Custa, é difícil e dói, porque nos desligamos dos miúdos que fomos e continuamos a ser, apesar deste jogo de regras adultas”, conclui. “Crescer é comprometer-se. E não é por termos 40 que paramos de pensar como era bom brincar quando tínhamos 10.”

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