Angelina Jolie já foi agente secreta, bruxa má e até um peixe. Agora, encarna a intemporal diva da ópera Maria Callas, no filme que estreou esta quinta-feira, 16 de janeiro, nos cinemas em Portugal. A narrativa de “Maria” desenrola-se em 1977, quando a famosa soprano vive isolada em Paris, acompanhada pelos seus empregados e dois caniches, à medida que a sua saúde se deteriora.
“É então que recebe um pedido para voltar a fazer uma digressão. Será que Callas vai voltar a cantar? E se sim, para quem?”, lê-se na sinopse. Inspirado em eventos verídicos, “Maria” narra a tumultuosa, bela e trágica vida da maior cantora de ópera do mundo. Após “Jackie” e “Spencer”, esta é a terceira incursão do realizador Pablo Larraín no universo das biopics. O trabalho do cineasta dentro deste género tem sido bem recebido: “Spencer” rendeu a Kristen Stewart uma nomeação ao Óscar.
Quem também pode receber uma indicação ao maior prémio do cinema é Angelina Jolie. Desde que “Maria” estreou nos cinemas dos Estados Unidos a 27 de novembro (e na Netflix norte-americana a 11 de dezembro), a atriz de 49 anos tem recebido inúmeros elogios dos críticos e espectadores. Esta seria a terceira nomeação após “A Troca” e “Vida Interrompida”, filme em que venceu, inclusive, o galardão na categoria de Melhor Atriz Secundária.
A preparação para o papel foi uma das mais difíceis da sua carreira, confessa a atriz à “Associated Press”. Durante sete meses teve aulas de canto sob a orientação de Eric Vetro, professor que já trabalhou com artistas como Ariana Grande e Lea Michele. “Nunca tinha visto uma diferença tão grande entre o primeiro e o último dia”, revelou Vetro à revista “People”, em dezembro de 2024. Durante a pós-produção, a voz de Jolie foi misturada com gravações autênticas de Maria Callas.
“A minha relação com a ópera mudou imenso”, contou Jolie à estação de rádio Classic FM. “Agora faz parte da minha vida e mudou muito a minha voz.” Nunca tinha cantado em público e, no final das gravações, sentia-se uma pessoa completamente diferente. “Não sabemos a verdadeira capacidade da nossa voz e do nosso corpo. Tudo aquilo que passámos na vida — o que tememos, o que nos magoa e as mágoas que guardamos — refletem-se quando cantamos. Este filme foi uma bênção e quase terapêutica”, revelou a atriz.
Sentir-se confortável a cantar à frente de uma vasta equipa foi um processo demorado. Nos primeiros dias confessou-se “terrivelmente nervosa”, mas sabia que tinha de dar tudo de si no papel, até porque Pablo Larraín não aceita “que as coisas sejam feitas pela rama”. “Ele exige, da forma mais maravilhosa, que realmente faças o trabalho e que realmente aprendas e treines.”
Segundo Jolie, será a sua estreia como cantora e, devido aos nervos, o primeiro ensaio foi feito numa “pequena sala” com os filhos a aguardar a porta. “Nos meus primeiros dias, o Pablo foi muito bom para mim porque começámos de uma forma mais íntima, com poucos membros da equipa.”
As filmagens terminaram com a interpretação de “La Scala”, uma peça de ópera, à frente de todos os membros. “Tive algum tempo para ganhar coragem, mas isto foi a coisa mais difícil que alguma vez fiz. Estava aterrorizada”, confessa. Nas primeiras semanas, nem o corpo de Angelina Jolie estava preparado para o esforço a que seria submetido. “Quase desmaiava todos os dias. O meu corpo não era forte o suficiente. É uma das coisas mais esgotantes que podemos fazer.”
Apesar de toda a sua preparação, grande parte da voz ouvida no filme vem da própria Maria Callas. Larraín combinou técnicas musicais e movimentos físicos para fazer com que Jolie se transformasse na cantora no ecrã, mesmo que nem sempre seja a sua voz. “A ópera exige um estilo de canto muito particular — no tom, na respiração, na postura,” disse o realizador de 48 anos em conferência de imprensa. “Às vezes é um bocadinho da Angie e, na maior parte, é a Maria, e outras vezes é mais equilibrado, mas está sempre lá. Precisávamos de fazer isso porque era a única forma de ela preparar corretamente a personagem, interpretá-la bem e criar a ilusão certa.”
Para Pablo, fazer um filme focado na história de Maria Callas foi a oportunidade perfeita para voltar a apresentar ao mundo “uma das vozes mais icónicas da história”. Natural de Santiago, no Chile, o realizador visitava frequentemente a casa de ópera da cidade. Foi a sua mãe, Magdalena Matte, que o apresentou à cantora que morreu a 16 de setembro de 1977, em Paris, vítima de um ataque cardíaco.
Com a obra, pretende mostrar que a ópera não é uma arte apenas criada para as elites, uma crença que também era partilhada por Callas. “Para ela era apenas algo com a qual as pessoas se conseguiam identificar e emocionar e isso é lindo”, disse à Classic FM.
Em vida, a artista também se certificou de que levava o seu talento até diferentes públicos, para países além de França e Itália. A 27 de março de 1958, no auge da sua carreira, apresentou no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, a ópera “La Traviata”. Álvaro Malta, que contracenou com a cantora, descreveu a sua prestação como “extraordinária”.
“A Callas que eu conheci era uma extraordinária cantora de ópera, tanto a nível vocal como interpretativo”, disse à “Lusa”, citado pela RTP, em 2007. Quando aterrou na capital um dia antes, Callas foi aguardada à porta do avião por José Figueiredo, que na altura era o diretor da casa. O rosto da artista surgiu nas primeiras páginas de diversos jornais.
“Na altura, a Callas era considerada uma fera. Na realidade era uma senhora extremamente gentil, mas que exigia respeito”, afirmou Álvaro Malta, que tem até um episódio especial com a norte-americana, natural de Manhattan, em Nova Iorque. “No terceiro ato, ela entrava pelo meu braço, com um leque enorme e deixou-o cair. Eu tinha de cantar e não podia apanhá-lo e ninguém sabia o que fazer. Acabei por dizer a minha frase e depois baixei-me e apanhei o leque. Ela disse uma única palavra e não foi ‘obrigada’, foi ‘scusa’ (desculpa)”, recordou. Ao mesmo tempo, salientou o respeito que Callas mostrou pelos colegas em Lisboa.
Segundo o “Diário de Notícias” de 28 de março de 1958, “o público fez-lhe intermináveis ovações em todos os atos”. A atuação em Lisboa também foi importante porque teve lugar poucos meses depois de um dos momentos mais polémicos da carreira de Callas.
A 2 de janeiro de 1958, a soprano saiu do palco durante o primeiro ato de uma atuação de “Norma”, uma ópera criada por Vincenzo Bellini, em Roma. A artista afirmou que se sentia doente, mas a atitude não foi bem recebida pelo público e foi altamente criticada no país. “Ela era altamente temperamental e isto foi uma atitude característica da diva greco-americana, que tinha tanto drama na sua vida pessoal como no palco”, escreveu a “History” numa publicação a 9 de fevereiro.
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