Tal como tantos outros miúdos da sua geração, Martim David Gomes cresceu a ver filmes da Disney. O seu favorito — que ainda hoje se mantém — é “O Rei Leão”, que na verdade estreou três anos antes de nascer, em 1997. Martim David Gomes é hoje realizador de cinema e, além disso, é um dos dez finalistas do concurso New Talent, organizado pela NiT e pela Santa Casa da Misericórdia, que escolheu os dez jovens com menos de 27 anos que se têm destacado na área de lifestyle. O vencedor poderá vencer um prémio de dez mil euros.
Tem apenas 22 anos mas em abril deste ano — quando tinha só 21 — recebeu o prémio de Melhor Thriller no NoHo — North Hollywood CineFest, em Los Angeles, nos EUA, por causa da sua curta-metragem “Dessert”.
Cresceu entre Lisboa e Oeiras — os pais são divorciados e tem três irmãos — e lembra-se que no externato em que fez a escola primária existia o hábito de todos os dias verem um filme a seguir ao almoço. “Havia um em particular que estávamos sempre a pedir para ver, não me lembro do título mas era alguma coisa de animação em que eles tinham super-poderes”, conta Martim David Gomes à NiT.
Teve uma infância normal, sem nada que o ligasse de forma especial ao cinema, apesar de ter um lado artístico desde cedo. Começou a ter aulas de piano aos seis anos (era uma atividade complementar na escola), muito impulsionado pela mãe, que é arquiteta (tal como o pai), mas que além disso é artista: faz esculturas, pinturas e ainda é professora de biodanza.
“A minha mãe basicamente forçou-me a tocar, eu achava que era super secante, estava no primeiro ano da escola. Mas acabou por ser das coisas mais importantes da minha vida. Inicialmente fiz só durante um ano, mas no final do ano havia sempre um recital e vi uma rapariga a tocar piano e fiquei: porque é que não sou eu a tocar aquilo? E voltei e continuei a ter aulas durante alguns anos.”
Além de ser realizador, Martim David Gomes toca piano e compõe canções originais para os seus filmes — aliás, pode ouvir algumas músicas no seu site oficial, onde vai divulgando o seu trabalho. Em casa tinha um piano de parede, que pertencia à mãe, onde tocou e aprendeu como autodidata ao longo dos anos — o YouTube também ajudou.
Quando era criança, tinha a ideia de se tornar paleontólogo. Os animais — e, em específico, os dinossauros — fascinavam-no e começou a ter a ideia de fazer algo da vida ligado à ciência.
Tudo mudou quando certo dia, num fim de semana em casa do pai, descobriu um programa informático onde podia criar animações. Tinha uns 11 anos. Martim David Gomes ficou quase obcecado com aquilo e começou em casa a experimentar, a descobrir novos softwares, a fazer animações.
Mais tarde, passou a editar os vídeos de férias da família ou a fazer pequenas brincadeiras com imagens reais — tudo num processo gradual. Além disso, desenhava muito e transportava as ilustrações para a animação virtual. Aos 15 anos já tinha em mente que aquilo que queria fazer era algo relacionado com esta área e optou pelo curso de Artes no ensino secundário.
O filme que mudou tudo foi “Shutter Island”, de Martin Scorsese, que estreou em 2010. Martim David Gomes viu-o em casa no ano seguinte e ficou completamente extasiado. “Fiquei tão apanhado pela viagem do filme, pela forma como o realizador te leva a crer uma coisa, quase te manipula, e depois é outra coisa. Achei aquilo brutal, pensei que gostava de ter esse poder, que queria fazer aquilo. E foi a partir daí que comecei a ver bons filmes.”
Martim David Gomes começou a assistir a histórias de realizadores conceituados, mas ao mesmo tempo populares, como Scorsese ou Quentin Tarantino. Scorsese e Jean-Pierre Jeunet são até hoje as suas maiores referências.
Não demorou muito até perceber que gostava mesmo de ir estudar Cinema. Não ouviu falar bem das escolas portuguesas e, por outro lado, conhecia várias pessoas — filhos de amigos dos pais, por exemplo — que tinham ido estudar para Londres, no Reino Unido, e que estavam a adorar a experiência.
Foi então que decidiu ir estudar Cinema para a Middlesex University. Lá aprendeu quase tudo — desde a realização à edição, passando pelo trabalho com as câmaras —, mesmo que tivesse gostado de aprofundar mais a parte teórica sobre a evolução do cinema e os vários estilos que é possível ter. Ao mesmo tempo, adaptou-se bem a Londres. “Foi super fácil e havia pessoas de todos os sítios. E a minha família sempre me apoiou neste processo, mesmo que a minha mãe fosse a grande força.”
Ao longo do curso, trabalhou em vários filmes curtos. Fez primeiro a comédia “Run While You Can” — a partir de um guião de um colega —, sendo que olhou para esse trabalho mais como um exercício e menos como uma criação sua.
Seguiu-se “Dessert”, a curta-metragem thriller que fez com que ganhasse o tal prémio em Hollywood. “Foi muito duro, foi um dos momentos mais difíceis na minha vida, praticamente tive de expulsar a produtora para eu assumir esse papel, mas o filme era o meu bebé e valeu a pena.”
Martim David Gomes assume os thrillers psicológicos como o seu género favorito de histórias e de cinema mas diz que gosta de todos os estilos e que quer experimentar tudo.
O mais recente que fez, já fora do curso — está licenciado há um ano —, foi o documentário “My Life Changed While I Danced”, sobre a prática da biodanza. “A minha mãe é professora e sempre conheci pessoas que me contavam como a biodanza tinha mudado as suas vidas e como se sentiam melhor, no fundo quis perceber isso e ouvir esses relatos.”
Neste momento continua a viver em Londres — trabalhou como assistente de arte nalgumas produções maiores — e quer continuar a fazer o mesmo, para crescer na indústria britânica, mesmo que, caso não corra bem, não ponha de lado a hipótese de regressar a Portugal. Em simultâneo, quer trabalhar nos próprios projetos e continuar a furar no circuito dos festivais. “O reconhecimento do prémio foi bom e agora sinto que consigo fazer um bom filme, que tenho uma linguagem de cinema, é bom ter esse conforto.”
Se vencer o prémio New Talent de dez mil euros, quer investir o dinheiro no seu próximo projeto, que está previsto para 2020. Será uma curta-metragem, no máximo com 15 minutos, chamada “As Mãos”.
A partir das mãos de um rapaz, e sem diálogos, vai contar a história de como o protagonista cresce num mundo opressivo e depois como é que o vai ultrapassar. “Por exemplo, se for um momento difícil vai ter as mãos tensas. A ideia é contar a história dando grande destaque às mãos.”