Estreado em 2002, “Cidade de Deus” continua a ser um dos filmes mais aclamados de sempre. A obra-prima de Fernando Meirelles e Kátia Lund, que retratava a vida nas favelas do Rio de Janeiro, enalteceu o cinema brasileiro e tornou-se um autêntico marco cultural. “Medida Provisória”, ao que tudo indica, irá destronar esta icónica produção.
Agora, estreia a produção que os críticos do festival Pan African Film consideram “o melhor filme brasileiro desde ‘Cidade de Deus’.” Chama-se “Medida Provisória” e chega aos cinemas portugueses esta quinta-feira, 20 de abril. Foi realizado por Lázaro Ramos (que também co-escreveu o argumento) e Flávia Lacerda.
Esta é uma distopia passada num Brasil com um perigoso governo autoritário, de tendências extremistas — não é coincidência que a narrativa tenha surgido durante a governança de Jair Bolsonaro. Na origem está uma peça de teatro, “Namíbia, Não!”, de Aldri Anunciação, que foi adaptada para uma nova história para chegar ao cinema.
A premissa do filme é muito simples. O tal governo autoritário decreta uma medida: todos os afrobrasileiros — ou seja, os brasileiros negros — terão de se mudar para África. Obviamente, esta iniciativa vai gerar uma grande confusão na sociedade.
Por um lado, existem aqueles que obedecem e rumam ao continente africano, mesmo que não façam a mínima ideia dos seus (provavelmente vários) países de origem. Visto que os escravos negros começaram a chegar ao Brasil, transportados pelos portugueses, a partir do século XVI, não existe qualquer tipo de identificação com um longínquo povo de origem.
Por outro, são muitos os que se insurgem com a nova medida e formam grupos de resistência ao regime político, operando de forma clandestina e promovendo protestos até conseguirem inspirar toda a nação. A narrativa acompanha uma série de personagens que fazem parte destes movimentos, algumas das quais interpretadas por Seu Jorge e por Alfred Enoch (mais conhecido pela saga de “Harry Potter”).
“Como é que a gente não viu isso? Como é que a gente deixou chegar nesse ponto? Como a gente riu disso?”, questiona André (Seu Jorge), quando a medida é posta em prática pelo estado. O filme foi quase todo gravado no Rio de Janeiro, com foco para os antigos quilombos outrora povoados pelos escravos negros fugidos e que agora voltam a ser um lugar de reclusão — mas também de resistência — para os seus descendentes.
Também se reflete, claro, sobre o que é isso de se ser negro ou não — sobretudo num país tão miscenizado e em que praticamente toda a gente é o fruto de uma grande mistura. Daí que ainda menos sentido faça falar-se em segregações raciais.
“Medida Provisória” conquistou o prémio de Melhor Argumento no Indie Memphis Film Fest, foi elogiado pela crítica do importante festival SXSW e é a longa-metragem brasileira com mais profissionais negros à frente e atrás das câmaras.
No elenco estão ainda nomes como Taís Araújo, Adriana Esteves, Renata Sorrah, Diva Guimarães, Hilton Cobra, Flavio Bauraqui, Mariana Xavier, Dani Ornellas e o rapper Emicida.