Recriaram o Maxime no Ritz Clube — teve de ser pintado e construíram-se paredes — e as filmagens aconteceram todas em Lisboa, à noite, no espaço de dois meses, em 2016. “No primeiro dia de rodagem, o Manel vem ter comigo e diz que encontrou o Sr. João. O Sr. João era o empregado de mesa original do Maxime, tinha lá estado 40 anos.” Perguntaram-lhe se queria aparecer no filme e o Sr. João não se fez de esquisito. “Foi a casa, trouxe a farda daquelas à antiga, com colete, e com uma coisinha a dizer Maxime. Estava a servir à mesa. ‘Sr. João, isto parece-lhe o Maxime?’ ‘Epá, estou aqui há 40 anos.’ O gajo nem deu por nada, lindo.”
O período de filmagens foi atribulado. “Foi uma rodagem completamente louca, até com pessoas que caíram do palco e foram parar ao hospital. Filmámos no Cais do Sodré, com pessoas à porrada ao nosso lado, garrafas a partir, ‘bora, continuamos’. Roubaram-nos computadores, foi uma maluqueira. Mas isso às vezes é bom, porque o caos contribui para a energia, às vezes se é tudo muito certinho perde ali qualquer coisa. Quando tens perigo à volta e estás a filmar, aproveitas isso.”
Outra das histórias mais insólitas tem a ver com o tigre que aparece no filme, num dos números de circo no Cabaret Maxime. “Fui eu que o descobri em Matosinhos. O tigre chegou e de repente a equipa desapareceu. Estavam todos escondidos. Então fiquei eu com a câmara de 35mm e o tigre, que não fazia nada, não se mexia. O homem dizia — era uma tigre, a Shakira — que ela estava com o período e não estava lá muito bem disposta [risos].”
A NiT aproveitou o regresso de Michael Imperioli a Lisboa, a propósito da estreia do filme, para falar com o ator que se tornou mais conhecido pelo papel em “Os Sopranos”.
O Michael conheceu o verdadeiro Maxime, tocou lá com a sua banda em 2006. Que memórias tem daquele espaço?
Da primeira vez que fui ao Maxime, vi a banda do Manuel João [Vieira], os Ena Pá 2000, e fui transportado. Tanto pelo espaço como pela banda, a experiência, era um clube com um aspeto incrível. Parecia que estavas a viajar atrás no tempo, com um ambiente mesmo romântico dos anos 30. Parecia algo de Berlim ou Paris, e um bocadinho perigoso ao mesmo tempo. Tocar lá foi a primeira vez que tocámos juntos. A banda era mesmo nova, foi a primeira vez que cantei em público desde que era miúdo. Foi bastante assustador [risos].
Coincidiu com os últimos anos de “Os Sopranos”, estiveram lá bastantes fãs.
Estavam muitas pessoas, foi ótimo. Eu apaixonei-me por aquele clube. Era mesmo especial, não havia muitos sítios como aquele no mundo.
E por isso também fazia sentido que participasse neste filme se o objetivo era captar esse universo.
Sim, exato, o filme tem outra camada de significado por causa disso.
A sua personagem é o dono do clube. Qual é a sua maior parecença com a personagem?
Bem, eu tinha um teatro em Nova Iorque, a minha mulher e eu construímo-lo. Nós produzimos peças e encontrávamos as pessoas para as fazer. De alguma forma, era parecido, nós protegíamos os nossos, era a nossa casa — tal como o caso do Bennie — e muitas das pessoas que lá trabalhavam são pessoas que conheço há muitos anos. Por isso, percebo a questão de construir algo, fazer uma família e querer proteger isso, querer que floresça e que estejam seguros. E ser um pai: eu tenho três filhos. E o Bennie é como se fosse um pai para várias daquelas pessoas.
Sei que as filmagens duraram cerca de dois meses aqui em Lisboa. Como foram esses tempos?
Estive a trabalhar a maior parte do tempo, mas já conhecia a cidade, estava a viver em cima da livraria Bertrand, o que adorei. Estava naquele edifício, aquela é a livraria mais antiga do mundo. E eu amo livrarias, por isso foi bastante apropriado. Foi uma altura muito especial e criativa, a trabalhar todos os dias, estava sempre no set. Não queria que acabasse, para ser honesto, e era como se estivesse naquele mundo. Estive no cabaret durante dois meses.
E foi mesmo como se o cabaret tivesse sido reconstruído.
Sim, estava vivo outra vez, porque havia músicos a tocar, espetáculos no palco, era como se estivéssemos mesmo a viver naquele mundo. É um mundo divertido para se viver por um par de meses.
E pensa que esse mundo deveria existir mais, no mundo real?
Penso que sim. O indivíduo precisa da possibilidade de se expressar, sem as preocupações do dinheiro, do ramo imobiliário e do negócio. O que o Bennie está a tentar fazer naquele clube é uma expressão individual, e é isso que o Bruno está a tentar fazer. Este é um filme muito pessoal para o Bruno. Ele entende, ele amava o Cais do Sodré. Costumava ir para lá quando era um miúdo. Mas mesmo quando eu vim cá pela primeira vez, em 2006…

A sua série favorita dos últimos anos é “The Crown”
Era muito diferente de como está agora, certo?
Sim, era uma coisa mais local, uma coisa de bairro, era meio sinistro, um bocadinho sombrio. Agora é como muitos outros sítios. O Bruno apaixonou-se pelo Cais do Sodré porque era único, era distinto e orgânico, veio daquele bairro — de um certo estilo de vida e de um certo momento cultural. O que existe agora não veio da comunidade, veio de fora, das pessoas com dinheiro, precisam de um hotel nesta cidade então vão pôr um aqui, é preciso um bar nesta cidade então vamos pôr um aqui, torna-se como todos os outros sítios. Esse é o problema.
O Bruno de Almeida disse-me há pouco que, quando lá estavam a filmar, houve cenas de pancada ao vosso lado. Como é ser ator nessas condições?
Sim, pessoas bêbedas a atirar garrafas. É um pouco assustador, não há uma boa energia, havia violência. Mesmo neste sábado à noite houve uma luta, eu estava no Viking e pessoas a lutar lá fora. Porque havia muitos turistas… ouve, não é como se aquele sítio não tivesse violência antes, era duro, mas as pessoas respeitavam o sítio porque era a casa deles. Agora as pessoas que vêm para beber durante o fim de semana não são necessariamente respeitosas pelo sítio. Para mim é muito confuso. Para quê vir para Lisboa para isso? Podes fazer isso seja lá onde viveres. Estás aqui para ficar bêbedo e mijar na rua ou queres experienciar algo cultural? Isso aconteceu em Nova Iorque, é a mesma coisa. Nova Iorque ficou muito turística, cara, as pessoas vêm com dinheiro…
Faz com que a cidade perca identidade?
Claro que faz. Estes bairros tornam-se interessantes por causa da identidade deles, certo? Toda a gente os visita por causa daquilo que foi criado, e agora é caro, e as pessoas que o criaram têm de sair, porque não são ricas. É uma coisa estranha. Mas Lisboa é uma cidade linda, ainda tem a sua alma, apesar de achar que vai ser um desafio para a preservar.
Qual é a melhor história das filmagens aqui em Lisboa? Será que envolveu o tigre?
Eu mantive-me longe desse tigre. Não queres demasiadas pessoas à volta de um tigre. Mas uma noite, o Johnny, eu e o Bruno — era noite de folga, um sábado, não estávamos a gravar —, fomos ver a Celeste Rodrigues a cantar no [Café] Luso, no Bairro Alto. São duas ou três da manhã e o telefone do Bruno toca, era um vizinho, ao lado do clube, a dizer que há um problema com os fios. Está a chover, são três da manhã, vamos até ao set, não está lá ninguém, os fios estão soltos — o cabo está a descer da janela para a rua —, então nós os três temos de pegar nos fios e, de forma correta, colá-lo no prédio, pôr a parte de borracha por cima, deixar tudo seguro e impecável enquanto ficamos completamente encharcados [risos], durante imenso tempo. Nem estávamos a fazer o filme, era o nosso fim de semana e estamos às três da manhã a arranjar cabos no meio da rua. Mas é isso que é o cinema independente. É isso que o faz diferente e especial.
Agora que já conhece a cidade, quais são as suas coisas favoritas para fazer aqui em Lisboa?
Gosto da livraria Bertrand, é um grande sítio, gosto daquela grande praça que fica junto do rio, como é que se chama?
O Terreiro do Paço?
Sim, adoro-o. Acho que há algo de muito especial naquele espaço aberto tão grande. E conhecer a história desta cidade, tenho sempre a sensação de que estou a viajar no tempo. É algo mágico. E simplesmente gosto de andar por aqui, nunca fico cansado de andar, há sempre um novo sítio e uma nova surpresa, e ontem à noite [domingo] fomos a um dos meus restaurantes favoritos, que não é em Lisboa, fica em Cascais: o Entráguas. Esta cidade de alguma forma é como Nova Iorque, não tens de ter um plano, podes simplesmente deambular pela cidade e é isso que eu adoro. Gosto do bar Viking, é um dos meus sítios favoritos. Porque ainda é único, é um dos antigos que ainda se aguenta por ali. E também gosto do restaurante Pap’Açorda, é muito fixe.
Trabalha com alguns destes atores desde o tempo de “Os Sopranos” ou até há mais anos. Como é trabalhar com eles há tanto tempo?
Desenvolves um ponto de vista comum do mundo, da arte e encontras semelhanças nas coisas de que queres falar… e o Bruno, este é o terceiro filme que faço com o Bruno. Tornámo-nos amigos porque penso que partilhamos várias sensibilidades, sobre filmes, arte… vais acabar por criar algo que não conseguirias criar com estranhos. É como uma família. E penso que o que está neste filme é o resultado de colaborar com estas pessoas há muito tempo, de várias ideias discutidas. É quase um milagre que tenha acontecido. Ainda não vi o filme. Vou vê-lo na quarta-feira pela primeira vez.
Está ansioso por o ver?
Bem, o Bruno queria que eu o tivesse visto há mais tempo, mas eu disse: “olha, não vou conseguir ajudar-te. Não te vou conseguir dar notas porque não consigo ser objetivo, por isso… porque é que não espero até estar feito, no cinema e com toda a gente lá?”
Há uns meses foi anunciado que vai haver um filme de “Os Sopranos”, uma prequela passada nos anos 60, e isso significa que o Chris Moltisanti não vai aparecer, porque nem sequer tinha nascido. Mas gostava de poder aparecer nesse filme, ou que a história se passasse noutra altura?
Gostaria se houvesse algo específico para eu fazer… falar disso no abstrato é um pouco difícil. Por isso, lá estarei se me quiserem lá.
Tem saudades de “Os Sopranos”?
Sim, tenho memórias muito boas desse tempo. Foi muito divertido.
Pensa que a televisão precisa de mais histórias sobre o universo da máfia?
Nem são histórias da máfia… penso que aquilo que “Os Sopranos” eram era uma história muito humana. Por isso é que as pessoas se identificavam, porque transcendia o género da máfia, e tinha simplesmente pessoas a lidar com as coisas, a família e com eles próprios. Penso que o mundo precisa de histórias assim, e “Os Sopranos” foram muito bem feitos. O David Chase realmente criou algo muito especial. Há muitos maus filmes da máfia que o mundo não devia ver, porque são merdosos — só por serem da máfia não os torna bons. Este também acaba por ser um filme de gangsters, de certa forma. Mas é a execução que o torna interessante.
E quais foram as suas séries favoritas dos últimos anos?
Gosto de “The Crown”, achei muito bom, foi uma das minhas favoritas recentemente, gostei de “National Treasure”… gosto bastante de coisas de comédia, tipo “American Dad” e “Futurama” e coisas assim [risos].