“Aqueles que gostam de dinheiro devem ser expulsos da política. Eles são um perigo.” A frase ficou associada a José “Pepe” Mujica, agricultor e antigo presidente do Uruguai, que morreu esta terça-feira, 13 de maio, aos 89 anos, vítima de um cancro no esófago. A notícia foi avançada por Yamandú Orsi, atual presidente do país sul-americano.
Mujica liderou o Uruguai entre 2010 e 2015 e tornou-se um símbolo da humildade, coerência e resistência. Durante o mandato, recebia cerca de 10 mil euros mensais e doava quase 70 por cento ao seu partido, a Frente Ampla, e a um fundo para construção de casas. Ex-guerrilheiro e preso político, foi sempre uma figura próxima do povo.
Nascido em Montevidéu, cresceu num ambiente rural, marcado por dificuldades económicas. A ligação à política surgiu cedo, mas foi nos anos 60 que se juntou ao Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, grupo guerrilheiro de esquerda que combatia a desigualdade e a repressão do Estado.
Participou na Tomada de Pando, a 8 de outubro de 1969, em que os Tupamaros ocuparam instalações estratégicas na cidade com o mesmo nome. Acabou por ser preso em 1972 e passou 13 anos encarcerado, muitos dos quais em isolamento total, sem livros ou contacto humano.
A sua experiência como prisioneiro é retratada no documentário da Netflix “El Pepe: Uma Vida Suprema”, realizado por Emir Kusturica. “Passei anos a falar com sapos e formigas”, recorda num dos momentos mais fortes do filme.
Após a restauração da democracia, em 1985, Mujica foi libertado e entrou na política institucional. Fundou o Movimento de Participação Popular, inserido na Frente Ampla, foi eleito deputado em 1994 e, anos depois, ministro da Agricultura. Chegou à presidência em 2010.
No cargo, recusou luxos: continuou a viver na sua quinta nos arredores de Montevidéu, cultivava flores e legumes, doava parte do salário e circulava num Volkswagen Fusca azul, que se tornou símbolo da sua postura. Era comum vê-lo a fazer compras no supermercado como qualquer outro cidadão.
Durante o mandato, legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, regulou a produção e venda de canábis e defendeu políticas ambientais. Foi também um dos primeiros chefes de Estado a falar sobre os efeitos do consumismo.
“Quando eu compro algo — ou vocês — vocês não compram com dinheiro, mas sim com o tempo de vida que tiveram que gastar para ter esse dinheiro”, disse numa entrevista à “Deutsche Welle”. “A única coisa que não podemos comprar é a vida. A vida gasta-se. E é miserável desperdiçar a vida para perder a liberdade.”
O documentário mostra um Mujica com falhas e contradições, mas com uma integridade que resistiu aos anos. A relação com Lucía Topolansky, também ex-guerrilheira e sua mulher, é outro dos focos do filme. “A liberdade é gastar o maior tempo possível da nossa vida com aquilo que gostamos de fazer”, afirma.
Carregue na galeria e conheça algumas das séries e temporadas que estreiam em maio nas plataformas de streaming e canais de televisão.