A primeira tentativa de entrar na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) foi um falhanço. Marianne Harlé acabou por não ser aceite e decidiu tirar o ano para trabalhar, tocar música na rua e, pelo meio, fazer sua primeira curta-metragem, “Impessoal”. “Foi algo do tipo, ‘Ai não me deixam entrar? Vão ver como eu consigo fazer filmes'”, conta à NiT a jovem cineasta de 24 anos.
Ironia do destino, a curta-metragem acabou mesmo por ser premiada e Marianne voltaria a tentar candidatar-se — dessa vez com sucesso. Hoje, é uma das dez finalistas da quarta edição do New Talent, o concurso promovido pela NiT, TVI e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para eleger os melhores jovens talentos de Portugal na área do lifestyle. No final, o vencedor irá receber 10 mil euros para desenvolver um projeto pessoal ao longo do próximo ano.
Esta história começa em Paris, em 1998. Os pais, músicos profissionais, tinham-se mudado para a capital francesa para estudarem. “A família do meu pai é portuguesa. A da minha mãe é metade portuguesa, metade francesa”, conta. “Estavam em Paris e pronto, eu aconteci e eles acabaram por voltar.” Não herdou apenas os genes franceses, mas também os de uma família imersa nas artes. Os pais são músicos. O avô é compositor, maestro e pianista. As tias trabalham ligadas ao cinema. Que Marianne se apaixonasse pelas artes, era quase uma inevitabilidade.
Curiosamente, a música esteve em primeiro plano nos primeiros anos. “A minha mãe queria que eu tivesse uma formação musical, mas não era forçosamente algo que me apaixonasse na altura. Comecei pelo violino, depois pelo piano. Nenhum deles funcionou.”
Acabaria por se formar no conservatório, em percussão, e hoje redescobriu a paixão pela música, pela flauta transversal e pela utilidade da formação na área da realização. “Nascer nesta família foi uma sorte, permitiu-me encontrar o meu espaço, ter o apoio de que precisava no mundo artístico.”
A formação em cinema começou cedo, com apenas quatro anos. Era ao lado do avô que ia tendo contacto com as primeiras obras, filmes de Jacques Tati, Charlie Chaplin e Buster Keaton, que intercalava com os populares desenhos animados. Mais tarde, chegou a influência definitiva.
O professor de psicologia, do ensino secundário, “era um enorme cinéfilo” e, à margem das aulas, organizava sessões de cinema para os alunos. “Foi ele quem mais fomentou a minha cultura cinematográfica”, recorda.
“Nem me lembro bem do momento em que se tornou claro para mim que queria fazer cinema. Apenas que, de um dia para o outro, isso fazia todo o sentido.” Para trás ficou a música, a dança e até o sonho curioso de ser astrónoma, rapidamente destruído pela perceção de que “os dotes de matemática eram muito inferiores ao necessário”.
No compasso de espera que fez após a rejeição da candidatura, ainda ensaiou uma tentativa no curso de Ciências da Comunicação, onde percebeu finalmente que não era “nada daquilo que queria”. “Acho que esse ano foi a melhor coisa que me podia ter acontecido. Permitiu-me amadurecer. Tive tempo para trabalhar, para pensar, para fazer um pequeno filme. Tudo coisas positivas que me fizeram ter a certeza que queria voltar a tentar.”
Acabaria por entrar na ESTC e especializar-se em realização. “Ao realizar filmes, percebi que me era bastante confortável, que fazia sentido”, conta, apesar de ter percorrido um pouco por todas as áreas e, ainda hoje, trabalhar em vários projetos no departamento de arte, responsável pela construção dos cenários e do guarda-roupa.
“Isso ajudou-me também a contactar com realizadores, com equipas com muita experiência, perceber o trabalho fora da realização”, diz. “A realização nunca foi uma certeza muito grande, foi um processo. Hoje é um lugar onde gosto de estar.”
No curso, realizou um documentário sobre os caretos de Podence e terminou a licenciatura com “Altas, as Gaivotas”, que estreou no IndieLisboa. Também já passou pelos sets de “Mal Viver”, de João Canijo, e de “Lobo e Cão”, de Cláudia Varejão. Além do cinema, vai trabalhando a criatividade e afinando a perícia nas mais diversas áreas, da fotografia ao vídeo, em videoclipes musicais ou editoriais de moda.
“A minha relação com o vídeo surgiu ainda na escola, quando fui contratada por um músico para trabalhar numa digressão pela Europa, a filmar, a registar tudo”, conta. Aos poucos, foi conjugando os trabalhos, os interesses, as técnicas e a visão.
“De repente, estou a fazer editoriais de moda, que até é algo que eu gostaria de aprofundar. Num videoclipe, por exemplo, encontramos universos mais estéticos que me interessam muito e que acabam por me dar ideias para o cinema.”
Também são, claro, fontes alternativas de rendimento, sempre importantes, sobretudo para quem, como Marianne, procura continuar a desenvolver e a criar filmes independentes.
É o caso do seu próximo grande projeto, aquele de qual se sente mais orgulhosa. “É, sem dúvida, o processo que mais me marcou até hoje, o meu primeiro filme fora da escola. Permitiu-me perceber que é possível fazer isto de forma independente”, nota. Chama-se “Consolação” e é o culminar de um processo de três anos que ainda não chegou ao fim.
Daí até ao sonho de ganhar os 10 mil euros, é um pequeno salto. “Há, naturalmente, uma relação muito imediata com a ideia de finalizar este filme, que ainda vai para pós-produção, o que terá custos que terão que ser pagos por mim. O prémio permitiria focar-me completamente na sua finalização”, explica.
“Depois há também a vontade de desenvolver projetos futuros. Estou em fase de candidatura de outro filme e há sempre uma necessidade de tempo para os desenvolver — e o tempo precisa desse conforto monetário.”