Quem é que apostaria que um filme de produção nigeriana chegaria, em poucos dias, ao top global e nacional da Netflix? É certo que as probabilidades subiram exponencialmente, sobretudo no rescaldo do fenómeno “Squid Game”. A produção sul-coreana provou que séries e filmes noutras línguas que não o inglês podem ser bem sucedidas no contexto globalizado do streaming.
“Na Lista Negra” é um desses exemplos — trata-se da mais recente adição ao catálogo da Netflix, que conta já com algumas produções nigerianas, ou devemos dizer antes made in Nollywood. O thriller conta a história de um pai que viu o filho ser assassinado. Conformado com a morte, mostra-se pouco feliz com o facto de ele ter sido acusado de um crime que não cometeu.
É nas duras ruas da Nigéria que Paul Edima procura limpar o nome do filho e, pelo caminho, vingar a morte — e castigar os membros do gangue de polícias corruptos culpados pelo crime. Além de “Na Lista Negra”, a plataforma alberga outras produções como “Shanty Town: Bairro de Lata”, “Castle and Castle”, “A Sunday Affair”, “Aníkúlápó” e “Far From Home”. Um sinal de que a produção nigeriana está a crescer.
De facto, Nollywood não é uma promessa. É uma certeza: e os números comprovam isso mesmo. O universo cinematográfico nigeriano, conhecido como Nollywood – numa alusão à indústria cinematográfica, com Hollywood à cabeça e depois com a indiana Bollywood –, tornou-se numa das principais indústrias cinematográficas globais e chega mesmo a ultrapassar Hollywood em termos de quantidade de filmes produzidos anualmente. Se os americanos lançam 600 a 700 filmes por ano, os nigerianos ultrapassam o milhar. É, portanto, a segunda maior indústria cinematográfica do mundo, apenas atrás de Bollywood.
Nollywood abarca filmes nigerianos realizados no continente africano e também as sub-indústrias cinematográficas na diáspora africana. Estes setores menores incluem indústrias focadas em filmes nas línguas Yoruba, Igbo e Hausa. Incorpora também produções em inglês, feitas nos países vizinhos e filmes nigerianos realizados nos Estados Unidos.
A história de Nollywood começa nos anos 60, altura em que os filmes eram praticamente amadores, feitos com filmagens caseiras. Hoje encontram-se até alguns sub-géneros, de filmes de terror até ao que já se chama Nolly-noir. Após a declaração de independência em 1960, cineastas nigerianos como Ola Balogun, Hubert Ogunde e Eddie Ugboma começaram a produzir filmes e são hoje considerados como a primeira geração de cineastas de Nollywood.
Como seria expectável, as produções tornaram-se sobretudo populares entre os nigerianos. O crescimento da indústria sofreu na década de 80 com falta de equipamento profissional. Mesmo com produções de baixa qualidade, os anos 90 trouxeram alguma prosperidade e permitiram que os cineastas nigerianos pudessem dedicar-se ao ofício. Um dos primeiros grandes êxitos foi o blockbuster de Chris Obi Rapu lançado em 1992, “Living in Bondage”.
Apesar de o filme ter sido lançado em vídeo caseiro, tornou-se um enorme sucesso e fenómeno cultural. De tal forma que teve direito a uma sequela, “Living in Bondage: Breaking Free”. A estreia nos cinemas, em 2019, ajudou a arrecadar mais de 343 mil euros, uma enormidade quando comparado com o custo de produção de apenas 20 mil.
O grande salto de qualidade aconteceu no início do século, com um maior investimento do governo nas artes e com a exigência do público de produções mais profissionais. Melhoraram as condições, as produções, os argumentos e também as performances. “The Wedding Party” de 2016, realizado por Kemi Adetiba, foi um dos recordistas de bilheteira que chegou aos festivais internacionais de cinema — estreou precisamente no de Toronto.
Em 2013, por exemplo, tornou-se na terceira indústria cinematográfica mais lucrativa do mundo, com 4,6 milhões de euros arrecadados. Atualmente, as consultoras especializadas projetam um crescimento anual de cerca de 19 por cento, e poderá tornar-se numa das maiores exportações do país africano.
Nollywood não se faz apenas com filmes para as salas de cinema. Em 2016, a Netflix chegou-se à frente na exploração do potencial da Nigéria. A plataforma, que tem investido em diversos países, tem sido uma das principais impulsionadoras da expansão da indústria no país. Segundo números avançados pela TechPoint, estima-se que o número de assinantes no continente possa chegar aos 5,6 milhões até 2026.
Desde que entrou no mercado de Nollywood, a Netflix comprometeu-se a apoiar com 21 milhões de euros mais de 250 conteúdos de vídeo produzidos localmente. “Blood Sisters”, a primeira produção original nigeriana da plataforma, alcançou um marco significativo ao ser classificada como uma das 10 séries mais vistas globalmente. Estreou em maio de 2022 e acumulou 11 milhões de visualizações na primeira semana. O êxito parece repetir-se agora com “Na Lista Negra”.
Há mais produções originais da Netflix a fazerem sucesso: “Far From Home”, “Shanty Town” ou mesmo “King of Boys”. E, pelo que se pode ver, serão apenas as primeiras de muitas a chegar aos cinemas e à Netflix.