Cinema

O novo “Hellboy” é o melhor blockbuster de super-heróis do ano (por enquanto)

O filme com David Harbour estreia esta quinta-feira, 11 de abril. Leia a crítica da NiT.
David Harbour interpreta o protagonista.
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Num ano marcado por grandes lançamentos de filmes de super-heróis — o épico de três horas que será “Vingadores: Endgame” está quase a chegar — o regresso de “Hellboy” (nas salas portuguesas a partir de quinta-feira, 11 de abril) pode ser encarado como apenas mais um na lista. Mas apesar de partilhar algum código genético com os recentes “Aquaman” e “Capitão Marvel”, este demarca-se por uma razão essencial: é feito a pensar num público mais adulto e aproveita essa liberdade para criar um mundo mais bizarro do que os universos da Marvel e DC.

“Hellboy”, como seria de esperar, conta-nos uma nova versão da origem da personagem: um grupo de nazis recruta o místico russo Rasputine para conjurar poderes demoníacos que lhes permitam vencer a Segunda Guerra Mundial. Infelizmente para estes, os Aliados interrompem o ritual e conseguem derrotá-los com a ajuda de “A Lagosta”, um herói dos anos 30 que marca os inimigos com o símbolo de uma pinça (e sem ninguém se rir no processo).

No final, o professor Broom (Ian McShane) adota a criança infernal invocada pelos nazis e educa-a para combater o mal, integrando-a no BPRD, uma espécie de FBI para casos sobrenaturais. A narrativa maior do filme está relacionada com a mitologia arturiana, onde Nimue (Milla Jovovich), rainha não-oficial das criaturas míticas em geral e das bruxas em particular, conspira para recuperar os seus poderes e trazer o fim ao mundo dos homens. Pelo meio, levanta-se a questão do papel de Hellboy enquanto arauto do apocalipse, um destino que o próprio renega mas que o persegue ao longo da história.

O filme funciona como um reboot do franchise, 11 anos depois do lançamento de “Hellboy II: o Exército Dourado”, de Guillermo del Toro. O cineasta mexicano foi aqui substituído por Neil Marshall, que se revela uma escolha natural pela experiência com cinema de terror (“A Descida”), ação (“Centurião”, “Doomsday — Juízo Final”) e, mais recentemente, de alguns episódios memoráveis de “A Guerra dos Tronos”. Além da mudança de realizador, a personagem principal é agora interpretada por David Harbour (o polícia Jim Hopper, de “Stranger Things”), que consegue fazer esquecer o mítico Ron Perlman e enche o ecrã sempre que está em cena. O carisma natural de Harbour é o grande trunfo de “Hellboy”, apesar de este estar bem acompanhado pelo sempre ótimo Ian McShane (“Deadwood”), Daniel Dae Kim (“Perdidos”) e a novata Sasha Lane (“American Honey”).

O realizador Neil Marshall e o argumentista Andrew Cosby aproximaram mais “Hellboy” das suas origens do que Guillermo del Toro. Embora os dois filmes partilhem algumas características, esta nova versão é mais brutal e violenta do que a encarnação anterior, conseguindo uma mistura bem sucedida de terror, comédia e folclore pagão europeu, complementado pelo incrível design de personagens inspirado pelo criador Mike Mignola (parte foi criada em Braga). Esse talento visual é também uma das grandes valências do filme, com destaque para a sequência memorável na casa da bruxa Baba Yaga, uma das melhores personagens de terror de 2019. A fidelidade aos comics também se torna óbvia pela história, que toma como base a minissérie “Hellboy: The Wild Hunt” e que Neil Marshall segue de perto, ao contrário de Guillermo del Toro, que aproveitou o segundo filme da série para elaborar uma história mais independente da banda desenhada.

O lado negativo de “Hellboy” tem que ver com o seu excesso de partes distintas, parecendo por vezes uma coleção de situações em que as personagens saltam de cenário em cenário como quem passa de nível num jogo de computador. É um problema recorrente em quase todos os filmes do género e que obriga a narrativa a manter-se num ritmo excessivamente acelerado para o seu próprio bem — essa falta de tempo para subtilezas acaba por provocar alguns diálogos explicativos demasiado forçados. Há uma pressa óbvia, e escusada, em construir o mundo de “Hellboy” para lançar as sementes da sequela prometida nas três cenas que passam nos créditos. Havia aqui algures um filme melhor, mas os seus defeitos não impedem que “Hellboy” seja, por enquanto, o mais bem conseguido dos blockbusters de super-heróis do ano.

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